O Superior Tribunal de Justiça (STJ) não reconheceu o direito de dois irmãos catarinenses de receberem do Estado indenização por danos morais. Eles foram presos, acusados de matar e depois derreter o corpo da vítima com soda cáustica, mas, em razão do não indiciamento por insuficiência de provas, acabaram soltos. Eles buscaram na Justiça compensação pelas supostas prisão indevidas, mas a Segunda Turma do STJ acabou entendendo que a legitimidade das prisões preventivas não pode ser questionada, já que seria necessário reexame de provas.
Os irmãos entraram com ação de indenização por danos morais contra o estado de Santa Catarina por causa da prisão a que foram submetidos. Eles alegaram que as provas foram manipuladas pela polícia. Os restos mortais enviados à Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelaram que o corpo seria de uma criança de, no máximo, sete anos, o que evidenciaria que os fragmentos não foram coletados no local indicado como a cova em que a vítima teria sido enterrada.
Na primeira instância, a ação foi considerada prescrita. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) afastou a prescrição, mas julgou a indenização improcedente. A defesa pedia o pagamento dos lucros cessantes correspondentes a cem hectares de soja e milho que deixaram de ser plantados pelos irmãos e dano moral no valor correspondente a mil salários-mínimos ou o que fosse determinado.
No recurso especial, a defesa alegou que não foi sanada a contradição em relação ao limite do direito de defesa, e que o TJSC não poderia julgar, sob pena de supressão de instância, a prescrição da ação. Alegou, também, que não se trata de matéria exclusivamente de direito, já que a responsabilidade do estado poderia, sim, existir no caso, desde que provada a ocorrência do erro ou do abuso de direito por parte do delegado que estava à frente das investigações.
O relator, ministro Luiz Fux, afirmou que, afastada a prescrição, o tribunal catarinense pode julgar as demais questões suscitadas no recurso, mesmo que não tenham sido analisadas pela sentença, já que a causa encontra-se suficientemente madura.
Em relação à legalidade das prisões preventiva e cautelar a que foram submetidos os irmãos, ao argumento de que somente foram impronunciados por ausência de materialidade do crime, o ministro afirmou que esta não pode ser apreciada, em razão da Súmula n. 7 do STJ, que impede a reanálise de fatos na apreciação do recurso especial. Os demais ministros acompanharam o entendimento do relator.
Entenda o caso
Em 1989, a suposta vítima furtou um televisor e um aparelho de som da casa de um dos seis indiciados em Lajeado Grande (SC). Na delegacia, a vítima declarou que cumpriu ordens de uma pessoa para quem trabalhava na época, que posteriormente também foi indiciada. Apesar de ser processada, a vítima não foi encontrada para citação e interrogatório, sendo condenada, pois na época não cabia a suspensão do processo e do curso da prescrição.
Cinco anos depois, em uma conversa num bar, um dos indiciados contou que participou de um homicídio contra um homem cujo corpo foi enterrado com soda cáustica para que fosse dissolvido e nunca mais encontrado. Depois de tomar conhecimento do fato, o delegado da cidade tomou o depoimento dos presentes na conversa, que confirmaram tudo. O mesmo indiciado foi ouvido pelo delegado de Lajeado Grande e confessou sua participação nos fatos, em depoimento assinado por ele na presença de duas testemunhas.
O réu confesso afirmou que saiu de carro juntamente com os irmãos e a vítima. Em determinado local, a vítima foi agredida a pauladas e depois levada a outro lugar, onde foi cortada em pedaços com uma faca. O réu afirmou que fugiu do local, mas soube que, a mando de um dos irmãos, que portava um revólver, os outros dois picaram a vítima e derreteram seu corpo com soda cáustica, num latão, jogando os restos em local desconhecido. Ele teria recebido ameaças para que não contasse a ninguém os fatos. E nada contou sobre a participação de outras duas pessoas.
Outro acusado contou no inquérito policial que, quando foi procurar trabalho na casa de um dos irmãos, presenciou uma briga por motivo de dinheiro entre os irmãos e a vítima. Os irmãos desferiram socos na vítima e depois a amarraram num poste do paiol e a agrediram com pauladas por uns quinze minutos. Levaram a vítima dali, voltando sem ela cerca de uma hora e meia depois. Após trabalhar seis meses, a testemunha foi ameaçada ao tentar o acerto de contas, o que o fez lembrar do caso ocorrido.
Outras pessoas foram ouvidas no inquérito, inclusive pessoas que trabalhavam para um dos acusados e que confirmaram a sessão de tortura à vítima, que, segundo nova versão, teria sido amarrada num palanque. Essas pessoas indicaram a presença de outro indiciado.
Embora não tenha encontrado vestígios de corpo humano no local, com base na prova indireta da materialidade do homicídio, o juiz decretou a prisão preventiva, em 1994, de cinco dos seis suspeitos, para que não cometessem novas “queimas de arquivo”, para melhor aplicação da lei penal, para que não se evadissem da região e para evitar coação sobre testemunhas, já que todos temiam os irmãos.