Turbinada pelo entusiasmo de “combater o crime” e “acabar com a impunidade”, a moda de suspender sigilo alavanca um promissor e lucrativo mercado paralelo de informações. Depois de sucessivas prisões de policiais que comercializam grampos — com desafetos e concorrentes dos alvos — descobre-se agora que empregados das próprias operadoras também exploram esse mercado.
O extrato das ligações feitas por celular de qualquer pessoa pode ser comprado por menos de R$ 1 mil. Supostos detetives particulares e empregados de empresas de telefonia fazem o serviço de espionagem ilegal, informa o repórter Leonardo Souza, da Folha de S.Paulo.
Os senadores Álvaro Dias (PSDB-PR) e Aloizio Mercadante (PT-SP) e o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), membro da CPI dos Grampos, adquiriram seus próprios dados com auxílio da reportagem do jornal.
Dias conseguiu através de um desses agentes o histórico completo do mês de julho das chamadas telefônicas de seu aparelho celular, registrado em nome do Senado. Já o detetive que vendeu o extrato de Fruet chegou a vacilar sobre o negócio ao descobrir que se tratava de um deputado. No entanto, depois condicionou a venda a um aumento do preço. O deputado só conseguiu parte da relação de ligações, todas elas confirmadas por ele.
Assim como os vendedores de drogas que adicionam talco ou sal de frutas à cocaína, também essa picaretagem parece ter suas fraudes. No caso de Mercadante, foi enviada uma amostra das ligações. Os dados cadastrais do telefone, em nome do Senado, estavam corretos. Mas o histórico de chamadas não bateu com as ligações feitas pelo senador, segundo ele.
Segundo Mercadante, a Polícia Federal vai abrir um inquérito para apurar a comercialização ilegal de dados telefônicos sigilosos. “Eu já comuniquei à Polícia Federal”, disse. Dias e Fruet vão pedir providências à Agência Nacional de Telecomunicações.
A negociata viola o sigilo das chamadas telefônicas e das correspondências, que é garantido pelo artigo 5º da Constituição. A Lei de Interceptações Telefônicas diz que a violação de sigilo é punida com a pena de dois a quatro anos de prisão.
A reportagem do jornal entrou em contato com cinco vendedores em Brasília, São Paulo e Minas Gerais. O repórter localizou eles a partir de indicações dadas por investigadores públicos e de anúncios em jornais e na internet.
Um deles cobrou R$ 700 pelo extrato de um mês, incluindo ligações efetuadas e recebidas — essa segunda informação não consta de uma conta normal de telefone. Se fossem pagos R$ 100 a mais, o serviço incluiria todos os torpedos enviados e recebidos no período. Outro pediu R$ 600 só pela relação das chamadas feitas.
Em resposta ao jornal, as operadoras TIM, Claro e Vivo informaram que dispõem de mecanismos rígidos de controle das informações de seus clientes. No entanto, a Claro lembra que milhares de pessoas, que trabalham no atendimento da empresa, têm acesso aos três últimos meses das contas dos clientes, por obrigação da Anatel.
O presidente da OAB, Cezar Britto, reagiu ao ler a reportagem da Folha. Ele afirmou que “trata-se de um escândalo, que deixa perplexa a sociedade civil brasileira e reclama providências urgentes por parte dos Poderes da República”. Ele disse que “o Estado Policial é absolutamente incompatível com o Estado democrático de Direito”. Segundo Britto, é inconstitucional, retrocesso a práticas ditatoriais.
Ele disse ainda: “Fere de morte o princípio da liberdade e os direitos que o cidadão tem de privacidade em suas comunicações. Fere também a prerrogativa do advogado – que é na verdade prerrogativa da cidadania – de sigilo nas suas relações com seus clientes. O grampo telefônico está submetido a um rito legal severo, que tem sido sistematicamente desobedecido, pelas autoridades policiais banalizando-o. A lei o acata apenas em situações particularíssimas, mediante ordem e supervisão judicial. Mais grave ainda é constatar que tais práticas têm sido recorrentes. Entre elas, o chamado grampo ambiental, colocado em escritórios de advocacia, para captar conversas entre advogados e seus clientes – sigilo que a lei preserva, em caráter irrestrito, como fundamento do Estado democrático de Direito”.
Operação Oeste
Não é a primeira vez que o mercado de venda de sigilo telefônico vem a público. Em abril deste ano, o ex-agente da Polícia Federal Celso Ferreira foi condenado a 10 anos e 8 meses de prisão e multa pelos crimes de grampo clandestino, corrupção passiva e violação de sigilo funcional. A decisão foi do juiz Renato Câmara Nigro, da 3ª Vara Federal de Marília (SP).
Ferreira está preso na Superintendência Regional da Polícia Federal, em São Paulo, desde que foi denunciado em junho de 2007, durante a Operação Oeste. Junto com ele, foram presos um técnico em telefonia e um empresário. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, os três faziam escutas clandestinas e vendiam informações sigilosas de escutas legais.
O técnico em telefonia Mohamed Nasser Abucarma foi condenado a três anos e seis meses de reclusão e multa pelo crime de interceptação telefônica clandestina. A pena de prisão foi substituída por duas penas restritivas de direitos.
O empresário do ramo de distribuição de combustíveis Sidnei Vito Luisi foi condenado a dois anos e quatro meses de reclusão e multa pelo crime de corrupção ativa. A pena de prisão também foi substituída por duas restritivas de direitos.
Revista Consultor Jurídico