A 1ª Câmara do TRT-15 negou provimento ao recurso do Município de Caçapava, que insistiu na reforma da sentença prolatada em ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de São José dos Campos, e que cuidou da legitimidade e adequação dos treinamentos de guardas municipais. Entre os constrangimentos e situações vexatórias a que eram submetidos os alunos estavam a obrigatoriedade de cantar o Hino Nacional em sala fechada repleta de gás lacrimogênio, aplicação de gás de pimenta nos olhos e eletrochoques.
A ação ajuizada pelo MPT se baseou em notícia extraída de uma ação trabalhista, segundo a qual o reclamante, um guarda municipal admitido por concurso público, foi submetido a condutas ofensivas à sua dignidade, durante um curso de requalificação em maio de 2010, quando foi atingido diretamente nos olhos com gás de pimenta. O fato foi confirmado pelo responsável pelo treinamento e, em agosto de 2013, em um novo curso de reciclagem, a conduta ofensiva se repetiu. “Nos treinamentos ocorriam demonstração da utilização de arma de eletrochoque em guardas que se voluntariavam ou que eram escolhidos, prática de paint ball com proteção apenas no rosto e olhos, utilização sem treinamento de gás de pimenta, gás lacrimogênio aplicado em sala fechada com proibição de abandono da posição e determinação de ser cantado o Hino Nacional, transporte de 20 guardas na carroceria de caminhões com capacidade para seis pessoas e treinamento em água e barro sem roupa adequada”, destacou a decisão.
O MPT pediu a condenação do Município em obrigações de fazer referentes à adequação dos treinamentos “de modo que não haja prejuízo à integridade física e psíquica dos treinandos”, e, ainda, que as capacitações fossem precedidas de orientação sobre normas de segurança. A liminar da tutela de urgência foi concedida e declarada definitiva na sentença sob pena de multa de R$ 20 mil para cada descumprimento, sendo condenado o Município em obrigações de fazer referentes a ministrar treinamentos com observância da razoabilidade e proporcionalidade.
Para a relatora do acórdão, desembargadora Larissa Carotta Martins da Silva Scarabelim, não procede a alegação recursal de que os integrantes da Guarda Municipal “ocupam cargo público de natureza peculiar e necessitam vivenciar situações adversas, sendo, portanto, justificáveis os treinamentos”. A relatora lembrou que, uma vez contratados os guardas municipais pela CLT, “incidem todas as normas de proteção ao trabalhador e segurança da ambiência laboral” e, no que tange aos treinamentos, “não houve menção na exordial a respeito do mérito da sua necessidade”.
A perícia realizada nas dependências da Guarda Municipal constatou também que, além das situações mencionadas pelo MPT, os treinamentos incluíam xingamentos, zombarias, escárnios e a prática de “pagar flexão”, sem critério biomecânico. “Restou caracterizado que no posto de trabalho as condições eram ergonomicamente sem instruções quanto aos riscos, meios de limitação e prevenção, tendo havido violência moral e física”, concluiu a perícia.
O Município se defendeu, impugnando o laudo pericial, sob a alegação de que a perita não analisou o “ponto essencial da lide, que é a qualificação dos guardas municipais mediante exposição a condições que eventualmente ocorreriam em seu trabalho”. Segundo a tese da defesa, “os treinamentos tiveram por objetivo familiarizar os guardas com situações que poderiam ser enfrentadas no desempenho de suas funções”. Em relação ao gás de pimenta, por exemplo, foi dito que durante uma abordagem real “existe a possibilidade de, havendo vento em sentido contrário, aquele que o utiliza receber contra si os efeitos de tal produto”, sendo necessário que a pessoa saiba como proceder de forma rápida e segura para, até mesmo, evadir-se em caso de eminente risco a sua integridade”.
O acórdão afirmou que, embora na impugnação o Município tenha defendido que “os treinandos não receberam máscara que eliminaria sintomas do spray de pimenta, pois o objetivo do curso era submeter os alunos à situação de risco e confronto em sua vida funcional”, isso “de modo nenhum exime a obrigatoriedade em fornecer protetores e informar sobre o material que está sendo utilizado, pois o que se constatou não foi preparo e treinamento, mas sim, colocação gratuita dos treinandos em contato com práticas de risco por meios invasivos e sem qualidade que beiram à tortura, falta de profissionalismo dos responsáveis pelo curso e ausência de gestão dos superiores”.
Nesse sentido, o colegiado confirmou a sentença no que tange às obrigações de fazer e não fazer às quais foi condenado o Município.
Processo 0010489-32.2016.5.15.0119
Fonte: TRT15 – Região de Campinas/SP