O MPF-SP (Ministério Público Federal em São Paulo) apresentou esta semana as razões de apelação ao TRF-3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) contra decisão da 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes Financeiros e Lavagem de Dinheiro, de novembro passado, que determinou o arquivamento da ação penal contra Daniel Valente Dantas e mais 13 pessoas pelos crimes de quadrilha, gestão fraudulenta, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. A defesa, através da assessoria de imprensa do banco Opportunity, contestou a notícia.
Segundo o procurador da República Rodrigo de Grandis, autor do recurso e responsável pelo caso, o juiz federal Douglas Camarinha Gonzales, no exercício da titularidade da 6ª Vara, deu uma interpretação extremamente abrangente à decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), de junho de 2011, no HC 149.250. Por maioria apertada de votos, julgou-se que a participação de agentes da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) na Satiagraha foi indevida e determinou anular todas as provas produzidas com a participação ou análise do órgão, em especial dois procedimentos de escuta telefônica e a ação controlada que resultaram na ação penal contra Dantas por corrupção.
Procurado pelo Última Instância, o advogado Luciano Feldens, um dos responsáveis pela defesa de Daniel Dantas, afirmou que “o juiz da 6ª Vara se limitou a cumprir a decisão do STJ que reconheceu a ilegalidade da operação a pedido do MPF. Agora, o MPF de 1ª instância está buscando, por via oblíqua, discutir uma decisão do STJ em fórum inadequado”.
Meses antes da decisão que determinou o arquivamento da Satiagraha, logo após a decisão do STJ, o juiz havia determinado que o MPF se manifestasse em 10 dias sobre provas não-contaminadas por aquelas anuladas pelo STJ. Depois dessa manifestação, as defesas se manifestariam e o juiz definiria as provas que fossem apresentadas.
Entretanto, após a chegada do telegrama do STJ comunicando o juiz da 6ª Vara da decisão no HC movido pela defesa de Dantas, Gonzales modificou sua decisão anterior e em novembro determinou a remessa do processo ao arquivo, pois seria impossível aproveitar qualquer imputação penal lançada na denúncia do MPF por lavagem de dinheiro e outros crimes.
Na decisão, o juiz menciona o telegrama recebido do STJ e afirma que a comunicação daquele tribunal deixava claro que os feitos correlatos estariam anulados.
O MPF apresentou um pedido de esclarecimento da decisão de Gonzales de novembro e pediu o restabelecimento da decisão anterior. O pedido foi negado pelo juiz da 6ª Vara em janeiro deste ano, confirmando o arquivamento, razão da apelação movida agora pela Procuradoria da República.
Anulação parcial
Para de Grandis, a decisão do STJ só anulou dois procedimentos de escutas telefônica e a ação controlada que resultou na prisão de Daniel Dantas por corrupção, feitos supostamente contaminados, no entender do tribunal, pela participação de agentes da Abin.
Entretanto, alega o MPF, seis das sete imputações penais que a Procuradoria da República apresentou contra Dantas na denúncia por lavagem de dinheiro e outros crimes são derivadas de outras provas: declarações prestadas no âmbito do inquérito policial, pesquisas em bancos de dados de Juntas Comerciais, auditoria realizada na Brasil Telecom, busca e apreensão do HD do banco Opportunitty, informações do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários, todos relacionados a fatos que ocorreram antes do início da interceptação telefônica.
Para o MPF, diante do caráter “amplo, vago e impreciso do termo ‘correlato’, empregado no acórdão, o juiz deveria aferir, como prevê o Código de Processo Penal, quais as provas derivadas das que foram declaradas ilícitas pelo STJ, retirando-as do processo e inutilizando-as, bem como aproveitando as que não tinham nexo com as provas anuladas”.
Segundo de Grandis, a jurisprudência do STJ tem sustentado que se o tribunal determina anulação de provas em um habeas corpus, cabe ao juiz do caso analisar a extensão da decisão do STJ, pois num HC não é possível verificar isso.
Para o MPF, a interpretação de que todas as ações da Satiagraha são nulas devido à decisão do STJ é também uma extensão indevida da pretensão inicial da defesa que, ao ajuizar o habeas corpus havia se insurgido contra a ação controlada e as escutas telefônicas, não contra a ação penal.
“O magistrado fiou-se no telegrama que transcreve o número da presente ação penal (o que é feito para indicar o processo de origem), daí não se podendo extrair uma decisão de anulação tão extensa, pois o que vale é o teor contido no dispositivo da decisão judicial e não o seu meio de comunicação. Telegrama não induz repetição de ações. Telegrama não faz trânsito em julgado. Telegrama não enseja coisa julgada”, afirma de Grandis na apelação.
Sete fatos criminosos
1) Crime de quadrilha e organização criminosa: Dantas e os acusados pelo crime de quadrilha (confira lista ao final do texto), associaram-se de forma permanente e estável desde 1999 para reiteradamente cometerem crimes de gestão fraudulenta, evasão de divisas, lavagem de dinheiro e corrupção ativa, o que configura ainda organização criminosa, de acordo com a Convenção de Palermo, da ONU, contra o crime organizado, ratificada pelo Brasil;
2) Gestão fraudulenta: Dantas, Verônica e Ferman cometeram, segundo a denúncia, fraudes no comando do Opportunity Fund e do banco Opportunity. Há diversas fraudes: a presença de cotistas brasileiros no fundo, quando a prática era proibida; desvio de recursos da Brasil Telecom para auto-financiamento do Opportunity; utilização da Brasil Telecom para repassar recursos às empresas de publicidade de Marcos Valério, figura central do Mensalão, com as quais foram firmados dois contratos, superiores a R$ 50 milhões; presença de funcionários do grupo Opportunity na folha de pagamento da BrT; uso de dinheiro da BrT para a aquisição de aviões usados pelo Opportunity por meio de consórcio, aluguel de R$ 44 mil mensais e reforma de mais de R$ 2 milhões de dois andares comerciais para escritório da BrT em São Paulo, usados, na prática, pelo Opportunity. Tais fraudes contaram com o apoio material de Benigno, Carla Cicco, Bhering e Maria Amalia;
3) Gestão temerária – Ferman e Benigno, a frente do banco Opportunity, entre 2005 e 2006, desrespeitaram regras do Banco Central quanto à informação aos órgãos competentes de casos em que havia a suspeita de crimes previstos na lei de combate à lavagem de dinheiro. Tal irregularidade foi detectada pelo BC e configura crime de gestão temerária;
4) Evasão de divisas – entre 1998 e 2004, ao permitirem que cotistas brasileiros investissem no Opportunity Fund, o que era vedado, Dantas, Ferman e Verônica, como gestores do fundo, proporcionaram que tais cotistas e as próprias empresas do Opportunity mantivessem recursos do exterior de forma ilegal, o que configura evasão;
5) Lavagem de dinheiro – Ao ocultar recursos próprios e de terceiros, oriundos de crimes contra o sistema financeiro nacional, por intermédio do Opportunity Fund e do Opportunity Unique Fund, entre 2005 e o presente, Dantas, Ferman, Verônica, Aguiar e Penido cometeram o crime de lavagem de dinheiro;
6) Lavagem de dinheiro – Entre novembro de 2007 e junho de 2008, Humberto Braz dissimulou recursos criminosos por meio de um complexo sistema de fictícios pagamentos de consultoria à empresa Igbraz. Esse pode ter sido o sistema usado para dissimular a transferência de recursos do grupo para a propina apreendida pela Polícia Federal com a qual o grupo criminoso assediou os policiais federais que investigavam o caso;
7) Lavagem de dinheiro – Entre agosto de 2006 e 2007, Braz, Yu e Amaral, montaram outro esquema de lavagem de dinheiro, envolvendo duas offshores e a empresa de fachada MB2 Consultoria Empresarial.
Lista dos acusados e os crimes a eles imputados pelo MPF
1) Daniel Valente Dantas, controlador do grupo Opportunity, já foi condenado a uma pena de 10 anos de prisão em processo de corrupção ativa e foi denunciado agora pelo MPF sob as acusações de crimes de quadrilha e organização criminosa, gestão fraudulenta de instituição financeira, evasão de divisas e lavagem de dinheiro;
2) Verônica Valente Dantas, sócia, diretora e conselheira de várias empresas do grupo e do banco: quadrilha e organização criminosa, gestão fraudulenta de instituição financeira, evasão de divisas e lavagem de dinheiro;
3) Dório Ferman, presidente do banco Opportunity: quadrilha e organização criminosa, gestão fraudulenta de instituição financeira, gestão temerária de instituição financeira, evasão de divisas e lavagem de dinheiro;
4) Itamar Benigno Filho, diretor do banco: gestão temerária de instituição financeira e participação no crime de gestão fraudulenta de instituição financeira;
5) Danielle Silbergleid Ninnio, da área jurídica do grupo, ex-assessora jurídica da Brasil Telecom: crime de quadrilha e organização criminosa;
6) Norberto Aguiar Tomaz, diretor do banco: lavagem de dinheiro;
7) Eduardo Penido Monteiro, diretor do banco: lavagem de dinheiro;
8) Rodrigo Bhering Andrade, diretor de empresas ligadas ao grupo: participação no crime de gestão fraudulenta de instituição financeira;
9) Maria Amália Delfim de Melo Coutrim, conselheira de diversas empresas do grupo: participação no crime de gestão fraudulenta de instituição financeira;
10) Humberto José Rocha Braz, ex-diretor da Brasil Telecom e atual consultor do grupo Opportunity, já foi condenado a sete anos de prisão em processo pelo crime de corrupção ativa. Desta vez é denunciado pelo MPF sob as acusações de crimes de quadrilha e organização criminosa e duas lavagens de dinheiro;
11) Carla Cicco, ex-presidente da Brasil Telecom: participação no crime de gestão fraudulenta de instituição financeira;
12) Guilherme Henrique Sodré Martins, o Guiga, lobista do Opportunitty: quadrilha e organização criminosa;
13) Roberto Figueiredo do Amaral, lobista e consultor: crime de quadrilha e organização criminosa e lavagem de dinheiro;
14)William Yu, consultor financeiro: crime de quadrilha e organização criminosa e lavagem de dinheiro.