Por Rodrigo Haidar
O princípio constitucional da publicidade obriga o Superior Tribunal de Justiça a justificar a rejeição da lista sêxtupla enviada pela OAB para a escolha da vaga do quinto constitucional da advocacia? Ou o simples fato de nenhum dos advogados indicados ter obtido a maioria absoluta dos votos dos ministros é justificativa suficiente?
Advogados e ministros do STJ terão de esperar um pouco mais para saber qual das duas alternativas prevalecerá na disputa entre o tribunal e a OAB. A definição do caso foi adiada por pedido de vista da ministra Ellen Gracie, no julgamento da 2ª Turma desta terça-feira (23/6), no Supremo Tribunal Federal.
Os ministros Eros Grau (relator) e Cezar Peluso entenderam que o STJ pode devolver a lista à Ordem sem qualquer justificativa. Neste caso, cabe à OAB apenas refazer a lista e reenviá-la ao tribunal. Já para os ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello, o princípio da publicidade obriga a corte a dizer os motivos pelos quais os candidatos à vaga de ministro pelo quinto não servem para o cargo.
Muitos dos advogados que assistiram à sessão da 2ª Turma do STF, nesta terça, demonstraram irritação com o voto do relator. Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto (de costas na foto), o voto de Eros Grau “admite a possibilidade de atos secretos no Poder Judiciário, a exemplo do que ocorre no Senado”. A categoria entende que o STJ tem de votar a lista até que alguém alcance os votos de 17 dos 33 ministros ou rejeitá-la formalmente e justificar os motivos de ter recusado os nomes escolhidos pela entidade de classe.
A polêmica entre o STJ e a Ordem começou em 12 de fevereiro do ano passado, quando o Plenário do tribunal fez a votação, mas não escolheu nenhum dos indicados pela OAB para a vaga de ministro aberta com a aposentadoria de Pádua Ribeiro. Depois, a Corte Especial decidiu devolver a lista à entidade. Como resposta, a Ordem deixou de enviar outra lista sêxtupla, de onde sairia o substituto do ministro Humberto Gomes de Barros.
Com isso, o STJ ficou com duas cadeiras de ministro vagas até dezembro, quando a Corte Especial convocou dois desembargadores estaduais para completar o quadro do tribunal até que a questão fosse decidida pelo Supremo. O que irá levar mais algum tempo.
Publicidade x subjetividade
De acordo com o ministro Eros Grau, o STJ já fundamentou sua decisão quando devolveu a lista à Ordem sem indicar qualquer candidato. “A fundamentação é singela: nenhum dos candidatos obteve a maioria absoluta dos votos”, disse. Eros Grau disse que, no caso, é preciso exercitar a prudência. “Os critérios de reputação ilibada e notório saber jurídico são extremamente subjetivos”, afirmou. Por isso, o ministro entende que a justificação dos motivos apenas pioraria as rusgas entre o tribunal e a entidade.
O ministro Joaquim Barbosa disse que reconhece o poder de o tribunal vetar a lista, mas não sem dizer quais os motivos o levaram a fazer isso. Para ele, o tribunal usou um subterfúgio para recusar sem ter de se justificar: “A decisão do STJ peca por déficit de motivação e transparência. Por isso, o ato é nulo”.
O decano na Corte, ministro Celso de Mello, fez um arrazoado sobre o princípio da transparência. Ele se lembrou de decisões do Supremo que garantiram a juízes saber por que tiveram promoções vetadas. O ministro citou recurso de um juiz contra o Tribunal de Justiça de São Paulo, julgado em 1985. No caso, o juiz teve seu vitaliciamento rejeitado pelo TJ paulista, sem justificativa. Ao julgar o caso, o STF anulou o ato e garantiu ao juiz o conhecimento dos fatos que ensejaram a recusa.
Para o ministro Cezar Peluso, contudo, o exemplo não se encaixa no caso da lista do STJ. “Não há direito subjetivo em jogo.” Peluso entende que o fato de a lista estar sujeita à deliberação para que o STJ escolha três nomes dá o direito de o tribunal não escolher ninguém. Se o tribunal não tem de justificar porque recusou três nomes ao formar uma lista tríplice, também não precisa dar motivos quando não escolhe nenhum deles, sustentou.
Batalha de classes
Os embates entre a magistratura e a advocacia em torno do quinto constitucional são frequentes, mas nunca haviam chegado à cúpula do Judiciário. A Constituição Federal garante a advogados e membros do Ministério Público um quinto das vagas em tribunais. Os juízes atacam o instituto com o mesmo vigor que as outras categorias o defendem.
No Supremo, não há precedentes claros sobre o tema, razão pela qual a definição do tema é bastante esperada. Os ministros do STF já discutiram quinto constitucional, mas o contexto e o caso em pauta eram diferentes. Em setembro de 2006, o Supremo decidiu que tribunais não podem interferir na composição das listas enviadas a eles pela OAB para a escolha dos advogados indicados pelo quinto. Com base em voto do ministro Sepúlveda Pertence, hoje aposentado, os ministros julgaram ilegal o ato do Tribunal de Justiça de São Paulo, que ignorou uma lista sêxtupla enviada pela OAB e a reconstruiu com outros nomes.
Na ocasião, o ministro Pertence declarou nula a lista e afirmou que o TJ paulista poderia até devolver a relação original à Ordem, desde que a devolução fosse “fundada em razões objetivas de carência por um ou mais dos indicados dos requisitos constitucionais” para a vaga de desembargador. O tribunal paulista resolveu justificar e devolveu a lista.
A rusga entre OAB nacional e STJ é diferente por dois motivos. Primeiro, os ministros não alteraram a lista enviada pela Ordem. Segundo, não houve rejeição formal. O número de votos obtido pelos candidatos não atingiu a maioria absoluta, depois de três votações. Assim, pelo regimento interno da Corte, ninguém poderia ser indicado.
“O que se discute não é a rejeição da lista, porque não houve rejeição. Está em discussão se o regimento interno do tribunal pode exigir que o indicado obtenha maioria absoluta dos votos, coisa que a própria OAB exige para escolher os advogados que compõem a lista”, afirma um ministro do STJ.
Para Cezar Britto, quando o STJ levou os nomes à votação, reconheceu que os candidatos apresentados pela OAB preenchem os requisitos constitucionais. A partir daí, só cabia ao tribunal reduzir a lista de seis nomes para três e enviá-la ao presidente da República.