por Fernando Porfírio
Os médicos Leandro Oliveira Pinho, Marcelo Tiezzi e Rodrigo Bornstein Martinelli não vão mais a júri popular. Eles serão julgados por um juiz singular de Sorocaba (SP). Os três são acusados de jogar álcool e depois atear fogo no então estudante Rodrigo Favoretto Cañas Peccini, durante uma festa de alunos da PUC de Sorocaba. A vítima teve queimadura em 24% do corpo, mas sobreviveu.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria de votos, desclassificou o delito de tentativa de homicídio triplamente qualificado (motivo torpe, emprego de fogo e meio que dificultou a defesa da vítima) para lesão corporal grave. A decisão foi tomada, por maioria de votos, pela 4ª Câmara Criminal.
A turma julgadora entendeu que os réus não agiram com intenção de matar a vítima. Os desembargadores apreciaram recurso apresentado pela defesa contra decisão da mesma câmara que, por maioria de votos, mandou os acusados a júri popular. Os médicos haviam sido mandados a júri por sentença de pronúncia assinada pelo juiz José Eduardo Marcondes Machado.
A maratoma
O caso aconteceu em agosto de 1998. Rodrigo participou da “mara-toma” – uma espécie de prova de resistência alcoólica. A disputa era feita em duplas. Os participantes iam amarrados dois a dois e deveriam dar a volta em um quarteirão onde tinha quatro repúblicas. Durante a prova, havia paradas onde eram oferecidos baldes de cerveja e cachaça. Quem caísse por último ganhava a prova.
Após a prova, Rodrigo desabou em um dos quartos da República Máfia. Ele foi retirado do local e levado para a cozinha onde um grupo de veteranos fazia uma “guerra de tomates”. Os réus Marcelo Tiezzi e Rodrigo Martinelli molharam o corpo da vítima com álcool e o médico Leandro Oliveira Pinho acendeu o isqueiro. Leandro diz que pensou que Rodrigo tivesse sido molhado com água.
Rodrigo ficou 24 dias internado e passou por três cirurgias por causa das queimaduras de segundo e terceiros graus, que atingiram 24% do corpo (tórax, braço, costas, abdômen e pescoço).
Os argumentos
A defesa sustentou a tese de que a sentença era nula porque seriam incompatíveis as figuras de tentativa e dolo eventual. No mérito, os advogados pediram a desclassificação do crime de tentativa de homicídio para lesão corporal culposa. A maioria da turma julgadora reconheceu o acerto da tese ficando vencidos os desembargadores Luiz Soares e Marco Antonio Cogan.
“Este é um clássico caso de desclassificação. O meu cliente foi negligente. Cometeu um crime, sim, mas agiu com culpa consciente e não com dolo eventual. Agiu sem os cuidados necessários”, sustentou o advogado Adriano Salles Vanni, defensor de Leandro Martins de Oliveira Pinho.
A defesa se apoiou no fundamento de que o crime tentado é aquele que quando iniciada a execução, não se consuma por motivos alheios à vontade ao autor. Já no dolo eventual, o autor prevê o resultado e não se importa. Continua na conduta. A vontade não é dirigida ao resultado, mas prevendo que possa ocorrer o resultado morte prossegue assumindo o risco.
“Leandro não planejou matar a vítima e esse intento só não se consumou por vontade alheia a sua vontade. Pelo contrário, ele tinha convicção que o líquido que encharcou o corpo do estudante era água e não álcool, por isso acendeu o isqueiro. Ele foi imprudente”, afirmou o advogado.
A tese da defesa sensibilizou o desembargador Salles Abreu, que seguiu voto vencido no julgamento anterior defendido pelo desembargador Evaldo Chaib. Para Salles Abreu, os réus agiram indiferentemente ao resultado e não pretendiam a morte da vítima.
Revista Consultor Jurídico