por Patrícia Helena Marta e Luiz Virgílio Manente
Desde 2001, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) vem instaurando dezenas de processos administrativos envolvendo maquiagem de produtos, prática pela qual o fabricante reduz o peso de seus produtos sem a respectiva informação aos consumidores.
Acerca do assunto, o Ministério da Justiça expediu a Portaria 81, datada de 23 de janeiro de 2002, estabelecendo regras detalhadas quanto ao modo pelo qual os fabricantes devem informar a redução do peso de seus produtos. Em suma, os fornecedores que realizarem alterações quantitativas nos produtos embalados têm que fazer constar, por no mínimo três meses, mensagem específica na parte principal da embalagem, em letras de tamanho e cor destacados, alertando que houve alteração quantitativa do produto, a quantidade existente antes e depois da alteração e a quantidade de produto aumentada ou diminuída em termos percentuais.
Em 2003, quando o tema tornou-se prioridade no DPDC, os processos administrativos começaram a ser julgados — somente naquele ano, 53 processos foram concluídos — e altíssimas multas foram e continuam a ser impostas até hoje aos fabricantes. Os valores dessas multas variam aproximadamente entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão, e pela legislação consumeirista, podem atingir mais de R$ 3 milhões, levando em conta critérios como a condição econômica da empresa, a gravidade da infração, a vantagem auferida com a prática e reincidência. As últimas sanções impostas pelo DPDC a esse respeito datam de janeiro de 2008 e foram fixadas em torno de R$ 500 mil.
Em regra, o DPDC aplica sanção administrativa ao fabricante em todos os casos em que houve a redução do peso do produto sem a prestação da respectiva informação ao consumidor na forma determinada pela Portaria 81/02, como claramente depreende-se da norma técnica 22 CGAJ/DPDC/2006 expedida pela Coordenação-Geral de Assuntos Jurídicos daquele Departamento.
O Ministério Público também propôs diversas ações judiciais sustentando a ocorrência de maquiagem de produtos e requerendo que os fabricantes voltassem a fabricar e comercializar seus produtos com as respectivas gramaturas originais e sem elevação dos preços.
Não se pode ignorar que, pelos princípios da informação, da boa-fé objetiva e da transparência previstos no Código de Defesa do Consumidor e que norteiam a Política Nacional das Relações de Consumo, os fabricantes devem informar a alteração do peso de seu produto aos consumidores.
No entanto, entendemos que não há violação ao princípio da informação quando o fabricante, ainda que sem observar a forma estabelecida pela Portaria 81/02, alerta o consumidor sobre a alteração do peso do produto de maneira verdadeira, clara, precisa e ostensiva, franqueando-lhe informações suficientes para a correta e livre formação de sua decisão de compra.
Os pedidos formulados pelo Ministério Público nas ações judiciais — que os fabricantes sejam impedidos de alterar o peso de seus produtos e elevar o preço — também não encontram sustentação jurídica nem econômica.
Em primeiro lugar, não pode o Ministério Público forçar o fabricante a comercializar determinado produto com esta ou aquela gramatura. O princípio constitucional da livre iniciativa assegura aos empresários o livre desenvolvimento de suas atividades econômicas, com plena autonomia e sem interferências ou ingerências estatais desnecessárias.
Além disso, o preço de qualquer produto não é calculado apenas em função de seu peso, mas é fruto de extenso e complicado processo empresarial, que obviamente leva em consideração inúmeros fatores variáveis e oscilantes, tais como pagamento de salários e de tributos, volume de produção e investimentos em tecnologia, maquinários e publicidade. Daí porque a redução do peso não implica automaticamente na redução exatamente proporcional do preço do produto.
Mas esses fatos não são considerados pelo DPDC nem pelo Ministério Público, que insistem na punição dos fabricantes.
Muitas ações judiciais propostas foram finalizadas mediante acordo, razão pela qual são poucas as decisões que enfrentam diretamente esta questão. Mas felizmente já há alguns precedentes judiciais reconhecendo a licitude da alteração do peso dos produtos quando a respectiva informação é devidamente prestada, ainda que não observando a forma prevista pela Portaria 81/02 e afastando a pretensão do Ministério Público em forçar a comercialização de produtos com determinada gramatura e preço. A esse respeito, recentemente o Tribunal de Justiça do estado de São Paulo declarou que é “natural a evolução dos produtos” e que “o que não se admite é que o estado, com base na defesa do consumidor, interfira na atividade econômica para impor composição e peso dos produtos”.
Em suma, são importantíssimas as atividades desenvolvidas pelo DPDC e pelo Ministério Público em defesa do consumidor, mas a proteção ao mercado de consumo deve ser sempre harmonizada com as garantias constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência e com o desenvolvimento da atividade empresarial brasileira, tal como previsto pela Política Nacional das Relações de Consumo.
Revista Consultor Jurídico