por Lilian Matsuura
As leis de Defesa da Concorrência e da Propriedade Intelectual, aparentemente contraditórias, têm objetivos em comum: proteger mercados competitivos, eficiência econômica e gerar bem-estar social. O diagnóstico elaborado por Gesner Oliveira, presidente da Sabesp, a companhia de saneamento de São Paulo, foi compartilhado por especialistas que discutiram o tema durante o seminário “Livre Concorrência e Propriedade Intelectual. É possível conciliar?”, promovido pelo escritório Demarest & Almeida Advogados.
Um possível conflito entre as legislações pode se dar no sentido de que as criações e novas tecnologias geram poder de mercado e o papel das autoridades do Sistema de Defesa da Concorrência é combater o poder excessivo, como monopólios e cartéis.
Gesner Oliveira, que já presidiu também o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), entende que as normas são complementares e é preciso cooperação entre as agências de defesa da concorrência e de propriedade intelectual.
Para medir a qualidade da concorrência entre empresas, ele cruzou dados de pesquisa feita pelo Banco Mundial com informações colhidas pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Onpi) e chegou à conclusão de que o uso freqüente do sistema de patentes reduz as práticas anticompetitivas no mercado. O levantamento abrange 4 mil empresas em 34 países.
Em economias com baixa concorrência, ele explica, são escassos os investimentos em Pesquisa & Desenvolvimento. Quando a competição é muito acirrada, as empresas também hesitam em inovar, porque em pouco tempo as novas idéias perdem o valor e o lucro com a criação acaba não valendo a pena. O ideal, de acordo com o levantamento, são mercados em que a concorrência acontece de forma saudável. Neles, as inovações nascem com rapidez, o que influencia de forma positiva a economia e o bem-estar social, porque gera mais conforto.
“É preciso rivalidade para a inovação. Muita rivalidade acaba com a lucratividade da inovação”, disse Oliveira. É aí que entra a lei de defesa da concorrência. Ele observa, no entanto, que pesquisas de desenvolvimento de novas tecnologias só começam quando as normas de propriedade intelectual estiverem bem delineadas e em vigor, sem proteger de forma excessiva, “o que pode impedir o desenvolvimento dinâmico”.
No Brasil, esse equilíbrio está longe de acontecer. O país ocupa o quarto lugar no ranking dos piores ambientes de proteção à propriedade intelectual, com uma vantagem. É o mais bem situado entre os Bric, as potências econômicas emergentes. De acordo com a Global Survey on Counterfeiting & Piracy, do grupo Bascap (sigla em inglês para Ação Empresarial para o Fim da Falsificação e Pirataria), o Brasil está à frente de China, Rússia e Índia, os campeões mundiais da pirataria.
O ex-presidente do Cade diz que a questão da propriedade intelectual ainda não está bem regulamentada no país. Já em relação ao sistema de defesa da concorrência, a situação já evoluiu mais: o Brasil tem bons técnicos na área, há boa interação entre Direito e Economia e uma certa autonomia. Por outro lado, há demora no andamento dos processos, inclusive administrativos, e falta articulação entre os órgãos de regulação.
O economista Jorge Fagundes, outro palestrante do encontro, também pensa assim. “No capitalismo, o progresso técnico e as inovações são o caminho para se alcançar o lucro. Sem o direito de propriedade intelectual não há investimento”, explica. E acrescenta que a sociedade pede inovações que possam garantir o seu bem-estar — conceito muito usado pelos defensores da propriedade intelectual.
Ele define a propriedade intelectual como um direito temporário de exclusão de rivais. Isto é, quem cria o produto tem exclusividade em produzi-lo por um período de 20 anos. Só a partir daí ele cai em domínio público. Antes disso, é comum a concorrência inovar em cima de produto já criado e o período de exclusividade perder o sentido. Fagundes diz ainda que esta lei serve de proteção contra oportunistas, aqueles que roubam boas idéias.
Mas o abuso de direito de propriedade intelectual também costuma acontecer, como contou o advogado Ricardo Inglez de Souza, do Demarest & Almeida. Como exemplo citou empresas que condicionam o uso da licença que possuem à compra de outro produto que fabrica, fraudes nas informações fornecidas ao INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) bem como grupos concorrentes que se associam para desenvolver um novo software, por exemplo, para depois venderem pelo mesmo preço.
Os efeitos desse tipo de prática, segundo o advogado, é o fim da livre concorrência, dominação por uma só empresa do mercado de bens ou serviços, aumento arbitrário de lucros e abuso da posição dominante da empresa.
A denúncia dessa concorrência desleal pode ser feita no Judiciário, civil e criminalmente, ou com representação ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. As penalidades administrativas variam de 1% a 30% de multa sobre o faturamento bruto registrado no último exercido. O administrador da empresa também pode ser condenado, a pagar multa de 10% a 50% do valor da multa aplicada à sociedade.
Revista Consultor Jurídico