por Hércules Amaral
Muitos comemoram a presente data enaltecendo tudo o que já foi conquistado à luz da Lei 8.078/1990, mais conhecida como Código de Defesa do Consumidor. E o fazem com razão, bastando, para tanto, comparar o panorama da defesa do consumidor antes e depois da edição dessa lei, que, em expressão muito nossa, pegou. É que, mesmo não sendo razoável admitir-se, no nosso país muitas leis não pegam.
Outros, fazendo uma comparação com a maioridade civil da pessoa natural, dirão que aos 18 anos esse jovem código já mostrou a que veio. Esses mais contagiados pela paixão que envolve o trato com a matéria relativa aos direitos do consumidor, e, portanto, mais contagiantes, também estão certos em festejar a data.
Todavia, o dia de hoje deve servir também para a reflexão mais criteriosa, na medida em que somos obrigados a reconhecer que, se de um lado os consumidores e o mercado como um todo já assimilaram os princípios e os ideais inseridos nos artigos, nos parágrafos e nos incisos do Código, de outro lado pouco se fala nos interesses dos consumidores.
Explico: enquanto o consumidor e as entidades em seu favor lutam pelo respeito e pela concretização dos direitos dos consumidores, as grandes corporações, as associações e as federações representativas de setores econômicos de peso tratam, em todos os planos, de interesses. Refiro-me, naturalmente, aquelas situações em que, na falta de um direito, as empresas se organizam em torno de seus interesses, e, não raras vezes, por meio da edição de novas leis, das decisões de agências reguladoras e do Poder Judiciário, terminam por transformar tais interesses, nem sempre legítimos, em direitos que passam a ser reconhecidos e tutelados pelo Estado.
Se há bons motivos para celebrar a evolução desde o nascimento do aniversariante de hoje, no que diz respeito à assimilação e defesa dos direitos do consumidor, fundamentalmente, à informação, à segurança, à qualidade e de reclamar, entre tantos outros tantos já incorporados aos mercados, não consigo ver razões para comemorar quando olho para a defesa dos interesses, sobretudo dos econômicos, que ainda ficam em um segundo plano.
Basta constatar a alta lucratividade de alguns setores, não obstante a maioridade do Código, em contraste com a péssima qualidade dos serviços prestados ou então o desempenho impressionante que registram alguns seguimentos econômicos, de um lado, e o superendividamento, não menos impressionante, dos consumidores, de outro.
É que advogamos somente os direitos enquanto deveríamos, de modo tão organizado eficiente como o fazem os fornecedores, defender os direitos e os interesses dos consumidores.
E não podemos culpar o Código de Defesa do Consumidor, pois ele mesmo, na flor dos seus 18 anos, lá pelo seu artigo 4º, como um rebelde, mas com causa, insiste em protestar entoando o seguinte refrão “a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo”.
Hoje é dia de festa e a comemoração é muito justa, mas imagino que se o código pudesse escolher o seu presente de aniversário, ao invés de escolher um produto comprado em dez vezes “sem” juros, como diz o mercado, por meio de cartão de crédito “com” juros ainda maiores, escolheria de presente um futuro em que o consumidor fosse consciente, além dos seus direitos, dos seus interesses econômicos, ambientais, sociais, culturais. Essa será a verdadeira maioridade.
Revista Consultor Jurídico