O Ministério Público Federal no Ceará ajuizou Ação Civil Pública contra o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Fundação Getúlio Vargas (FGV), com pedido de tutela antecipada, para suspender a divulgação do resultado final do Exame de Ordem 2010.2, marcada para sexta-feira (14/1). O MPF também pediu a recorreção de todas as provas práticas aplicadas no país, alegando violação aos direitos da legalidade e da ampla defesa. O pedido será analisado pela 4ª Vara Federal do Ceará.
Participaram da segunda fase da prova da OAB 47 mil candidatos, dos quais 34 mil reprovados tinham o direito de recorrer. Inicialmente, foram 106 mil candidatos. Legalmente, há um período de três dias corridos para o candidato recorrer, porém, como muitos não conseguiram ver sua nota, devido a problemas nos sites da Ordem e da FGV e nas correções das provas, a OAB adiou o prazo duas vezes.
Após receber várias representações de bacharéis que participaram da prova, a Procuradoria da República do Ceará instaurou um procedimento administrativo para apurar irregularidades nos critérios de correção das provas da 2ª fase do Exame de Ordem. O órgão afirma que houve afronta ao artigo 6º, parágrafo 3º, do Provimento 136/2009 do Conselho Federal da OAB, ao item 5.7 do edital do exame e ao artigo 5º, LV, da Constituição.
De acordo com o procurador regional da República Francisco de Araújo Macedo Filho, que assina a Ação Civil Pública, a banca examinadora não obedeceu os critérios gerais de avaliação da prova, estipulados no Provimento 136/09. Diz a norma que os examinadores devem avaliar os critérios raciocínio jurídico, fundamentação e sua consistência, capacidade de interpretação e exposição, correção gramatical e técnica profissional demonstrada. “Em outras palavras, as provas dos examinandos deverão efetivamente receber pontuação progressiva, na medida em que é constatada excelência em cada um daqueles critérios”, afirma o procurador na ação.
Já o edital de abertura do Exame de Ordem 2010.2 diz que o candidato pode acessar a imagem digitalizada das folhas de sua prova, o padrão de respostas esperado para as questões práticas e o espelho de correção — documento que especifica a pontuação em cada um dos critérios de correção — nos sites da Ordem e da FGV. A medida serve para que o candidato tenha acesso a todas as informações necessárias para formular seu recurso, caso julgue necessário.
Porém, segundo o MP, o espelho de correção individual da prova de Direito do Trabalho não destacou a pontuação referente aos critérios correção gramatical, raciocínio jurídico, capacidade de interpretação e exposição e técnica profissional demonstrada. Para o órgão, houve afronta ao princípio da legalidade. Segundo a ação, conforme representações juntadas aos autos do procedimento administrativo, isso aconteceu em todas as correções.
Segundo o procurador, os candidatos foram prejudicados, já que a pontuação que eles poderiam ganhar com o uso correto da língua portuguesa, com a forma de exposição da resposta, demonstrando técnica profissional para elaborar a peça processual adequada, foi aplicada em critérios que definem apenas se o candidato indicou normas e apontou as fundamentações jurídicas necessárias para justificar suas respostas.
“A correção das provas de 2ª fase do Exame de Ordem 2010.2, portanto, quase que se reduziram a uma mera análise técnico-jurídica, e é sabido que não é só isso que deve ser esperado do bom advogado. (…) O intuito do exame é testar do bacharel de Direito em todas as qualidades que o mesmo deve ter para integrar o mercado de trabalho da advocacia.”
Os princípios da legalidade da ampla defesa também foram afrontados, segundo a ação, na medida em que a forma como a pontuação foi dada, no espelho das provas, para cada um dos quesitos descritos, não ofereceu ao candidato elementos suficientes para saber qual foi seu erro: se ele deixou de escrever sobre alguma questão jurídica pedida; se apenas indicou a norma errada ou não a indicou; ou se cometeu erro de gramática.
“Em casos como esse, que não são difíceis de acontecer (sabe-se que o resultado dos recursos foram adiados para dia 14 de janeiro pelo número de recursos interpostos), o examinando teria de redigir seu recurso de forma genérica, pois não saberia efetivamente em que critério errou, o que não é indicado pelo próprio Edital de Abertura.”
De acordo com o item 5.4 do edital, “cada examinando poderá interpor um recurso por questão objetiva, por questão prática e acerca da peça profissional, limitado a até 2.500 (dois mil e quinhentos) caracteres cada um”. O item diz ainda que o candidato deve ser claro, consistente e objetivo em seu pedido e que recurso inconsistente ou intempestivo será liminarmente indeferido.
Muitos acessos
O MPF também citou a dificuldade que os candidatos tiveram para ter acesso a correção das provas nos sites da OAB e da FGV. Os primeiros problemas apareceram no dia 7 de dezembro de 2010, quando a FGV colocou à disposição em seu site as questões e as respostas da segunda fase. Em parte, porém, havia erro nas somas das questões.
Segundo a ação, foi publicado um espelho de correção, porém não havia a descrição de nenhum critério usado para a avaliação, constando apenas a nota obtida para cada questão. “Vale destacar que alguns espelhos possuíam erros materiais, como somatória incorreta, erro de português e pontos incoerentes, e alguns candidatos nem tiveram seus espelhos individuais disponibilizados.”
A OAB mandou revisar as notas dos candidatos. No dia 9, a revisão foi publicada e o prazo para recursos foi adiado para o dia 11. Houve, porém, atraso para que as provas individuais ficassem disponíveis e, segundo o MPF, o site ficou praticamente inacessível, impossibilitando a interposição dos recurso. A própria OAB informou, na época, que o site da FGV teve nova sobrecarga.
“Disso tudo decorreu grande insegurança quanto à credibilidade das correções que foram feitas, além de prejudicar vários candidatos no seu direito de defesa. (…) Vê-se, pois, que houve claro malferimento do princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV, CF), pois o candidato, além de não saber o que de fato errou, de toda a dificuldade em acessar o sítio da internet, cumulada com o dever de redigir um recurso direto e específico para cada item impugnado, não podia nem conseguia recorrer de todos os pontos realmente controversos em sua correção, pois tinha limitado número de caracteres para fazê-lo.”
Com isso, o MPF pede que o Conselho da OAB e a FGV designem nova banca examinadora para que seja feita nova correção das provas prático-profissionais, incluindo os critérios: correção gramatical, raciocínio jurídico, capacidade de interpretação e exposição e técnica profissional demonstrada. A ação pede ainda que conste no espelho de correção individual das provas a justificativa da pontuação de cada item, indicando a natureza do erro e a localização dentro do texto definitivo do candidato.
Por fim, o MP afirma que as duas instituições devem providenciar estrutura suficiente em seus endereços eletrônicos, para que os candidatos possam visualizar a correção de suas provas sem dificuldades, além de garantir “prazo razoável” e conceder um maior espaço (número de caracteres), para que os recursos sejam formulados em todos os pontos controvertidos possíveis.
Ação sem sentido
O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, afirmou que o MPF se baseou apenas na visão de alguns candidatos, que se sentiram prejudicados, para propor a ação. “Não vejo sentido nessa ação. As correções estão sendo feitas com base nos critérios estabelecidos no edital e no provimento da OAB. Não há fundamentos para se questionar a correção e impedir a publicação dos resultados e nós vamos mostrar isso judicialmente”.
Cavalcante afirmou que a FGV tem tradição na aplicação de concursos públicos em todo o país e que a OAB não tem interesse em restringir ou dificultar a inscrição de novos profissionais nos quadros da Ordem. “Nossa única preocupação é com a formação dos advogados”. Ele destacou ainda que todos os recursos serão analisados de forma criteriosa. “A OAB quer atuar de forma transparente”.
Exame questionado
Recentemente, no dia 16 de dezembro de 2010, o desembargador do Tribunal Federal da 5ª Região – que abrange o estado do Ceará – Vladimir Souza Carvalho concedeu medida liminar determinando que a OAB inscrevesse em seus quadros dois bacharéis em Direito como advogados sem exigir aprovação no Exame de Ordem. O desembargador considerou a exigência da prova inconstitucional.
O Conselho Federal da OAB entrou com um pedido de Suspensão de Segurança no Superior Tribunal de Justiça. Por decisão do presidente do STJ, ministro Ari Pargendler, o processo foi enviado ao Supremo Tribunal Federal. No dia 31 de dezembro, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, cassou a liminar, até a decisão final no processo da OAB.
Ação Civil Pública 0014822-16.2010.4.05.8100