por Renata Santos Barbosa Catão
Primeiramente, cabe salientar que a nossa Constituição Federal reconhece como entidade familiar apenas e tão somente às relações entre homem e mulher, que sejam decorrentes do casamento ou da união estável. Por outro lado, é notório que as relações homoafetivas existem e estão cada vez mais presentes na sociedade, gerando conseqüências que não podem ser, simplesmente, desconsideradas em razão da falta de lei específica.
Importante destacar que mesmo sem referência legislativa, atualmente, já existem decisões judiciais reconhecendo o caráter familiar às relações homoafetivas, por exemplo, ao decidir favoravelmente pela inclusão de companheiro como dependente em plano de saúde.
Um dos principais fundamentos utilizados por aqueles que assim se posicionam é a supremacia do princípio da dignidade humana, o qual repudia qualquer tipo de discriminação. Esse, porém, é um entendimento que gera grandes discussões entre os magistrados e operadores do direito, além da própria sociedade.
A verdade é que, mesmo não sendo legalmente reconhecida como entidade familiar, as relações homoafetivas devem encontrar, de uma forma ou de outra, amparo judicial. Imagine-se a existência de um patrimônio construído no decorrer dessa relação, que, por algum motivo, encontra-se em nome de um deles apenas.
Nesse caso, observando restritamente a lei, com o falecimento de um dos companheiros (as), todo o patrimônio em nome desse será partilhado tão somente entre os seus herdeiros, excluindo-se por completo o companheiro (a) sobrevivente. E isso, mesmo se o patrimônio for composto pelo imóvel em que o casal homoafetivo residia.
Em proteção a situações como essas, é que o direito admite, por meio de comprovação, o reconhecimento da existência de uma sociedade de fato, que encontra respaldo no âmbito do direito das obrigações e não do direito de família. Comprovando-se o esforço comum, o judiciário irá conferir-lhe a sua parte devida.
Mesmo assim, em muitos casos a comprovação dessa situação torna-se bastante difícil, principalmente quando se depara com empecilhos impostos pelos familiares, tornando muito árduo o caminho a percorrer.
Por isso, para evitar desgastes dessa natureza, o ideal é que os companheiros procurem proteger-se da forma mais ampla possível, adotando medidas preventivas que garantam seus direitos, tais como a celebração de um contrato e a elaboração de um testamento ou mesmo registrar todos os seus bens em nome do casal.Assim, não ficarão sujeitos ao desgaste de toda essa discussão.
No contrato, os companheiros poderão definir a data de início da relação, distinguir os bens particulares e os bens comuns, a forma de divisão no caso de dissolução da união, enfim, tudo aquilo relacionado aos direitos patrimoniais.
A elaboração de testamento é igualmente importante, já que é possível o companheiro, antes de seu falecimento, garantir uma parcela de seus bens ao companheiro sobrevivente, não tendo este que comprovar nada mais. Claro, que isso, observados os limites impostos pela lei.
No entanto, tais mecanismos não abarcam todas as questões e por isso diante de um caso concreto faz-se, muitas vezes, necessário dar início a uma tormentosa disputa judicial, como exemplo do recente caso de pedido de reconhecimento de união estável de um casal homossexual no âmbito do Direito de Família, objetivando a concessão de visto permanente no Brasil, já que um dos companheiros é estrangeiro. A ação foi extinta sem julgamento do mérito, em razão do reconhecimento da impossibilidade jurídica do pedido frente à inexistência de norma expressa a esse respeito.
A questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça, tendo sido apreciada pela 4ª Turma, que, por maioria de votos, admitiu sim a possibilidade jurídica do pedido de reconhecimento da união estável entre homossexuais, determinando, portanto a apreciação do pedido do casal pela Justiça Estadual do Rio de Janeiro.
Os ministros que se posicionaram favoravelmente (Pádua Ribeiro, Massami Uyeda e Luís Felipe Salomão) argumentaram que não há impossibilidade jurídica do pedido por não haver proibição legal expressa nesse sentido.
Já os Ministros Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Junior fundamentaram seu voto contrário baseados na Constituição Federal que é clara ao reconhecer como união estável apenas a relação entre homem e mulher.
Assim, a posição declarada pelo Superior Tribunal de Justiça, sem dúvida representa uma vitória inicial para aqueles que vivenciam uma relação homoafetiva. Contudo, há que se enfrentar ainda a omissão legislativa a respeito da questão, que gera grandes conflitos e dificuldades para os operadores do direito ao analisarem o caso concreto.
Revista Consultor Jurídico