Não há obrigação de usar beca ou gravata

Tradicional na rotina profissional dos operadores do Direito, o uso do paletó e da gravata não tem obrigatoriedade imposta na lei. Foi o que reconheceu o juiz federal Leonardo Augusto de Almeida Aguiar, do Juizado Especial Federal Cível de Juiz de Fora (MG).

Ele julgou procedente o pedido de reparação por danos morais feito pelo advogado Fabio de Oliveira Vargas (OAB-MG nº 90.681), impedido por uma juíza trabalhista de sentar-se à mesa, em uma audiência na 3ª Vara do Trabalho daquela cidade, por não estar engravatado. A ação foi ajuizada contra a União Federal.

A ação está basicamente na prova documental oriunda do próprio processo trabalhista em que ocorreu o incidente. Menciona a ata da audiência: “Presente o advogado Dr. Fabio de Oliveira Vargas (OAB 90681-MG), que não está trajado com beca ou gravata, dizendo a juíza que não pode nem mesmo admiti-lo à mesa de audiências, solicitando-lhe que se mantivesse, caso queira, dentro da sala, mas não à mesa. O Dr. Fábio assentou-se próximo à porta”.

A sentença reconhece que “o advogado deve se apresentar no tribunal vestindo roupas adequadas ao exercício da profissão, porém, o uso de paletó e gravata, especificamente, não tem obrigatoriedade imposta na lei”.

O juiz pondera no julgado que não é por isso também que se vai admitir “o uso de roupas impróprias ou incompatíveis com o decoro, o respeito e a imagem do Poder Judiciário e da própria Advocacia”.

A sentença conclui também estar “configurada a conduta comissiva e antijurídica da MM. Juíza da 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora-MG, que culminou na violação aos direitos da personalidade do autor e comprovado o nexo causal entre o dano e conduta, deve a União reparar os danos morais suportados pelo autor, em face da teoria objetiva prevista no § 6, do artigo 37 da CF/88”.

Para o juiz sentenciante, “faltou razoabilidade” à determinação da juíza do Trabalho que presidia a audiência.

A reparação financeira pedida era de R$ 30.600. A sentença concedeu R$ 5 mil. Cabe recurso. Em nome do autor da ação atua seu colega Arão da Silva Junior. (Proc. nº 2009.38.01.706754-3).

TERMO DE AUDIÊNCIA EM QUE FOI EXIGIDA A GRAVATA

Processo: 00804-2008-037-03-00-4 Data de Publicação: 15/07/2008

Doc.: 01258
Pag.: 1

3a. Vara do Trabalho de Juiz de Fora

TERMO DE AUDIÊNCIA RELATIVA AO PROCESSO No. 00804-2008-037-03-00-4

Aos 15 dias do mês de julho do ano de 2008, as 08:45 horas, na sede da 3a. Vara do Trabalho de Juiz de Fora,tendo como Titular o(a) MM. Juiz(a) do Trabalho MARTHA HALFELD F. DE MENDONCA SCHMIDT realizou-se a audiência UNA da reclamação ajuizada por Maria Aparecida de Souza Oliveira contra Movimento Gay de Minas Mgm.

Aberta a audiência foram, de ordem do(a) MM. Juiz(a)do Trabalho, apregoadas as partes.

Às 08h49min, aberta a audiência, foram, de ordem da Exmo(a). Juíza do Trabalho, apregoadas as partes.

Presente o(a) reclamante, acompanhado(a) do(a) advogado(a), Dr(a). Waldemar de Freitas Trindade, OAB na 043074/MG.

Ausente o(a) reclamado(a). Presente o(a) advogado(a), Dr(a). Fabio de Oliveira Vargas, OAB na 90681/MG, que não está trajado com beca ou gravata, dizendo a Juíza que não pode nem mesmo admiti-lo à mesa de audiências, solicitando-lhe que se mantivesse, caso queira, dentro da sala, mas não à mesa. O Dr. Fábio assentou-se em cadeira próxima à porta.

Diante da ausência injustificada do(a) reclamado(a), o(a) reclamante requereu que seja considerado(a) revel, além da aplicação da confissão quanto à matéria de fato.

O requerimento será apreciado quando da prolação da sentença.

Conciliação recusada.

Declarou a reclamante que não tem outras provas a produzir e requereu o encerramento da instrução processual, o que foi deferido.

Encerrada a instrução processual.

Razões finais orais remissivas pela reclamante.

Prejudicada a renovação da proposta conciliatória.

Para leitura e publicação da sentença fica designado o dia 18/07/2008, às 16:35 horas, ciente a reclamante, nos termos da Súmula 197/TST.

Cópia deste termo de audiência será disponibilizada no site “www.trt3.jus.br”, a partir de amanhã.

SUSPENDEU-SE às 09:08 horas.

Nada mais.

ÍNTEGRA DA SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE A AÇÃO AJUIZADA PELO ADVOGADO

(01.10.10)
Autos nº 2009.38.01.706754-3
Autor: Fábio de Oliveira Vargas
Ré: União Federal

Sentença nº 714/2010 – TIPO A

Vistos etc.

Trata-se de ação sumaríssima ajuizada por Fábio de Oliveira Vargas em face da União Federal, na qual pretende indenização por danos morais no importe de R$ 30.600,00 (trinta mil e seiscentos reais). Aduz que em 15.07.2008 compareceu à audiência na 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora/MG, como advogado do reclamado, processo 804.2008.037.03.00-4, em trâmite naquele Juízo, e que na ocasião foi impedido pela MM. Juíza do Trabalho de sentar-se à mesa de audiências, por não estar trajado com beca ou gravata.

Citada, às fls. 25/29, a União apresentou contestação, argüindo a ilegitimidade da União para figurar no pólo passivo da demanda, alegando não haver relação jurídica entre a União e o autor no que tange os fatos alegados na inicial. No mérito, pugnou pela improcedência do pedido formulado pelo autor.

É o breve relatório, conquanto dispensado pelo art 38 da lei nº 9.099/95 c/c art. 1º da Lei nº 10.259/01.

Decido.

Inicialmente, defiro ao autor os benefícios da assistência gratuita, requerida à fl. 10.

Em preliminar, argui a ré ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda, sob o argumento
de que não há relação jurídica entre a União e o autor. Contudo, não assiste razão à ré, senão vejamos:

A Justiça do Trabalho integra o Poder Judiciário da União de forma que os atos comissivos praticados por seus agentes e que nesta qualidade causem danos a terceiros, devem ser reparados pela pessoa jurídica de direito público a que estão vinculados, adotando-se a teoria objetiva do risco administrativo, na forma do artigo 43 do CC/02 c/c o § 6º do artigo 37 da CF/88.

Dispõe o § 6º, do artigo 7 da CF/88 que:

“§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa”.

Ainda, colaciono o seguinte julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETODE INTERVENÇÃO. O § 6 º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestam serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma em favor do particular, possibilitando-lhe cão indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativamente e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF, R$ 327904/SP, Primeira Turma, Relator Ministro Carlos Britto, DJ 08.09.2006).

Assim, considerando que a referida Justiça Especializada integra o Poder Judiciário da União e que esta é a pessoa jurídica de direito público legitimada a responder pelos danos causados por seus agentes, rejeito a preliminar arguida, vez que a União é parte legitima para figurar no pólo passivo da demanda, na forma do disposto no § 6º, do artigo 37 da CF/88.

No mérito, assiste razão ao autor senão vejamos:

Consta dos autos, à fl. 13, ata da audiência realizada em 15.07.2008 na sede da 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora/MG, em que o autor figurou como patrono do reclamado, ficando consignado o seguinte: “Presente o(a) advogado(a), Dr(a). Fabio de Oliveira Vargas, OAB 90681/MG, que não está trajado com beca ou gravata, dizendo a Juíza que não pode nem mesmo admiti-lo à mesa de audiências, solicitando-lhe que se mantivesse, caso queira, dentro da sala, mas não à mesa. O Dr. Fábio assentou-se próximo à porta”.

Pois bem. Da análise do caso concreto, formo convencimento no sentido de que faltou razoabilidade à decisão da MM. Juíza da 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora/MG, que não admitiu o autor, advogado constituído pela reclamado, à mesa de audiências por não trajar-se com beca ou gravata, vestimentas consideradas imprescindíveis pela magistrada.

Embora incorporado à rotina forense e afeto ao tradicionalismo dos Tribunais, o uso do paletó e gravata não tem obrigatoriedade imposta na lei, e nem sequer em ato regulamentar expedido pelo TRT da 3ª Região. A legislação não exige como requisito para participação das audiências que os advogados estejam trajados com paletó e gravata, beca ou qualquer outra vestimenta. Na verdade, a norma determina que os advogados estejam trajados de forma adequada ao exercício da profissão.

O próprio TRT da 3ª Região, no Ato Regulamentar Conjunto nº 01 de 15.09.2008, se limitou a dispor no art. 5º, inciso IV, que:

“Art. 5º – É vedado nas Unidades do Tribunal:

IV – O ingresso com trajes inadequados ao decoro exigido pelo Poder Judiciário.

Não significa, porém, que não se deve reprimir a banalização, ou seja, o uso daquelas vestes notoriamente inadequadas e incompatíveis com o decoro, o respeito e a imagem do Poder Judiciário e da própria Advocacia, o que não é o caso. Ao juiz, incumbe presidir a audiência, zelando pelo seu bom andamento, o que não o autoriza violar os direitos e prerrogativas do advogado que é constitucionalmente indispensável à administração da Justiça, na forma do art. 133 da CF/88.

Ainda, dispõe o art. 2º da Lei 8.906/94 que:

Art. 2º – O advogado é indispensável à administração da justiça.

§ 1º – No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.

§ 2º – No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.

§ 3º – No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.

Ademais, em se tratando da Justiça do Trabalho, a qual notadamente prima pelos princípios da oralidade, informalidade, celeridade e ainda pelo princípio do jus postulandi, ainda mais arrazoadas se mostra a medida atacada.

Configurada a conduta comissiva e antijurídica da MM. Juíza da 3ª Vara do Trabalho de Juiz de Foro/MG, que culminou na violação aos direitos da personalidade do autor e comprovado o nexo causal entre o dano e conduta, deve a União reparar os danos morais suportados pelo autor, em face da teoria objetiva prevista no § 6, do artigo 37 da CF/88.

Ademais, o dano moral surge sempre que há uma lesão a algum direito da personalidade, sendo desnecessária a produção de provas que dimensionem o prejuízo, já que estas podem influenciar no quantum da indenização e não na efetiva caracterização do dano.

Quanto ao valor a ser indenizado, a doutrina e a jurisprudência estabelecem como parâmetros as circunstâncias do caso concreto, a gravidade do dano, a situação do lesante e a condição do lesado, devendo-se atentar para o fato de que o valor deve inibir a repetição da prática abusiva, sem que sirva de fonte de enriquecimento para a vítima. Logo, no caso dos autos, entendo como justa a compensatória, a fixação do montante indenizatório em R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

Diante do exposto julgo parcialmente procedente o pedido formulado na inicial, para condenar a União Federal ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), a título de danos morais, monetariamente corrigidos com base no manual de cálculo da Justiça Federal e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês, a partir da citação.

Sem custas e honorários de advogado, na primeira instância.

P.R.I.

Oportunamente, arquivem-se com baixa na distribuição.

Luziâna, em 11 e junho de 2010.

Leonardo Augusto de Almeida Aguiar,
juiz federal

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