por Bruno Boris e Vítor Luis Artioli Kundrát
Aprovado pelo Congresso Nacional e apenas aguardando a sanção ou veto do presidente Lula, o Projeto de Lei 6.246/05 (PLS 192/05), apresentado pelo senador Paulo Paim, em que pese a constatação de que os legisladores estão atentos às relações sociais, acaba por demonstrar como alguns parlamentares não detêm o conhecimento cotidiano necessário acerca da norma a ser alterada ou complementada.
Com efeito, referido PL busca, de modo desnecessário, alterar o parágrafo 3º do artigo 54 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor — CDC), acrescentando a limitação, quando da elaboração de contratos de adesão escritos tutelados pelo CDC, do tamanho da fonte ao corpo 12, passando o artigo a ter a seguinte redação, in verbis:
Artigo 54 — Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Parágrafo 3° — Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo 12, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.
Contudo, referida alteração não merece prosperar, haja vista que o legislador, evidenciando certo desconhecimento técnico acerca do assunto, ignorou a existência no próprio Código de Defesa do Consumidor de previsão expressa quanto ao modo de interpretação e de elaboração dos contratos de adesão.
Um exemplo dessa previsão encontra-se no artigo 47 do CDC, cujo preceito legal determina que a interpretação das cláusulas contratuais ocorrerá sempre de maneira mais favorável ao consumidor, demonstrando a existência de uma clara complementação ao vigente parágrafo 3º, do artigo 54 que o PL 6.246/05 pretende alterar.
Desse modo, a alteração almejada pelo PL 6.246/05 em apenas especificar o tamanho de fonte, acaba por restringir do magistrado a possibilidade de analisar determinadas circunstâncias do caso concreto, como por exemplo, mesmo que tal hipótese seja pouco provável, a possibilidade da redação, mesmo em tamanho de fonte 12 ser ininteligível para determinado consumidor, mas por haver previsão legal, não poderá o magistrado agir contra lei.
Trata-se de uma casuística que não compete ao legislador estabelecer e sim o julgador. Imagine-se um texto em cinza num papel negro. Pode estar ilegível de todo o modo. Ou um texto colocado no meio de um material com formato publicitário, não permitindo uma boa visualização. Ou seja: o tamanho da letra não é o único problema a dificultar a leitura do contrato. É melhor que o Poder Judiciário, com a sua esperada prudência, decida a cada caso.
Como se vê, mesmo que a limitação da fonte no tamanho 12 seja considerada como benefício ao consumidor, pois certamente existem contratos com fontes de tamanho inferior ao indicado, o Código já deu instrumentos para que o magistrado faça a correta interpretação do pacto à realidade do consumidor, o que nos permite afirmar que o PL é inócuo.
O Código de Defesa do Consumidor é um texto legal principiológico, o que permite que diversos fatos aparentemente não especificados em suas previsões possam receber o devido tratamento legal sem que haja uma constante alteração e pormenorização da norma, haja vista que a utilização de legislações “genéricas”, ao contrário da pormenorização de condutas positivadas, é uma tendência no Direito contemporâneo da civil Law, eis que cediço ser praticamente impossível ao Direito acompanhar todas as mudanças sociais.
Concluímos, portanto, nessas brevíssimas anotações, que o PL 6.246/05, caso venha a ser sancionado, colaborará apenas com a limitação interpretativa do Código de Defesa do Consumidor e não contribuirá efetivamente para o aprimoramento das relações de consumo.
Revista Consultor Jurídico