Mãos livres – Não há necessidade de usar algemas nas grandes operações

por Valtecino Eufrásio Leal

A despeito da falta de regulamentação do assunto no Brasil, as forças policiais sempre lançaram mão das algemas, ora sob a justificativa da periculosidade ou invocando a própria segurança do preso. Modo geral, não se tem levado em conta, o receio implícito, inerente à quase certa, responsabilização do agente, em caso de fuga ou de proteção do agente condutor contra um desatino qualquer da pessoa sob custódia. No entanto, nesse sistema libertário em que vivemos – felizmente – é inteiramente admissível que o envolvido possa arquitetar plano e comportar-se, sempre, com alguma chance de fugir às garras da lei, o que sugere situação de autodefesa, pois é da natureza humana, viver à luz do sol, sob o sopro dos ventos e não na clausura. A escapada, inclusive, é concebida, tacitamente, como um direito pela legislação pátria, já que penalmente, tem-se como irrelevante e impunível uma fuga ou tentativa do preso nesse sentido. Dessa forma, a lei tolera implicitamente o chamado direito de esperneio à pessoa detida ou reclusa. Talvez por isso, filmes hollywoodianos do tipo Um sonho de liberdade e A fuga de poseidon, que exploram tão bem o tema, tenham tanta repercussão e aceitação no mundo ocidental.

Nos últimos dias, discussões nessa seara vêm permeando pela ausência de regulamentação, pois o Decreto para esse fim, exigido por força do artigo 199 da Lei de Execuções Penais nunca fora publicado. Nisso residia o impasse jurídico. Os agentes públicos se achavam sujeitos a fazer o que mandava a lei, mas esta não existia. Realmente, era um panorama paradoxal e o Supremo Tribunal Federal nada mais fez do que dissipar equívocos e pronunciar que, diante da brecha legislativa, deve-se satisfazer aos ditames constitucionais da dignidade e da cidadania. Doravante, imobilização de punhos dos conduzidos, somente naqueles casos excepcionais que incluam resistência, receio de fuga ou perigo à integridade física do próprio preso ou de terceiros, ressalvando-se a necessidade da autoridade policial justificar por escrito o uso do instrumento. De modo antagônico ao costumeiro e simétrico com a recente decisão de nossa corte máxima, outrora, alguns policiais sempre correram riscos, observados pela crítica de seus pares, deixando de imobilizar pequenos infratores, ao levantarem que a situação para o cidadão com ficha limpa, já era tão vexaminosa que as algemas representavam mero xeque-mate da indignidade.

Nesses casos, sabe-se, haveria riscos bilaterais, mas até o jurista ou banqueiro expert, sob conjuntura adversa, conhecendo o arcabouço e a par do comportamento de agentes que se valem da arma como extensão do braço, não ousaria uma evasão. Imaginem Daniel Dantas, conduzido publicamente, por uma dezena de policiais armados de fuzis e submetralhadoras. Mas, num mundo polarizado pelas idéias, é plausível que outros pensem de modo diferente, do tipo: é agora ou nunca, tenho que fugir, a polícia está facilitando… Então, pressupondo-se a tentativa de fuga, os riscos seriam potencializados? Imaginamos que não, pois é sabido e ressabido que a polícia já não atira primeiro e pergunta depois. Isso é mera lenda urbana. E os agentes atabalhoados e/ou despreparados? Bem, mas aí já seria um problema de Estado, pois se deve presumir o governo físico-psíquico do servidor e temos que avançar rumo ao total preparo de nossas polícias para o enfrentamento de circunstâncias inóspitas. Não se defende aqui que o agente deva se portar aos braços cruzados, pois para legítima defesa própria ou de terceiros, aí sim, sempre estará autorizado a agir, a usar as algemas e até seu armamento. Mas em grandes operações, onde uma pessoa presa, totalmente submissa, é rodeada por um sem número de agentes, não se vê nenhuma razão para essa imobilização das mãos. Aliás, bem que poderíamos aproveitar do instante de rebuliço e sugerir aos entes estatais, a aquisição de armas não-letais ou de imobilização e a importação de sistemas de braceletes eletromagnéticos ou com pulsos de energia, para multiuso, inclusive nas ocasiões de transporte de presos. A sociedade aguarda soluções pacíficas ideais e espera a implementação de novas tecnologias nessas áreas, pois não mais concebe a prática do amadorismo em funções tão relevantes.

Em tempos de controvérsias – uns defendem as algemas com muita percuciência jurídica – vamos somar opiniões e com alguma substância de praticidade, visualizar a liberdade como lema primeiro do homem e se nessas idas e vindas, alguns escaparem, principalmente aqueles acusados impetuosos de primeira viagem, paciência. Tenhamos como certo: nossos policiais não irão – e não devem – alvejar um “infeliz” fugitivo pelas costas e encarar um problema social muitíssimo maior do que a própria fuga. Afinal, entre a vida e qualquer outro direito humano, a primeira é o bem precioso; é tudo que mais se deve resguardar. Logo, em caso de processo disciplinar, para o agente condutor, melhor que seja unzinho de menor destaque. Esse é um risco típico de um mundo libertário. Ademais, a grande maioria dos fugitivos perigosos torna a cair nas mãos do Estado e o homem endividado com a justiça penal, encarcerado, se verá imune daquele temor de ser apanhado e, se livre, viverá dias e noites de agruras, imaginando que, num passo em falso, sua hora de enfrentar os tribunais chegará.

Revista Consultor Jurídico

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Mãos livres – Não há necessidade de usar algemas nas grandes operações

por Valtecino Eufrásio Leal

A despeito da falta de regulamentação do assunto no Brasil, as forças policiais sempre lançaram mão das algemas, ora sob a justificativa da periculosidade ou invocando a própria segurança do preso. Modo geral, não se tem levado em conta, o receio implícito, inerente à quase certa, responsabilização do agente, em caso de fuga ou de proteção do agente condutor contra um desatino qualquer da pessoa sob custódia. No entanto, nesse sistema libertário em que vivemos – felizmente – é inteiramente admissível que o envolvido possa arquitetar plano e comportar-se, sempre, com alguma chance de fugir às garras da lei, o que sugere situação de autodefesa, pois é da natureza humana, viver à luz do sol, sob o sopro dos ventos e não na clausura. A escapada, inclusive, é concebida, tacitamente, como um direito pela legislação pátria, já que penalmente, tem-se como irrelevante e impunível uma fuga ou tentativa do preso nesse sentido. Dessa forma, a lei tolera implicitamente o chamado direito de esperneio à pessoa detida ou reclusa. Talvez por isso, filmes hollywoodianos do tipo Um sonho de liberdade e A fuga de poseidon, que exploram tão bem o tema, tenham tanta repercussão e aceitação no mundo ocidental.

Nos últimos dias, discussões nessa seara vêm permeando pela ausência de regulamentação, pois o Decreto para esse fim, exigido por força do artigo 199 da Lei de Execuções Penais nunca fora publicado. Nisso residia o impasse jurídico. Os agentes públicos se achavam sujeitos a fazer o que mandava a lei, mas esta não existia. Realmente, era um panorama paradoxal e o Supremo Tribunal Federal nada mais fez do que dissipar equívocos e pronunciar que, diante da brecha legislativa, deve-se satisfazer aos ditames constitucionais da dignidade e da cidadania. Doravante, imobilização de punhos dos conduzidos, somente naqueles casos excepcionais que incluam resistência, receio de fuga ou perigo à integridade física do próprio preso ou de terceiros, ressalvando-se a necessidade da autoridade policial justificar por escrito o uso do instrumento. De modo antagônico ao costumeiro e simétrico com a recente decisão de nossa corte máxima, outrora, alguns policiais sempre correram riscos, observados pela crítica de seus pares, deixando de imobilizar pequenos infratores, ao levantarem que a situação para o cidadão com ficha limpa, já era tão vexaminosa que as algemas representavam mero xeque-mate da indignidade.

Nesses casos, sabe-se, haveria riscos bilaterais, mas até o jurista ou banqueiro expert, sob conjuntura adversa, conhecendo o arcabouço e a par do comportamento de agentes que se valem da arma como extensão do braço, não ousaria uma evasão. Imaginem Daniel Dantas, conduzido publicamente, por uma dezena de policiais armados de fuzis e submetralhadoras. Mas, num mundo polarizado pelas idéias, é plausível que outros pensem de modo diferente, do tipo: é agora ou nunca, tenho que fugir, a polícia está facilitando… Então, pressupondo-se a tentativa de fuga, os riscos seriam potencializados? Imaginamos que não, pois é sabido e ressabido que a polícia já não atira primeiro e pergunta depois. Isso é mera lenda urbana. E os agentes atabalhoados e/ou despreparados? Bem, mas aí já seria um problema de Estado, pois se deve presumir o governo físico-psíquico do servidor e temos que avançar rumo ao total preparo de nossas polícias para o enfrentamento de circunstâncias inóspitas. Não se defende aqui que o agente deva se portar aos braços cruzados, pois para legítima defesa própria ou de terceiros, aí sim, sempre estará autorizado a agir, a usar as algemas e até seu armamento. Mas em grandes operações, onde uma pessoa presa, totalmente submissa, é rodeada por um sem número de agentes, não se vê nenhuma razão para essa imobilização das mãos. Aliás, bem que poderíamos aproveitar do instante de rebuliço e sugerir aos entes estatais, a aquisição de armas não-letais ou de imobilização e a importação de sistemas de braceletes eletromagnéticos ou com pulsos de energia, para multiuso, inclusive nas ocasiões de transporte de presos. A sociedade aguarda soluções pacíficas ideais e espera a implementação de novas tecnologias nessas áreas, pois não mais concebe a prática do amadorismo em funções tão relevantes.

Em tempos de controvérsias – uns defendem as algemas com muita percuciência jurídica – vamos somar opiniões e com alguma substância de praticidade, visualizar a liberdade como lema primeiro do homem e se nessas idas e vindas, alguns escaparem, principalmente aqueles acusados impetuosos de primeira viagem, paciência. Tenhamos como certo: nossos policiais não irão – e não devem – alvejar um “infeliz” fugitivo pelas costas e encarar um problema social muitíssimo maior do que a própria fuga. Afinal, entre a vida e qualquer outro direito humano, a primeira é o bem precioso; é tudo que mais se deve resguardar. Logo, em caso de processo disciplinar, para o agente condutor, melhor que seja unzinho de menor destaque. Esse é um risco típico de um mundo libertário. Ademais, a grande maioria dos fugitivos perigosos torna a cair nas mãos do Estado e o homem endividado com a justiça penal, encarcerado, se verá imune daquele temor de ser apanhado e, se livre, viverá dias e noites de agruras, imaginando que, num passo em falso, sua hora de enfrentar os tribunais chegará.

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