por Luiz Rogério Sawaya Batista
Estamos presenciando, nessas últimas semanas, o reflexo das notícias relacionadas à crise das hipotecas nos Estados Unidos, que contaminou o setor bancário daquele país, em um fenômeno apelidado como crise do subprime, resultando em tendência de baixa nas Bolsas de Valores no mundo todo e na queda significativa no índice Ibovespa.
Nesses momentos de crise, é interessante o comportamento do investidor, sobretudo o inexperiente que, tomado por um sentimento de insegurança, decide pela realização de prejuízos em seus investimentos que, a médio e longo prazo, não existiriam ou seriam minimizados.
Por se tratar de um reflexo do comportamento humano, medido por inúmeros instrumentos — e. g., gráficos, médias móveis etc. — o episódio de queda das Bolsas aplica-se inteiramente ao mundo jurídico, em que, por vezes, se nota determinados segmentos de mercado seguindo a tendência das massas, sem se preocupar com uma análise mais detida de uma nova legislação, julgado e/ou situação jurídica específica.
No dia 28 de dezembro de 2007, em edição extra do Diário Oficial da União, foi publicada a Lei 11.638, que alterou diversos dispositivos de natureza da Lei 6.404/1976, conhecida como a Lei das Sociedades Anônimas.
Referida mudança é extremamente positiva para o nosso ambiente econômico, pois tem como objetivo possibilitar a adoção de práticas contábil internacionais pelas companhias brasileiras, assim como atribuir maior transparência às informações contábeis das pessoas jurídicas, principalmente as sociedades anônimas abertas e as fechadas, com capital superior a R$ 2 milhões.
Como exemplo digno de aplausos, a supressão da Demonstração de Origem e Aplicação de Recursos (Doar) e sua substituição pela Demonstração de Fluxos de Caixa (art. 176 e 188), informação de natureza financeira, largamente utilizada para a avaliação da empresa em processos de incorporação e aquisição.
De igual modo, a relevância dos novos critérios de avaliação de ativo e passivo, com a necessidade de análise periódica, pelas sociedades, na hipótese de eventual mudança de valor, pautada por regras objetivas, de modo que a contabilidade possa sempre refletir com fidelidade a situação patrimonial da pessoa jurídica em um determinado momento.
Contudo, as mudanças que possuem alguma relação com o mundo tributário vêm gerando, em nossa opinião, polêmica desnecessária no meio jurídico. Dentre elas, o novo ajuste de avaliação patrimonial, que substituiu a reserva de reavaliação, e a norma, constante no parágrafo 3º, do artigo 226 da Lei das S/A, relativa às operações de incorporação, cisão e fusão entre partes independentes e vinculadas à efetiva transferência de controle societário.
Tem-se afirmado, por exemplo, que o novo ajuste de avaliação patrimonial resultará na necessidade de tributação da reserva, ou melhor, do ajuste do ativo, pela pessoa jurídica, em função da “nova” forma de contabilização. Tal afirmação não possui nenhum respaldo técnico, pois tais mudanças na legislação societária de ordem contábil constituem um mundo paralelo ao fiscal, que com ele se relacionam, mas nele não interferem.
Aliás, a própria lei dispõe expressamente, em seu parágrafo 7º, no artigo 177, que “os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, (…), e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários”.
Em outras palavras, diversamente do que vem sendo aventado, nenhuma das alterações promovidas pela Lei 11.638/07, que foi editada para um fim determinado, possui reflexos tributários!
O mesmo raciocínio se aplica às operações de reorganização entre partes independentes relativas à efetiva transferência de controle, em que se anunciou a impossibilidade de aquisição com ágio em decorrência da obrigatoriedade de avaliação dos ativos a valor de mercado.
Ora, tal dispositivo apenas veicula a norma segundo a qual os ativos da pessoa jurídica adquirida sejam avaliados com base em valor de mercado, de forma a, em nossa opinião, gerar maior confiabilidade à aquisição, sobretudo aos acionistas, não produzindo nenhum reflexo de natureza tributária, que, aliás, possui regramento próprio e específico no artigo 20 do Decreto-lei 1.598/77.
Tudo isso sem mencionar que a própria legislação “tributária”, assim denominada para fins didáticos, prevê a necessidade de laudo de avaliação em operações que importem ágio na aquisição de participação societária relevante, com base na rentabilidade futura da sociedade ou no valor de mercado dos ativos, como condição de dedutibilidade, quando da realização do ágio (§ 3º, art. 20, DL 1.598/77).
Diversamente do alegado, a simples necessidade de avaliação do ativo com base em mercado em operação de aquisição não tem o efeito de provocar alteração na natureza do ágio e sequer de impedir o reconhecimento deste, que, contabilmente, quando existente, se verifica pelo método da equivalência patrimonial, previsto no artigo 248 da Lei das S/A (e no artigo 20 do DL 1.598/77).
Dessa forma, nos parece claro que a turbulência, própria de investimentos em renda variável, não pode habitar a análise do Direito, pois a especulação interpretativa pode levar a conclusões falaciosas, como as que vêm sendo equivocadamente anunciadas e que podem influenciar negativamente os partícipes do Direito Empresarial, que atuam em um ambiente em que a segurança e previsibilidade configuram um pré-requisito negocial.
Em resumo, tanto na análise e interpretação do Direito, como no fascinante mundo dos investimentos na Bolsa de Valores, uma postura equilibrada e racional pode evitar inúmeros prejuízos em épocas de crise!
Revista Consultor Jurídico