por Flávia Nora
Em dezembro de 2007 a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) foi devidamente extinta pelo Poder Legislativo. No entanto, em 12 de maio deste ano, o senador Tião Viana (PT-AC), decidiu apresentar um projeto, PLP 306/2008, que trata da regulamentação da Emenda Constitucional 29 de 13 de setembro de 2000, no qual inseriu uma nova contribuição social, desta vez destinada à saúde, a CSS (Contribuição Social para a Saúde).
A CSS, da mesma forma que a antiga CPMF, poderá vir a incidir sobre as movimentações financeiras de todos os contribuintes. As diferenças entre a CSS e a extinta CPMF serão as seguintes: a CSS será permanente; sua arrecadação será vinculada exclusivamente ao financiamento da saúde e não à Previdência e assistência social e sua alíquota será de 0,10% e não mais de 0,38%.
Ao contrário da extinta contribuição, algumas operações serão isentas, como por exemplo, a renda mensal de assalariado, desde que seja inferior a R$ 3.080 (maior salário-contribuição vigente no país).
De acordo com os seus defensores, o artigo 195, parágrafo 4º da Constituição Federal, permitiria a instituição de contribuição especial para a seguridade social, considerando a competência residual da União.
Creio, porém, que a mencionada “autorização” constitucional não se configura, tendo em vista que o artigo 154, I, da mesma Constituição estabelece a não-cumulatividade. De fato, a nova contribuição, inserida no projeto de lei, é inconstitucional pelos motivos que passo a expor.
O artigo 154, I, da CF/88, estatui que, a União poderá instituir mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo 153, desde que, sejam não-cumulativos e não tenham objeto ou base de cálculo igual aos já discriminados na Constituição Federal. O artigo 195, §4º, da Carta Fundamental, por sua vez, determina que a seguridade social seja financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, sendo que esta lei poderá instituir outras fontes destinadas a afiançar sua manutenção ou seu desenvolvimento, observadas as disposições, do artigo 154, inciso I, mencionado.
Ora, a Constituição Federal, assim como as demais leis vigentes no país, não pode ter seus dispositivos interpretados isoladamente. A interpretação deve ser efetuada de maneira sistemática. Sendo assim, o artigo que trata da manutenção e da expansão das fontes de custeio da seguridade social, não pode ser interpretado como se a vedação à cumulatividade (artigo 154, I, CF), não existisse.
A CSS será cobrada, se for instituída nos termos do projeto de lei, inúmeras vezes sobre um mesmo bem, por exemplo, desde a compra de matéria-prima, passando pela sua saída da indústria até o consumidor fiscal, desrespeitando assim outro princípio celebrado constitucionalmente, o da capacidade contributiva, eis que irá onerar ainda mais o patrimônio do contribuinte, aumentando a já absurda carga tributária, independentemente do seu patrimônio, já movimentação financeira nem sempre se traduz em riqueza do contribuinte.
No sistema da seguridade, que engloba a assistência, a previdência social e a saúde, a criação de contribuições já previstas no texto constitucional pode ser realizada mediante lei ordinária, outras que não foram nomeadas deverão ser instituídas por lei complementar, desde que não sejam cumulativas e sejam respeitadas as restrições impostas pela Lei Maior.
Com efeito, ao ser cobrado diversas vezes, o tributo irá encarecer o sistema produtivo, aumentando o preço do produto ou serviço, causando no final de certo período um inflacionamento do mercado e desrespeitando a não-cumulatividade garantida constitucionalmente. Até 2003, a Cofins e o PIS eram cumulativos, entretanto, o legislador entendeu que seria necessária uma modificação em relação a este aspecto eis que, o valor de tais contribuições onerava, em última instância, o consumidor final dos produtos ou serviços, tendo em vista o repasse dos custos pelo industrial ou prestador de serviços.
Contudo, ao contrário do acima explicitado, a Câmara dos Deputados entendeu como correta a interpretação não sistemática, por meio da qual, seria aplicado às contribuições apenas parte do dispositivo constitucional, ignorando a vedação à não-cumulatividade, tão importante para o sistema tributário nacional, como a restrição à bi-tributação. Resta ainda ao Senado Federal a apreciação do malfadado projeto.
A extinta CPMF foi criada por meio de emendas constitucionais (12/96, 21/99, 37/02 e 42/03), justamente objetivando evitar a proibição existente no texto constitucional no tocante ao exercício da competência residual da União por meio da criação de tributos cumulativos.
Com efeito, novos impostos cumulativos ou contribuições desta espécie só poderiam ser instituídos no sistema tributário nacional, mediante Emenda à Constituição. A CSS, apesar do nome contribuição e de ter os recursos obtidos com a sua arrecadação vinculados a uma finalidade específica, tem natureza jurídica de imposto.
Destarte, a CSS, além de inconstitucional, caso seja aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente da República, onerará ainda mais o contribuinte brasileiro, já tão sobrecarregado com o pagamento da elevada carga tributária que, praticamente nenhum benefício lhe traz, tendo em vista que a educação, a saúde e a segurança neste país, apenas para citar algumas áreas, estão entre as das piores do planeta, basta ler ou assistir aos jornais diários para tomar conhecimento.
Revista Consultor Jurídico