Mesmo depois de o Supremo Tribunal Federal sinalizar que deve derrubar a prisão de depositário infiel, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu em sentido oposto. Os ministros rejeitaram recurso em Habeas Corpus contra a decretação da prisão civil de um depositário infiel. De acordo com o processo, o depositário se recusou a entregar os bens que lhe foram confiados para saldar dívida trabalhista, apesar de insistentes determinações do juiz de primeira instância.
A Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2), do TST, entendeu que a prisão, nesse caso, não se caracteriza como pena, mas como meio de coação, a fim de obrigar o depositário a cumprir a determinação judicial. Para o relator do recurso, ministro Pedro Paulo Manus, foi correta a expedição de ordem de prisão. Enquanto isso, o Supremo caminha para permitir a prisão civil apenas para o devedor de pensão alimentícia. Já são oito votos a favor dessa posição.
O caso
A fase de execução do processo teve início em janeiro de 2002. Os bens confiados ao depositário eram: uma câmara fria e 30 freezers horizontais. Diante das determinações judiciais, o executado informou que os itens não poderiam ser entregues ao leiloeiro. Motivos alegados: alguns estavam no litoral norte do Rio Grande do Sul, outros se deterioraram com o tempo, dois foram roubados e, ainda, outros dois ficaram penhorados em outro processo trabalhista.
De acordo com ele, apenas dois poderiam ser entregues. O depositário solicitou mais prazo apesar de todo o tempo que já lhe havia sido concedido. No entanto, conforme informações prestadas pelo juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Novo Hamburgo (RS), que determinou a prisão do depositário, nenhuma das alegações do devedor foi comprovada.
No Habeas Corpus, o depositário alegou que propôs várias vezes substituição da penhora e a proposta foi rejeitada pelo juiz “sem ao menos ser ouvido o credor”. As razões do pedido foram baseadas no Pacto de São José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário, que impede a prisão por dívida. A defesa questionou, ainda, a legalidade do ato diante da ausência de possibilidade de defesa do depositário, uma vez que o mandado de prisão foi expedido prontamente, sem o devido processo legal. Por fim, pediu-se o direito ao cumprimento da pena separadamente dos demais presos e em regime de albergue.
O pedido de liminar foi aceito. Mas, após as informações prestadas pela primeira instância, foi cassada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que deferiu apenas o cumprimento da prisão civil em local especial da cadeia pública. Em mais uma tentativa, foi ajuizado Recurso Ordinário ao TST com a tese de ilegalidade da prisão.
O ministro Pedro Paulo Manus, ao analisar o recurso, entendeu que ficou demonstrada a falta de vontade do depositário na entrega dos bens. Para ele, deve ser mantida a decisão que mandou efetuar a prisão.
Além disso, o relator julgou que o depositário deveria ter cumprido a obrigação de devolução dos bens cuja guarda lhe fora confiada, ou requerer a substituição dos bens penhorados. Quanto a este ponto, o ministro Manus ressaltou que a tentativa de substituição foi frustrada porque o depositário sequer demonstrou a propriedade do bem arrolado capaz de tomar o lugar daqueles que deveriam ter sido apresentados.
Posição do STF
A sinalização do Supremo foi dada no dia 12 de março. Os ministros não definiram a questão por conta de pedido de vista do ministro Menezes Direito. O entendimento está sendo firmado em três recursos que julgam se o devedor em alienação fiduciária pode ser equiparado ao depositário infiel. Para este último, há previsão constitucional de prisão civil, assim como para o devedor de pensão alimentícia.
No entanto, há tratados internacionais que permitem a prisão civil apenas em caso de inadimplência de pensão alimentícia. Os ministros discutem qual a hierarquia desses tratados.
Em um voto lido durante quase duas horas, o ministro Celso de Mello, que havia pedido vista na última sessão de julgamento, mudou a sua posição. Ele se posicionou contra a prisão do depositário infiel. Celso de Mello relembrou votos que o ministro Marco Aurélio vem proferindo há tempos contra a prisão do depositário infiel. Qualificou os votos de Marco Aurélio como precursores de uma nova mentalidade que está surgindo no Supremo.
O ministro Celso de Mello lembrou que o Pacto de São José da Costa Rica sobre Direitos Humanos, ratificado pelo Brasil em 1992, proíbe a prisão civil por dívida, excetuado a do devedor de pensão alimentícia. O mesmo, segundo ele, ocorre com o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, patrocinado em 1966 pela ONU, ao qual o Brasil aderiu em 1990. Em seu artigo 11, ele dispõe: “Ninguém poderá ser preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”. Até a Declaração Americana dos Direitos da Pessoa Humana, firmada em 1948, em Bogotá (Colômbia), com a participação do Brasil, já previa esta proibição, disse o ministro.
Ele observou que a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, que aconteceu em Viena (Áustria), em 1993, com participação ativa da delegação brasileira, então chefiada pelo ex-ministro da Justiça e ministro aposentado do STF Maurício Corrêa, preconizou o fim da prisão civil por dívida.
ROHC-2015/2007-000-04-00.5
Revista Consultor Jurídico