Por Maurício Cardoso
O autor Caio Túlio Costa adverte que Ética, Jornalismo e Nova Mídia – Uma Moral Provisória não é um “manual com listas de certo e errado nem oferece lições de conduta para os profissionais da mídia”. E acrescenta que “o objetivo é investigar como o jornalismo tem sido praticado do ponto de vista da moralidade”.
É verdade. Ao terminar a leitura das 290 páginas da obra, o leitor terá a clara noção que fenômenos como a moral provisória dos jornalistas não deixarão de comandar as ações da imprensa em geral só porque foram denunciados. Mesmo assim, o livro de Caio Túlio Costa, experiente jornalista que tem em seu currículo, entre outras obras importantes, participação na implantação e desenvolvimento do Projeto Folha, é, sim, um manual imprescindível não para quem faz, mas para quem consome jornal.
A partir de uma discussão filosófica das mais consistentes a respeito da moral e da ética na vida humana, Caio Túlio chega à questão da moral e da ética jornalística, que hoje em dia nem preocupa muita gente, mas que é um elemento essencial para que o leitor entenda o produto que ele abre para ler todos os dias no café da manhã ou que liga para assistir todas as noites à hora do jantar.
A conclusão do autor, que mereceu virar subtítulo do livro, é que os jornalistas e a imprensa em geral são regidos por uma moral provisória na qual o fim justifica os meios. Ele conta a história do filósofo francês Jean-Paul Sarte que dizia que, para conseguir administrar as muitas namoradas que tinha, era obrigado a recorrer a um “código moral temporário”, que envolvia mentirinhas e meias verdades.
Os jornalistas fazem o mesmo, diz Caio Túlio, quando usam gravadores e câmeras ocultas para investigar um assassinato ou um crime financeiro. “Nesses casos, vale mentir, ocultar e omitir porque a causa é nobre?” Esse tipo de comportamento, diz ele, não faz parte apenas da prática do jornalista, mas integra o fazer da própria indústria da comunicação.
Se algum dia valores como verdade, justiça e ética foram pilares do jornalismo, existem bons motivos ou boas explicações para entender por que deixaram de ser. No que toca à mídia tradicional, ela relativiza as preocupações éticas desde sempre. A diferença é que isso foi ficando claro, transparente, aceitável, normal.
O autor não justifica, mas explica por que as coisas tomaram esse rumo. Uma das explicações está na questão intransponível da objetividade no jornalismo. O manual de redação do Estadão, que segue linha da não menos respeitável BBC de Londres, recomenda, ou melhor, ordena: “Faça textos imparciais e objetivos. Não exponha opiniões, mas fatos, que o leitor tire deles as próprias conclusões”. O manual da Folha é mais modesto: “Não existe objetividade em jornalismo. Ao escolher um assunto, redigir um texto e editá-lo, o jornalista toma decisões em larga medida subjetivas, influenciadas por suas posições pessoais, hábitos e emoções. Isso não o exime, porém, de ser o mais objetivo possível”. Nos dois casos, tanto na posição dos que mitificam a objetividade quanto na dos que a idealizam, não se resolve o problema moral. “Resolvem-se assim todas as questões de consciência: tentar ser objetivo seria o bastante, mesmo que a objetividade seja impossível”.
O autor explica que o jornalismo está sempre limitado, seja pelo tempo de apuração, seja pelo espaço disponível, seja pela forma de transmissão da mensagem. “E por mais que seja um serviço público, jornalismo nunca deixará de ser um negócio inserido de forma inequívoca na indústria cultural, e por isso, quem exerce estará sempre de olho na audiência”. Em outras palavras, notícias são publicadas para vender jornal, como conclui todo leitor ao deparar com a manchete sangrenta de seu periódico preferido.
Os acontecimentos do dia 15 de maio de 2006 em São Paulo servem para lançar luz sobre um outro aspecto da questão: a espetacularização da informação. Naquele segunda-feira, depois de três dias de ataques da facção criminosa PCC contra pessoas e prédios públicos na capital paulista, um clima de terror se instalou na cidade. A circulação por rádio, televisão, internet e celulares de informações sobre supostos novos ataques criminosos e sobre um falso toque de recolher que nunca aconteceram levou as pessoas a sair do trabalho e voltar para casa mais cedo. Um imenso congestionamento formou-se em toda a cidade a partir do meio da tarde ampliando a sensação de caos e insegurança absoluta. Só ao cair da noite, quando as ruas da cidade ficaram praticamente desertas, foi possível perceber que nada acontecera para justificar a debandada geral. Apenas a multiplicação descontrolada de informações alarmantes que, por acaso, eram falsas.
O clima de terror desencadeado pelos ataques criminosos naqueles dias foram transformados pela mídia, de modo especial pela televisão, num grande espetáculo que garantiu índices elevados de audiência. Mais do que informar, a imprensa está cada vez mais empenhada em representar. “Jornalismo é o ofício de representar representações”, sustenta Caio Túlio Costa. “O espetáculo – seja ele a exacerbação da violência na cidade, ou a mera descrição dos hábitos da celebridade – se insere num mecanismo industrial que se alimenta dele mesmo, é a sua única razão de sobrevivência.”
Caio Túlio pode ser acusado, e realmente foi, de não oferecer saídas para o labirinto ético em que os jornalistas e a indústria da informação vão se enredando cada dia mais perdidamente . Nem por isso deixa de ter uma utilidade para a maior vítima desse processo: o leitor. Depois de ler o livro, o leitor estará mais apto para ler ou ouvir o que a mídia não escreveu nem disse.