Nova CPMF, uma aberração jurídica

O governo está tentando recriar a CPMF repelida e sepultada pela soberania popular, com a denominação de Contribuição Social para a Saúde.

Essa tentativa foi duramente criticada pelo ex governador Germano Rigoto, na audiência pública do dia 27 de maio de 2008, na Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados.

Realmente, não faz o menor sentido discutir proposta de nova carga tributária, quando a PEC 233/08, em discussão no Congresso Nacional, caminha exatamente em direção à simplificação e desoneração tributárias. Se for aprovada a emenda que defendemos naquela audiência pública, as contribuições sociais da espécie não mais serão possíveis. Haverá exigência de prévia definição do fato gerador da contribuição social, por lei complementar, com expressa indicação do sujeito passivo relacionado com o órgão, fundo ou despesa que der causa à sua criação. Prevê, também, a total vinculação do produto da arrecadação da contribuição social à finalidade que ensejou sua criação, seguido do mecanismo de controle e fiscalização pelo TCU que, em detectando eventual desvio, ensejará imediata suspensão da incidência tributária, pelo Senado Federal, até 90 dias após a recomposição do órgão, fundo ou despesa.

O pretexto para essa CSS é a necessidade de regulamentação da EC nº 29/00, que deu nova redação ao art. 198 da CF, prescrevendo que a União deverá aplicar anualmente recursos mínimos em ações e serviços públicos de saúde, em percentuais definidos em lei complementar.

Daí surgiu a tentativa de regular esse dispositivo constitucional, criando nova contribuição mediante interpretação atravessada desse texto.

Ora, esse texto (art. 198, § 2º, I da CF) deve ser interpretado em harmonia com o art. 167, IV da CF, que excetua da vedação de vincular receitas de impostos a órgão, fundo ou despesa exatamente os recursos destinados para as ações e serviços públicos de saúde.

Isto quer dizer que a lei complementar deve, simplesmente, definir o percentual de vinculação da arrecadação de impostos federais para o setor de saúde pública, a exemplo do que já existe para o setor de ensino.

Nova contribuição social, para custear os serviços de saúde, que se insere no âmbito da Seguridade Social, por força do disposto no art. 195, § 4º, da CF, necessariamente teria que obedecer aos requisitos do art. 154, I da CF, ou sejam: instituição por lei complementar; ineditismo do fato gerador (aspecto nuclear) e da sua base de cálculo; e não-cumulatividade do tributo, o que inviabiliza a criação de contribuição semelhante à extinta CPMF. Para ressuscitá-la, ainda que com nova roupagem jurídica, será preciso uma Emenda Constitucional, para afastar os óbices do art. 154, I, da CF.

Na verdade, em uma conjuntura caracterizada pelo excesso de arrecadação, que vem sendo utilizado para abertura de créditos extraordinários, não tem o menor sentido criar novo tributo para custear o serviço público de saúde.

A questão se resume na elaboração de um plano de ação governamental refletido na Lei Orçamentária Anual para sua fiel execução, sob o controle e fiscalização do Congresso Nacional, com auxílio do Tribunal de Contas, como está prescrito no Texto Magno.

Se o governo é incapaz de planejar suas ações com base em receitas estimadas anualmente, como comprovam as aberturas de créditos extraordinários até mediante anulação parcial de dotações orçamentárias, seria inócuo aumentar as fontes de receitas, que só serviriam para agigantar o Estado que não mais cabe dentro do PIB e que a nação não mais consegue sustentar.

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Kiyoshi Harada
jurista, professor e especialista em Direito Financeiro e Tributário pela USP

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