por Patricia André de Camargo Ferraz
Em São Paulo, os cartórios estão fazendo um grande esforço para oferecer o máximo de rapidez e facilidade de acesso aos seus serviços sem descuidar da segurança jurídica. A Associação dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo (Anoreg-SP) criou sua comissão de desburocratização composta por oficiais de registro, tabeliães e advogados indicados pela OAB-SP, com o objetivo de estudar a revisão dos procedimentos e da legislação a que os cartórios estão submetidos.
Ao assumir a presidência da entidade, no início de 2008, assumimos também a responsabilidade pela apresentação de propostas de alteração legal e normativa que visem ao incremento da segurança jurídica e ao aprimoramento da eficiência e rapidez dos serviços prestados pelos cartórios. Esse é o desejo de toda a categoria de oficiais e tabeliães de São Paulo que presta tão importantes serviços à sociedade.
Para os cartórios o desafio é reduzir a burocracia e oferecer mais celeridade nos serviços, sem pôr em risco a segurança jurídica e até fomentando o grau de segurança alcançado. A tarefa é ainda mais complexa num país em que leis e normas administrativas são criadas em profusão crescente. A boa notícia é que não estamos sozinhos. No mundo inteiro, todos os países — mais ou menos desenvolvidos – lutam contra várias e diferentes formas de burocracia e buscam simplificar procedimentos. Prova disso é o relatório Doing Business (www.doingbusiness.org), por exemplo, uma publicação do Banco Mundial e da Corporação Financeira Internacional, que anualmente compara a regulamentação em 178 economias.
O documento é uma ferramenta útil para avaliar os regulamentos que têm impacto direto no crescimento econômico e identificar reformas que possam gerar melhores práticas. No relatório Doing Business 2008, o Brasil ocupa posições que deixam muito a desejar no que se refere ao excesso de formalidades. Mesmo com a nova Lei de Falências e as reformas do Código de Processo Civil, que refletiram a nosso favor, ficamos em 122º lugar entre os 178 países pesquisados no quesito facilidade para abertura de empresas.
“Com dois passos é possível abrir uma empresa na Austrália, no Canadá e na Nova Zelândia, enquanto na Guiné-Equatorial são precisos vinte”, registra o relatório. O Brasil está mais próximo da Guiné do que da Austrália, com 18 procedimentos diferentes e 152 dias necessários para abertura de uma pessoa jurídica. A dificuldade para obtenção de alvarás, principalmente licenças para construir, também é grande por aqui (107º lugar): são necessários 411 dias e dezoito procedimentos a um custo seis vezes maior do que para se abrir uma empresa.
Quanto à contratação de funcionários, o 119º lugar é creditado principalmente à nossa legislação trabalhista. Na avaliação geral, o relatório assinala: “Muitos países erram pelo excesso de rigidez, em detrimento das empresas e também dos trabalhadores. (…) Leis criadas para proteger os trabalhadores muitas vezes os prejudicam, em especial as mulheres, os jovens e os trabalhadores não qualificados. Suas oportunidades de emprego desaparecem.”
Nosso pior desempenho é um tanto óbvio: 137º lugar para a carga tributária. Além de pagar muito — a alíquota total chega a 69,2% dos lucros — uma empresa brasileira consome 2.600 horas de trabalho por ano com a burocracia de recolhimento de impostos contra uma média de 406 horas na América Latina e de 183 horas na Europa. “Os investidores estão cientes dessas diferenças e por elas fazem suas opções”, alerta o documento.
Os esforços também são identificados e reconhecidos, razão da citação nominal do nosso país. “No Brasil, por exemplo, o estabelecimento do programa Simples, que amenizou as exigências fiscais para pequenas empresas, aumentou o número de registro de empresas no setor do varejo em 13%, comparado com o ano anterior ao início do programa.” No entanto, se uma simples abertura de empresa é difícil por aqui, seu fechamento é muito mais (131º lugar). O relatório cita um bom exemplo de redução de burocracia e custos nesse quesito: “Portugal criou procedimentos rápidos para a liquidação voluntária de empresas. Agora um empresário pode fechar uma empresa no cartório de registros.”
Esse último exemplo mostra que os cartórios podem ser verdadeiros aliados na tarefa de desburocratizar procedimentos e de dinamizar a economia e o ambiente de negócios num país. E não é o único. Registro de imóveis: quanto mais simples e rápido, maior o acesso a financiamentos e investimentos.
O relatório estuda também os sistemas de registro de propriedades nos países pesquisados e ressalta: “Os países que tornam o registro de propriedade simples, rápido e barato têm mais propriedades registradas formalmente. Isso conduz a um maior acesso a financiamentos e maiores oportunidades para investir.”
Esse dado reflete o que os oficiais brasileiros de Registro de Imóveis vêm dizendo há vários anos: o crescimento socioeconômico de um país está diretamente relacionado à facilitação para o registro da propriedade imobiliária, que é a mais efetiva garantia para o acesso ao crédito. Mais uma vez o Brasil não fez a tarefa de casa: ocupa o 110º lugar no relatório Doing Business, com 45 dias e quatorze procedimentos, a um custo de cerca de 2,8% do valor do imóvel, para uma empresa adquirir e transferir um título de propriedade imóvel.
Na pesquisa, o item “registro de propriedades” refere-se aos procedimentos, tempo, e custos necessários quando uma empresa adquire um terreno e um prédio para transferir o título de um imóvel – já devidamente medido e matriculado no cartório de Registro de Imóveis, bem como livre de disputas por titularidade – do vendedor para o comprador na cidade mais populosa.
O relatório do Banco Mundial é enfático sobre a importância do registro formal da propriedade para o desenvolvimento econômico de um país.“Na maior parte das economias, terras e edifícios correspondem a algo entre a metade e três quartos da riqueza. E com títulos formais de propriedade os empresários podem obter hipotecas sobre suas terras ou casas e iniciar empresas. Os bancos preferem terras e edifícios como garantias porque são impossíveis de se mover ou ocultar.”
Também é indicada a necessidade de desburocratizar o registro. Isso conduz a um maior acesso a financiamentos e maiores oportunidades para investir. A experiência dos países mostra os benefícios de se formalizar o registro e desta forma mantê-lo. O programa de reforma do registro de terras da Tailândia emitiu mais de 8,5 milhões de títulos de propriedade e criou um dos sistemas de registro mais eficientes do mundo. Para as pessoas que receberam títulos formais, os valores das terras e os investimentos quase dobraram e o acesso ao crédito triplicou.”
O documento alerta, ainda, para o problema dos imóveis irregulares na América Latina. “Porém, uma grande parcela das propriedades em países em desenvolvimento, todavia não estão registradas formalmente. Em 2000, o economista peruano Hernando de Soto estimou o valor em US$ 9,3 trilhões, chamando-o de ‘capital morto’. Propriedades não registradas limitam as oportunidades de financiamento para novas empresas e também as oportunidades de expansão para as já existentes.”
Mesmo assim, a experiência tem demonstrado que a regularização de imóveis é o modo mais fácil e rápido de capacitação econômica da população mais carente.
O que o cidadão almeja o cartório precisa: desburocratizar para ganhar agilidade e economizar tempo. A comissão de desburocratização criada pela Anoreg-SP encontrou grande receptividade nos cartórios de São Paulo. É óbvio que todos querem simplificar processos internos e atender o cidadão em menos tempo. No entanto, ao contrário do que se imagina, a burocracia cumprida pelos cartórios não é inventada por eles, que são obrigados a observar dezenas de leis e centenas de normas legais de procedimento.
Também não é verdade que a burocracia, ou melhor, as formalidades, não tenham função alguma, exceto criar dificuldades para o cidadão. Formalidades visam garantir a segurança jurídica, através da prevenção de litígios. Como vivemos um tempo de incertezas, inseguranças, e tentativas constantes de fraudes e burla a cada passo, a tendência é que cada vez mais se criem mecanismos para dificultar o sucesso da má-fé, em benefício e para a proteção do cidadão honesto.
A dificuldade está em desburocratizar sem comprometer a segurança jurídica que esses procedimentos buscam garantir. Nisso reside a importância de uma inédita comissão de desburocratização de procedimentos que, pela primeira vez, reúne tabeliães, oficiais de registro e advogados indicados pela OABSP, ou seja, os profissionais mais diretamente qualificados para alcançar esse objetivo, em razão de sua larga experiência profissional.
O resultado é que desde as primeiras reuniões a equipe discute uma série de propostas para simplificar e aprimorar os procedimentos cartoriais, aperfeiçoar a prestação desse serviço público e garantir a segurança jurídica dos atos, além de cuidar da revisão de diplomas legais que necessariamente devem ser observados por cada um dos cartórios do Estado de São Paulo no exercício de suas atividades. Por exemplo, o grupo concluiu que a publicação de editais de casamento em jornais é inócua, embora represente cerca de 15% das despesas do casamento. Ninguém se lembra da ocorrência de uma impugnação de casamento por impedimento matrimonial levantado por alguém que leu um desses anúncios.
No último dia 1º de julho, a Comissão de Desburocratização da Anoreg-SP reuniu-se com o secretário do Emprego e Relações do Trabalho do governo do estado de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, presidente do Comitê Estadual de Desburocratização e descobriu que há completa afinidade de propostas e objetivos entre seu projeto e o programa do governo estadual. Discutimos com o secretário alguns procedimentos práticos administrativos para o registro de pessoas jurídicas e a regularização fundiária que visam facilitar a vida do empreendedor e do pequeno empresário bem como dinamizar a economia e fomentar o desenvolvimento, de acordo com as metas da própria secretaria.
Na prática, a Comissão de Desburocratização da Anoreg-SP fará um minucioso levantamento de obstáculos burocráticos monitorados pelos cartórios, além de um mapeamento das dificuldades enfrentadas por advogados, mediante relatório da OAB-SP. As propostas resultantes desse trabalho serão encaminhadas ao poder Judiciário, responsável pelas normas dos serviços, e aos Poderes Legislativo e Executivo, como colaboração para estudos de alteração de procedimentos visando à desburocratização, para oferecer o máximo de eficiência, rapidez e facilidade de acesso, com incremento da segurança jurídica, razão de ser dos cartórios.
Revista Consultor Jurídico