Mundo empresarial – Boa governança é essencial para crescimento corporativo

por Fábio Medina Osório

O sistema financeiro nacional reveste-se de cenários sensíveis às turbulências, às boatarias, dossiês e processos punitivos que têm por singular característica deixar marcas perenes em seus destinatários. Do ponto de vista do Direito Administrativo Sancionador, há penas perpétuas, transnacionais, pois um dirigente inabilitado no Brasil não consegue emprego em lugar nenhum no mundo. Basta relembrarmos das penalidades de suspensão de exercício de cargos em instituições financeiras, advertências, e mesmo das multas, para nos darmos conta de que nos prontuários de quaisquer dirigentes constarão tais censuras como reprimendas desabonatórias ao exercício de funções no mercado. As práticas de boa governança, aliás, têm endurecido as exigências de entrada de empresas no mercado; são os chamados filtros preventivos, cada vez mais importantes, e essas espécies de informações sobre os gestores são de suma importância.

Não é por outra razão que a conhecida Lei Sarbanes-Oxley constitui um duro paradigma de boa governança universal, paradigma que vem revigorando as práticas no mercado, após um conjunto de fraudes corporativas nos USA. As fraudes, os grandes escândalos, os desvios de dinheiro público, a corrupção, não raro se confundem com transgressões que se encaixam em categorias tão amplas quanto indeterminadas, como gestão temerária de instituição financeira, elisão fiscal ou “faltas graves”, gerando zonas de penumbra e de incerteza para os administrados e para a sociedade de um modo geral.

Separar “o joio do trigo” é tarefa hercúlea que exige ponderação e bom senso. Não misturar os grandes escândalos com as pequenas transgressões é medida que se impõe como forma de aplicar regra isonômica de justiça e estimular uma postura razoável e prudente de parte dos fiscalizadores, criando zonas de foco concentrado, prioridades, planejamento institucional e compromisso com resultados.

As oscilações e sensibilidades exacerbadas nos mercados financeiro e de capitais podem acarretar efeitos nocivos em toda a sociedade, embora sejam inevitáveis e da própria natureza e essência dessas entidades repletas de riscos e cenários imprevisíveis. O capitalismo global, veloz por definição, é francamente frágil e vulnerável. Existe, ademais, o chamado “mercado do escândalo”, que alimenta uma significativa parcela da grande mídia, promovendo espetáculos à custa da atuação barulhenta de instituições que poderiam melhor atuar silenciosamente. Tais fatores podem contribuir para um ambiente hostil em termos de segurança econômica e jurídica, até contribuindo para uma reação institucional adversa aos interesses públicos, v.g, projetos de lei contrários aos poderes do Ministério Público ou de outras entidades fiscalizadoras essenciais ao Estado Democrático de Direito.

A sociedade da informação e do conhecimento acelera processos tecnológicos que aumentam essas sensibilidades e bruscos movimentos nos mercados. Na guerra pela disputa de espaços, os atores se valem de técnicas pouco nobres para a alavancagem de seus interesses. No entanto, as instituições devem conhecer o terreno onde pisam e devem fomentar qualidade e busca por resultados, não pela imagem e pela superficialidade. Os erros de poucos podem comprometer os interesses e direitos de muitos.

A indagação mais freqüente hoje é esta: quanto custa para o coletivo um ataque desprovido de suporte técnico ou probatório perpetrado contra uma instituição financeira idônea, uma empresa que atua no mercado de capitais ou um gestor bancário? De onde podem advir esses ataques? As especulações — e também os ataques especulativos contra a honra de pessoas físicas ou jurídicas — passam por atividades selvagens e, não raramente, transitam na periferia da legalidade.

Uma notícia plantada indevidamente num meio de comunicação social gera efeitos perversos e perenes, produz danos morais e pode afetar a credibilidade das instituições, mas o desate do problema nos canais institucionais competentes raramente encontra idêntica ressonância nos mesmos meios de comunicação social e muito menos junto ao interesse da opinião pública, além de tramitar longamente pela burocracia formal do modelo instituído. No plano dos negócios, as soluções são normalmente instantâneas, de modo que tudo já estará consumado, tanto os prejuízos de quem perde quanto os lucros de quem ganha.

Aliás, não é incomum que as entidades fiscalizadoras sejam instrumentalizadas por denunciantes munidos de intenções puramente empresariais, o que requer redobradas cautelas dos técnicos competentes. A opinião pública é outro canal de pressão dotado de enorme poder. Os meios de comunicação transmitem notícias negativas com facilidade e suas pautas nem sempre obedecem critérios facilmente rastreáveis do ponto de vista lógico. Em meio a essa cultura, viceja o “denuncismo”. Mais ainda, a imagem das grandes empresas não é boa num país marcado fortemente pela desigualdade social, sobretudo no âmbito dos mercados financeiro e de capitais. Os ataques superficiais às pessoas jurídicas capitalistas podem contar com o beneplácito de uma cultura persecutória aplaudida na opinião pública e publicada. Daí surgirem os “heróis” de plantão sob os aplausos televisivos e também os perigos de atuações emocionais e impulsionadas pelas vaidades. Essa espécie de fragilidade pode ser explorada no mundo subterrâneo da guerra dos negócios obscuros.

Sabidamente, o imaginário popular pode até não alcançar concretamente os prejuízos sociais decorrentes de denúncias desprovidas de critérios ou sem lastro técnico adequado nessa seara, mas o certo é que no plano real do mundo dos negócios globais existe um custo social gigantesco que acaba sendo suportado pela coletividade e pelas instituições. O custo da periferia, da marginalidade, da deterioração das bases e pilares do Estado de Direito costuma ser alto. Não poderia ser diferente em se tratando do sistema financeiro nacional.

Quando se pretende um sistema sólido, idôneo, funcionalmente estável e dotado de credibilidade, não se pode aceitar que a insegurança jurídica seja o caldo de cultura propício aos riscos e imprevisibilidades dos mecanismos de apuração dos ilícitos, e que a impunidade, em qualquer de suas vertentes, assuma lugar de destaque.

É de se repudiar, certamente, a impunidade em todas as suas modalidades, inclusive as chamadas transgressões dos fiscalizadores, os abusos no manejo do poder acusatório, investigatório ou fiscalizatório, tema que vem ganhando notória importância à luz do princípio da responsabilidade. Sem embargo, é de se reservar ao Estado um espaço ao chamado “erro legítimo”, sob pena de ficar engessado nos seus afazeres, espaço que se há de reservar, com seus devidos matizes, à iniciativa privada, no mercado financeiro e de capitais.

As práticas de boa governança, pois, constituem um conjunto de fórmulas que têm por objetivo prevenir problemas e agregar transparência e competividade nesse segmento, protegendo investidores e fortalecendo a credibilidade do sistema. Tais práticas não se esgotam na transparência, nas boas práticas contábeis, na correta regulação dos conflitos de interesses, mas também alcançam os fundamentos da supervisão e do poder punitivo, do poder de polícia e dos controles internos e externos de um novo Direito Administrativo Sancionador comprometido com direitos fundamentais, combate à impunidade, eficiência e credibilidade sistêmicas.

Hoje, o foco central da boa governança corporativa reside na prevenção da honestidade funcional e de níveis básicos de eficiência funcional dos dirigentes das empresas que atuam no mercado financeiro e de capitais. Os padrões de honestidade, de lisura, de probidade, conduzem ao filtro dos fiscalizadores. Não se pode confundir, nesse contexto, uma transgressão inerente ao funcionamento e ao erro normal dos dirigentes do setor com aquelas transgressões e erros intoleráveis que escorregam para a má governança corporativa. O fortalecimento das instituições fiscalizadoras, no Estado Democrático de Direito, é projeto que se impõe naturalmente, até como fórmula adequada a criar focos, prioridades e estratégias.

Instituições fiscalizadoras fracas podem facilmente ser capturadas pelos regulados e podem atuar sem critérios isonômicos e desprovidas de racionalidade. Para enfrentar uma realidade dinâmica, complexa e hostil, em que o mercado busca instrumentalizar as instituições, é recomendável o fortalecimento do Estado, através de recursos humanos cada vez mais habilitados à compreensão das enigmáticas situações com as quais são obrigados a se deparar, cujas entranhas nem sempre resultam facilmente acessíveis ao primeiro olhar. Também é imperiosa a expansão de investimentos no setor público, seja na qualificação, aperfeiçoamento e estímulo dos quadros humanos, seja na incrementação dos recursos materiais e tecnológicos, porque não há alternativa senão dotar o Estado de condições altamente qualificadas para enfrentar os desafios da contemporaneidade.

Discursos mesquinhos, que buscam reduzir os agentes públicos a patamares de inferioridade em relação ao setor privado, devem ser prontamente abandonados. Trata-se de altos executivos, que merecem remunerações condizentes com as elevadas atribuições que desenvolvem, e que constituem, na vida concreta do país, as melhores cabeças pensantes da Nação.

O Estado brasileiro deve refletir sobre as ferramentas disponíveis para retenção desses talentos nos seus quadros. A construção de um novo Direito do Estado requer altos agentes públicos extremamente qualificados e é papel da iniciativa privada e das entidades que integram o chamado terceiro setor colaborar para que se alcance esse objetivo.

É nesse contexto de complexidade que, à semelhança do que já se fez em Gramado, em agosto de 2007, no Serrano Resort Hotel, agora se organizará em São Paulo, nos dias 4 e 5 de setembro, no Ceasar Business, o II Boa Governança no Sistema Financeiro Nacional, evento que congregará autoridades reguladoras e regulados, magistrados, membros do Ministério Público, da Advocacia Pública, advogados, economistas e professores, pelo Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado – IIEDE, com apoio de diversas entidades, entre elas a Editora Fórum, OAB-SP, Iasp, Cade, PGFN, o Banco Central, a Academia Internacional de Direito e Economia, dentre vários outros, para discutir temas ligados ao Direito Administrativo Sancionador nos mercados financeiro e de capitais.

É salutar que se perceba a importância, cada vez maior, de as instituições se aproximarem num ideário superior ao corporativismo isolacionista e buscarem, através do diálogo construtivo, pautas de crescimento comum, prevenindo conflitos e estimulando abordagens francas e críticas em ambientes plurais. Universos infensos ao diálogo e propensos à litigiosidade demarcam uma cultura de atraso e de retrocesso na busca por investimentos nacionais e internacionais, o que repercute negativamente no campo das políticas públicas e dos investimentos sociais. Afinal, respeitadas as divergências de idéias, há algo que une todos os pensamentos abrigados neste projeto: a busca pelo ideário de um Estado Democrático de Direito.

Revista Consultor Jurídico

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