Inteiro teor da decisão do juiz da Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais homogêneos – Amaury da Silva Kuklinski – em ação cautelar patrocinada pela Brasil Verdade. .
Autos: 0008746-58.2011.8.12.0001
Parte autora: José Magalhães Filho
Parte ré: Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso do Sul
Vistos, etc.
José Magalhães Filho ajuiza a presente nomeando-a de Ação Cautelar Incidental de Produção Antecipada de Provas – “vistoria ad perpetum ad rei memoriam” (sic), em face do Estado de Mato Grosso do Sul e da Assembléia Legislativa do Estado de MS, objetivando a quebra de sigilo bancário desta, representada por seu presidente Jerson Domingues, em razão dos indícios de corrupção divulgadas na mídia, levando à suposta conclusão, da existência de “mensalão” que há muito estaria ocorrendo no Estado de MS.
Posteriormente, esclarece que, em verdade, se trata de Ação Cautelar Preparatória para futuro ajuizamento de Ação Popular.
Instrui a inicial com os documentos de fls. 22/39.
O pedido foi recebido como Cautelar Inominada de Quebra de Sigilo Bancário da Assembléia Legislativa deste Estado, conforme decisão de fls. 40/41.
Às fls. 45/47, o autor emendou a inicial, incluindo o Estado de Mato Grosso do Sul, no pólo passivo da ação, a citação dos ocupantes do pólo passivo, bem como formulou pedido de liminar apontando a presença dos seus requisitos.
É o relatório necessário.
O pedido do autor está previsto no art. 801, do CPC: O requerente pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que indicará:
I – a autoridade judiciária, a que for dirigida;
II – o nome, o estado civil, a profissão e a residência do requerente e do requerido;
III – a lide e seu fundamento;
IV – a exposição sumária do direito ameaçado e o receio da lesão;
V – as provas que serão produzidas.
Parágrafo único. Não se exigirá o requisito do no III senão quando a medida cautelar for requerida em procedimento preparatório.
Inicialmente, infere-se que sendo a Assembléia Legislativa, componente do Poder Legislativo, sem personalidade jurídica, o Estado de Mato Grosso do Sul veio integrar a lide.
Manteve-se a Assembléia Legislativa pela possibilidade de defender no presente feito seus direitos institucionais, concernentes à sua organização e funcionamento, hipótese em que é possível ocupar o pólo passivo da ação.
“Art. 1º. § 4o A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes: (…)
VI – contra a Administração Pública;”
O presente caso, também não é, para apreciação de competência originária do Tribunal de Justiça ou outro Tribunal Superior, mormente se tratando este Juízo do competente em razão da matéria, das ações populares, que no caso será o feito principal, e o autor, de plano, comprova sua legitimidade ativa para tal finalidade.
Igualmente, inexiste prerrogativa de função, sendo da competência deste juízo de primeiro grau, a apreciação portanto, do presente feito, pois também o é, para a ação principal.
Em verdade causa espanto, que após toda a celeuma das vésperas da eleição passada, 2010, tenha efetivamente demorado tanto a cobrança das declarações alí divulgadas e proclamadas pelo Brasil.
Trata-se de evidentemente, espantar a quebra de confiança que existe atualmente entre o povo e seus passados representantes (alguns atuais), e de modo indireto, dos jurisdicionados e da própria justiça, envolvida no episódio, que na verdade afronta toda a magistratura. A medida requerida é necessária para a averiguação das afirmações, comprová-las ou refutá-las, de modo a restabelecer a confiança pública nos seus órgãos diretores e nos seus representantes. A necessidade e conveniência da medida que se examina, favorece o processamento na presente cautelar preparatória, do pedido de quebra de sigilo bancário, mormente em face da existência de permissivo legal a respeito, qual seja a Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, aplicando-se por analogia aos casos como o presente, em razão da previsão contida em seu art. 1º, §4º, VI1, que permite a decretação da quebra de sigilo de dados financeiros quando servir de base para apuração de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial que apurar crimes contra a Administração Pública.
Com efeito, a Ação Popular está prevista no inciso LXXIII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, nos seguintes termos: “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.”
Por meio da ação popular qualquer cidadão pode questionar judicialmente a validade de atos que considera lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural.
Os atos atacáveis via ação popular, poderão ser nulos por serem lesivos ao patrimônio público ou por terem sido praticados ou celebrados sem a observância aos ditames legais.
A nulidade pode se dar por motivo de incompetência, (quando praticado por agente que não possui a atribuição legal); por vício de forma (omissão ou inobservância completa ou regular às formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato); por ilegalidade do objeto (o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo); por inexistência dos motivos (quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido); e finalmente, por desvio da finalidade (quando o agente pratica o ato visando fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência).
É ajuizada contra a União, o Estado ou o Município, contra a pessoa que recebe subvenção governamental e contra quem se tiver beneficiado das irregularidades que a ensejam.
Considerando que a presente cautelar é preparatória para a Ação Popular, em tese é possível apurar-se crimes contra a Administração Pública, obviamente.
Portanto, no presente caso, não só há possibilidade, como também é evidente a necessidade da medida por envolver interesse público a ser analisado em futura instrução da ação mencionada, do interesse da justiça, e da população, em vista da possibilidade da existência, a priori, de “lobos” vorazes do erário público, não havendo qualquer direito subjetivo, individual ou de intimidade a ser resguardado.
De todo o exposto, é de fácil compreensão que a necessidade e conveniência das medidas nem tão extremas assim se fazem sentir em face da presença do “periculum in mora” e do “fumus boni iuris” ensejadores destas e com base no “due process of law”, não havendo lugar para qualquer afronta aos ditames das garantias da intimidade e da privacidade em face do confronto com os valores em questão, haja vista ser de natureza e interesse públicos. Isto é, não há qualquer possibilidade lógica, legal e razoável para se sacrificar o interesse público em favor do interesse particular quando contra aquele pendem sérias e fundadas razões para que as medidas sejam levadas a efeito, haja vista que o pedido aqui formulado não é de abertura das contas particulares dos deputados que compõe o órgão apontado, mas sim a abertura das contas do órgão do Estado, que deve atuar com transparência, embasando-se (o provimento almejado) em próprio dispositivo constitucional de norma cogente, que impõe a publicidade das contas públicas.
Dessa natureza é a norma inserta no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal: “Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que
utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.”
O sigilo de dados bancários e fiscais é protegido pela Constituição da República Federativa do Brasil (Art. 5º, X e XII da CRFB/88), no entanto, ainda que sejam direitos fundamentais, estes não possuem caráter absoluto e podem ser relativizados de acordo com o caso concreto. In casu, não estamos diante de qualquer direito fundamental, sequer direito à intimidade, e nem podemos dizer que estamos diante de um conflito entre um interesse público e um privado, na medida em que, pela Lei da Transparência, não se vê conflito algum na medida pleiteada.
Corrobora o entendimento exposto, o seguinte julgado que cito:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO
DE SEGURANÇA. QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO.
INDÍCIOS DE SONEGAÇÃO FISCAL. COMISSÃO
PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. DETRIMENTO DO
ERÁRIO ESTADUAL. COMPETÊNCIA. I – Demonstrados indícios de irregularidades em detrimento do Erário Estadual, reveste-se de competência a Comissão Parlamentar de Inquérito promovida pela Assembléia Legislativa Estadual para apuração de eventuais ilicitudes no procedimento adotado pelos administradores públicos. II – Para resguardar a integridade das informações, a quebra dos sigilos bancário e fiscal, por não ser direito individual absoluto, pode ser solicitada com intervenção do Judiciário mesmo sem a participação do investigado. III – Recurso Ordinário improvido. (RMS 17706/PR. Relator(a) Ministro FRANCISCO FALCÃO. PRIMEIRA TURMA. Julgamento em 09/11/2004. DJ de 17/12/2004, p. 414)
Ademais, o provimento almejado não ameaça a segurança nacional, caso em que não se poderia obter. A Lei Complementar n. 131/2009, Lei da Transparência, determina “a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.
Em outras palavras, os cidadãos devem ter acesso às informações que indiquem o que está sendo feito dos recursos públicos.
A medida impõe-se, desde antes da edição da Lei da Transparência, pois as contas sempre foram e devem ser públicas.
Assim, como forma de buscar a verdade em face de interesse público, jurisdicional, sustentável e razoável, já que se está frente a uma grave questão de Estado, não de governo. E, aliás, o órgão da Assembléia Legislativa, como já exaustivamente salientado, não detém direito à intimidade, pois, pelo contrário, tem o dever de publicar suas movimentações.
Ademais, entendo que quanto menos a requerida esteja comprometida com os atos noticiados, como afirmou o próprio entrevistado naquela ocasião, mais e mais, tal medida será benéfica, pois servirá para afastar de vez, qualquer dúvida que, porventura paire, sobre a honestidade daqueles que estão à frente do órgão e correção da atuação do Poder Legislativo, e consequente do Poder Público em geral.
Embora o assunto tenha desaparecido dos meios televisivos, e a imprensa nada mais tenha comentado sobre o assunto, obviamente que a dúvida paira na população, pois houve uma quebra de confiança entre os jurisdicionados e a Administração Pública, e não seria justo com o Estado de Mato Grosso do Sul e a Assembléia Legislativa, que a questão ficasse sem esclarecimento algum, em razão de toda aquela repercussão, concluindo-se pois a necessidade deveras de prestação das contas e informações, que pelo Princípio da Publicidade (art. 37 da CF), a Administração Pública tem obrigação de prestar.
Inclusive, é louvável a atitude do cidadão autor, em primeiro promover a presente cautelar, pois assim a Administração Pública terá a nobilíssima oportunidade de se redimir, mediante a abertura de suas contas, que a rigor pertencem à população, pois se trata do dinheiro público arrecadado, sem necessidade de responder a uma Ação Popular.
Aliás, é notório que muito se fala em transparência mas na hora de realmente tornar efetivo o clamor popular pela transparência da Administração Pública, esta acaba impondo toda sorte de empecilhos a obstaculizar seu real alcance, ao invés de cumprir os ditames legais.
Ressalta-se o atendimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, aplicável in casu, com objetivo de ajustar os fins objetivados e os meios empregados para apuração da realidade.
A doutrina moderna entende que a proporcionalidade não se trata de um princípio, mas de um instrumento utilizável pelo juiz para mensurar os princípios em si, de maneira que este decide à luz da razoabilidade utilizando-se dos princípios aplicáveis.
Contudo o entendimento majoritário ainda é de que se trata de um princípio constitucional implícito decorrente, primeiramente, do princípio do devido processo legal.
Comungo do entendimento de que efetivamente trata-se de um instrumento utilizável pelo juiz para aplicação de outros princípios e normas, inclusive, como meio de integração do ordenamento jurídico, pois no caso vertente a proporcionalidade é aplicada em face dos princípios gerais da Administração Pública (Art. 37, caput, da Constituição Federal) e, mais especificamente, do princípio da publicidade, com que se deve conduzir a Administração Pública.
Como se vê, não há ponderação entre a proporcionalidade e os demais princípios, mas sua utilização para medir a ponderação dos interesses, que no presente caso, é público, não estando a ferir qualquer interesse particular à privacidade.
Isto posto, de forma a privilegiar o interesse público demonstrado pelo autor, e ante a presumida complexidade de obtenção de tais dados, haja vista o objetivo da cautelar e as pessoas envolvidas, DEFIRO os pedidos formulados pelo autor às fl. 9: a quebra do sigilo bancário a partir de maio/2008 até dezembro de 2010, separados por ano, (no intuito de reduzir a quantidade de informações para mais rápida apreciação) incluindo todas as movimentações bancárias de qualquer natureza, bem como de remessas de valores para o exterior, expedindo-se ofício requisitório ao Banco Central do Brasil para informar as contas bancárias existentes nas instituições financeiras e bancárias do país, em nome da Assembléia do MS, para possibilitar o acompanhamento do fluxo monetário dispendido pela assembléia após o recebimento do duodécimo, incluindo a informação do destino para o qual tenham sido efetuadas transferências e/ou pagamentos, números de contas, sem a titularidade, por ora..
Expeça-se o mandado e ofício.
Cite-se e intimem-se os requeridos, para resposta em 20 (vinte) dias (art. 802 c/c 188 do CPC).
Intime-se o Ministério Público.
Com a resposta, voltem conclusos.
Observe o autor, o disposto nos artigos 806 do CPC.
Campo Grande, 15 de abril de 2011.
Amaury da Silva Kuklinski
Juiz de Direito
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