Transitou em julgado sentença da juíza leiga Cristina Beiriz, do Juizado Especial Cível de Novo Hamburgo, que condenou a empresa Pilbra Ltda. a indenizar por danos morais uma consumidora e a devolver a quantia por ela paga por um curso de leitura dinâmica.
A autora Michele Amaral Weiand ajuizou a ação narrando ter sido atraída pela promessa – frustrada – de que aprenderia a ler duas mil palavras por minuto com garantia de 100% de compreensão, mas, quase no final do curso, sequer era capaz de ler mil palavras.
Por sua vez, a ré se defendeu alegando que a sua atividade é apenas de venda de material didático como forma de aprendizagem autodidata e, opcionalmente, de serviço de suporte ao cliente.
A sentença se amparou em precedente jurisprudencial em que a mesma ré foi condenada por fato semelhante, em que ficou demonstrado que a parte autora aderiu ao curso por acreditar na promessa de aumento da sua capacidade de leitura, meta esta considerada “inatingível, divorciada da realidade”, o que importou em propaganda enganosa.
Por isso, o contrato foi declarado rescindido e a ré compelida a devolver a quantia paga pela autora (R$ 3 mil, mais IGP-M desde o desembolso e juros de 12% a contar da citação), mediante restituição do material didático por esta.
A julgadora considerou, ainda, que a demandada merece punição pela sua conduta comercial, “onde se oferece algo e entrega-se outra coisa”, principalmente porque “possui diversas ações contra si”, demonstrando violar o direito do consumidor à informação adequada e precisa e induzi-lo em erro.
A reparação do dano moral será de R$ 2 mil, com IGP-M a partir da publicação da sentença e juros de 12% ao ano desde a citação.
Atua em nome da consumidora o advogado Eduardo Pompermayer Silveira. (Proc. nº 019/3.10.0003066-2).
ÍNTEGRA DA SENTENÇA (24.09.10)
JUIZADO ESPECIAL CÍVEL DE NOVO HAMBURGO
Demandante: MICHELE AMARAL WEIAND
Demandada : PILBRA LTDA
Processo n° : 019/3.10.0003066-2
Juíza Leiga : Cristina M. B. Beiriz
Data : 17 de setembro de 2010
Vistos, e examinados estes autos.
Cuida-se de rescisão contratual c/c devolução de valores e indenização por danos extrapatrimoniais, decorrente de contratação de aprendizado com promessa de leitura de 2000 palavras por minuto com garantia de 100% de compreensão, o que restou frustrada, haja vista que já está na 13 guia das 16 e ainda não consegue sequer ler 1000 palavras por minuto, tendo efetuado o pagamento integral do contrato.
A demandada oferece contestação escrita(fls. 67/79), aduzindo, em suma que limita suas atividades a venda de material didático com forma de aprendizagem autodidata e, opcionalmente oferece serviço de suporte.
Tenho que a ação mereça ser julgada procedente.
Conforme se verifica do e-mail de fls. 30/31, a autora, bem antes da propositura da ação, já demonstrava sua insatisfação com o resultado prometido, sendo que em 18.02.2010, já revelava que não conseguia marcar aula.
De outra sorte, o contrato de fl. 21 revela que o material didático adquirido refere-se a 90% do valor pago e em caso de cancelamento o valor restituído será proporcional ao tempo que faltar e somente em relação ao serviço de monitoria, ou seja, sobre os 10%.
De início, tal cláusula já revela a disparidade em prejuízo do consumidor, assumindo caráter abusivo, conforme desautoriza o art. 39, V do CDC, razão pela qual deve ser declarada nula de pleno direito.
Tenho que o objeto dessa ação não visa discutir o método de ensino ou a capacidade de aprendizagem, mas a validade das cláusulas contratuais e a propaganda enganosa que acabou por induzir a autora na aquisição do produto e do serviço que não apresentou o resultado prometido.
Inclusive, foi objeto de recente notícia veiculada no site do Tribunal de Justiça de nosso Estado, datada de 17/09/2010, intitulada como ” indenização por publicidade enganosa de curso de leitura dinâmica”, a 1ª.Turma Recursal votou no sentido de dar razão ao consumidor, conforme, aliás, oportuna a transcrição da ementa do recente julgado que deu origem a notícia, em processo da mesma natureza e com mesmo objeto desta ação, movido contra a ora ré:
consumidor. publicidade enganosa. anúncio de curso de “leitura dinâmica” garantindo resultados inatingíveis. direito à restituição dos valores pagos pelo curso. dano moral caracterizado.
Sendo legítima a expectativa do autor de que obtivesse, através de Programa Integral de Leitura oferecido pelo réu, condições de ler 2.000 palavras por minuto, com 100% de retenção, e vendo frustrada tal expectativa pela inatingibilidade da meta prometida, responde o réu pelos prejuízos causados. Publicidade enganosa, prometendo a leitura de “200 páginas em 20 minutos com 100% de compreensão e retenção”. Indenização dos danos materiais equivalentes aos valores despendidos com o curso e fixação da indenização dos danos morais em quantia módica.Recurso provido. 71002666576, 1ª Turma Recursal, rel. Ricardo Torres Hermann, 09/09/2010)
Cabível, inclusive transcrever parte do voto que revela e serve como fundamentação para um juízo de procedência, senão vejamos:
“O recorrente demonstrou, de forma inequívoca, que aderiu ao curso do réu por acreditar que teria capacidade de ler duas mil palavras por minuto, ou seja, aumentar em até dez vezes a sua velocidade de leitura, com total compreensão do texto. Evidente que referida meta é inatingível, divorciada da realidade e a propaganda é claramente enganosa.
Em tendo sido veiculada a falsa informação de que, após a realização do programa, o autor teria condições de ler – e absorver o conteúdo de – 200 páginas em 20 minutos, houve a indução do consumidor em erro mediante publicidade enganosa, pois, caso tivesse conhecimento de que a meta é irreal, provavelmente a ele não teria aderido. A prática antes referida se mostra expressamente vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme fica demonstrado pelo seguinte dispositivo:
Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
Assim sendo, muito embora afirme o recorrido que o autor não teria atingido o resultado pois não se dedicou suficientemente aos estudos, plenamente admissível um consumidor mais desavisado nutrir a legítima expectativa de ler 2.000 palavras por minuto.
Dessa forma, deve ser reformada a sentença para não apenas declarar rescindido o contrato, mas também determinar a restituição da quantia paga, tendo em vista o disposto no art. 20, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
Também se mostra adequada a indenização fixada a título de danos morais, não apenas para reparar o autor, que se viu ludibriado e constrangido diante de seu círculo social, mas também para coibir a conduta da requerida.
Não se questiona que o método adotado pela empresa possa melhorar a rapidez e a qualidade da leitura de seus alunos. Porém, não há qualquer prova de que o método gere resultados tão extraordinários quanto os anunciados. E, diante da abusividade da publicidade veiculada pelo requerido. “
Assim, tenho que a ação deva ser julgada procedente, para declarar rescindido o contrato, para condenar que a ré a restituir os valores integralmente pagos pela ré, declinados nos docs. de fls. 21, 24/29.
Deverá, contudo a demandante, restituir à demandada, o material didático objeto da nota de remessa de fl. 23 em até 10 dias após o trânsito em julgado desta decisão.
Em relação aos danos morais também procede a pretensão, não sendo justo não é justo que se limite a condenação ao pedido á restituição do valor pago, deve-se, sim, estabelecer uma punição a fim de que seja revista a conduta comercial, onde se oferece algo e entrega-se outra coisa, especialmente no caso da demandada que, pelo visto possui diversas ações contra si(fl.35), presumindo estar violando o direito do consumidor à informação adequada e clara acerca do produto, induzindo-o ao erro com o único intuito de satisfazer seus interesses econômicos.
Passo a fixar do montante indenizatório, o que faço ante ao princípio que deverá atender aos fins a que se presta, em princípio, oferecendo compensação ao lesado, atenuando seu sofrimento, e, quanto ao causador do dano, tem caráter sancionatório com a finalidade de que o agente não pratique mais o ato lesivo. Ademais, leva-se em consideração ainda a condição econômica da vítima e do ofensor, o grau de culpa, a extensão do dano, a finalidade da sanção reparatória e os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
O Novo Código Civil, especificamente nos dispositivos 944, § único e 953, § único, refere expressamente a necessidade de aplicação da eqüidade como parâmetro oferecido ao juiz para a fixação da indenização do dano moral, daí resulta a imprescindibilidade de serem consideradas as condições econômicas e sociais do agressor, bem como a gravidade da falta cometida, segundo critérios que evitem tanto o enriquecimento indevido de uma das partes como o arbitramento de sanções desproporcionais.
No caso em análise, a responsabilização pelos prejuízos extrapatrimoniais não tem apenas a finalidade reparatória, atendendo, também, ao caráter punitivo e sancionatório que integra essa forma de indenização.
Assim, considerando os danos experimentados pela parte requerente e a natureza lenitiva da medida, o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), sob a ótica dessa julgadora, mostra-se adequado e atende a finalidade do instituto, e em observância aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade.
Em face do exposto, opino pela procedência da ação para declarar a rescisão contratual e para condenar a ré a restituir ao autor o valor pago pelo curso (R$ 3.000,00 – fls. 21, 24/29), corrigido pelo IGP-M desde cada desembolso e acrescido de juros de 12% ao ano desde a citação. Ainda, para condenar a ré a pagar à autora indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), corrigida pelo IGP-M desde a publicação desta decisão e acrescido de juros de 12% ao ano desde a citação.
Deverá a autora no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado desta decisão restituir o material didático objeto da nota de remessa de fl. 23.
Fica a demandada advertida de que o não cumprimento espontâneo desta decisão após o trânsito em julgado acarretará na aplicação de multa de 10%(art. 475-J, CPC.
Esta é a decisão que nos termos do art. 40 da Lei 9.009-95 submeto a homologação do titular.
Novo Hamburgo, 17 de setembro de 2010.
CRISTINA M. B. BEIRIZ
Juíza leiga