Em consonância com os princípios constitucionais da efetividade e da duração razoável do processo, inseridos na Constituição Federal de 1988 pela Emenda n° 45, a Lei 11.689/08, que entrará em vigor em 09 de agosto de 2008, trouxe profundas alterações no procedimento dos crimes de competência do Tribunal do Júri, previsto no Código de Processo Penal (arts. 406 ss).
O projeto começou a ser discutido no ano de 2001 por meio de uma iniciativa do Poder Executivo, que nomeou uma comissão de juristas, presidida pela professora Ada Pellegrini Grinover, para a criação de propostas tendentes a reformular o Código de Processo Penal, buscando maior eficácia em suas medidas e celeridade nos processos.
O projeto de lei n. 4.203/01 foi sancionado pelo Presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, no dia 09 de junho de 2008.
Inúmeras novidades foram introduzidas no Código de Processo Penal. O propósito foi o de desburocratizar e enxugar o procedimento do Tribunal do Júri e, conseqüentemente, acelerar a prestação jurisdicional em relação aos julgamentos dos crimes dolosos, consumados ou tentados, contra a vida. Se essa finalidade será atingida ou não, só o tempo dirá, mas, certamente, não deixam de ser medidas pertinentes.
De início, importante salientar o aspecto relativo à eficácia temporal da nova Lei, o que, certamente, ensejará alguns debates. Afinal, são normas genuinamente processuais ou são de conteúdo misto? É certo que as normas de conteúdo de direito processual penal, aquelas que repercutem diretamente no processo, possuem aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior (CPP, art. 2º)1; já as normas de conteúdo de Direito Penal, que atingem o jus libertatis do indivíduo, ao contrário, são aplicadas acaso se mostrem benéficas ao réu, já que se submetem ao princípio constitucional previsto no art. 5°, XL, da Constituição Federal2. E, por fim, as normas de conteúdo misto, contendo disposições de Direito Penal e de Direito Processual Penal, devem seguir o conteúdo normativo das primeiras, ou seja, a regra da irretroatividade da norma penal desfavorável ao acusado deve prevalecer sobre os comandos de natureza processual. Ao contrário, se a norma for mais favorável, deve ser aplicada desde logo.
A nova lei possui um caráter eminentemente processual, ensejando, desta forma, aplicação imediata, inclusive aos processos em andamento. Contudo, é possível que se abra, na doutrina e na jurisprudência, discussão a respeito da natureza da norma que revoga o artigo 607 do Código de Processo Penal, que exclui o Protesto por Novo Júri. Tratar-se-ia de uma norma de caráter misto, por atingir o direito de liberdade do réu, suprimindo um instrumento de defesa? É certo que, se assim for entendida, merecerá aplicação irretroativa, sendo aplicada somente aos fatos (crimes) ocorridos a partir da vigência da nova Lei (09.08.08).
A primeira alteração diz respeito à primeira fase do procedimento, o judicium acusationis ou sumário de culpa. Alteraram-se os artigos 406 à 416 do CPP. Em consonância com as novas regras, essa etapa será substituída por uma fase preliminar contraditória, o que parece ser uma tendência no processo penal, mostrando sintonia com a recente alteração dos dispositivos que regulamentam os procedimentos sumário e ordinário do Código de Processo Penal. Essa fase possui prazo para encerramento: 90 dias. Fica clara, portanto, a intenção legislativa de empreender celeridade ao processo a todo custo. Resta saber se tal prazo será respeitado ou se servirá para embasar pedidos de habeas corpus, fundados no inciso II do artigo 648 do CPP, ou seja, no excesso de prazo da prisão cautelar.
Após o recebimento da peça acusatória, o réu será citado para apresentar defesa escrita no prazo de 10 dias, onde poderá alegar matérias de defesa indireta ou arrolar testemunhas. Escoado o prazo sem que o réu tenha apresentado defesa, deverá o juiz nomear um advogado para oferecê-la, não se admitindo que fique indefeso. Tais alterações estão em consonância com a Lei 11.719/08 publicada em 23.06.2008, que altera os procedimentos ordinário e sumário do Código de Processo Penal. A nova redação do art. 396 prevê que o réu responda a acusação, por meio de defesa escrita, nos mesmos moldes do previsto para o procedimento do Júri.
Nesse momento, cumpre-nos destacar que após essa “fase preliminar” o juiz deverá aplicar a nova disposição do art. 3973, com redação alterada pela já citada Lei 11.719/08. Assim, deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato ou da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade – haja vista que a decisão com base nesse fundamento enseja aplicação de medida de segurança -; que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou quando extinta a punibilidade do agente.
Note que a decisão de absolvição sumária foi tratada pelo legislador quando da modificação do procedimento do júri em momento diverso. Assim, pode-se concluir, em função do disposto no §4° do art. 3944 (incluído pela Lei 11.719/08) que o juiz terá duas oportunidades para absolver sumariamente o réu: após o oferecimento da defesa preliminar pelo réu e no momento da prolação da decisão que encerra a primeira fase do procedimento, após a audiência una. Acrescente-se, que nesse segundo momento, o juiz poderá motivar sua decisão em outros dois fundamentos: na prova da inexistência do fato e na prova que demonstra não ser o réu autor ou partícipe.
Alguns Doutrinadores estão sustentando o descabimento da aplicação do aludido art. 397 do CPP, no procedimento do júri, sob o argumento de que a decisão que ele enseja constitui sentença de mérito, não possuindo, por isso, o juiz togado competência para proferi-la, pois, se o fizesse, estaria suprimindo a competência dos jurados.
Data vênia, em nossa perspectiva, tal argumento não possui fundamento para se sustentar. O novo art. 397 do CPP nasceu de um desmembramento efetuado pelo legislador, que, revogando o art. 43 do CPP, alterou os arts. 395 e 397 do mesmo Diploma Legal, transferido-lhes o seu conteúdo. O atual art. 43 trata das hipóteses que ensejam rejeição da peça acusatória, sejam estas quando o fato narrado evidentemente não constituir crime; quando presentes causas extintivas da punibilidade ou ausentes as condições da ação penal. As duas primeiras hipóteses cuidam de questões relativas ao próprio mérito da ação penal, sendo majoritário o entendimento doutrinário e jurisprudencial, no sentido de ostentar tal decisão eficácia típica de coisa julgada material, o que se pode constatar, aliás, a partir da leitura do parágrafo único do mesmo art. 43. A nova legislação tratou de desmembrar o art. 43, para adotar, expressamente, com a disposição do art. 397, referido posicionamento, conferindo, a essa decisão, natureza jurídica de sentença definitiva.
Não há que se sustentar, por derradeiro, não possuir o juiz togado competência para proferir sentença de absolvição sumária com base no art. 397, no procedimento do júri. Note que, referida decisão possui as mesmas conseqüências daquelas por tanto vezes proferidas pelo magistrado, com base nos incisos I e II do art. 43, sem que tenham sido, até hoje, objeto de qualquer crítica. O que se quer dizer, como se percebe é que continua sendo o juiz togado competente para proferi-la, porém, a partir da vigência da novel legislação, com fundamento em outro dispositivo legal, seja este o art. 397 do CPP.
Ademais, vale a máxima de que o legislador não utiliza palavras inúteis. Ora, se a absolvição sumária nesse momento não fosse possível, então qual seria a utilidade da defesa preliminar oferecida pelo réu, após o recebimento da denúncia pelo juiz?
Por outro lado, em não sendo o caso de absolver sumariamente o réu, com base no art. 397 do CPP, o juiz marcará uma audiência una, donde serão ouvidas respectivamente: as testemunhas de acusação, as testemunhas de defesa e o réu (interrogatório). Nessa fase instrutória, assim como na instrução em plenário, o legislador inseriu importante alteração. Adotou o sistema da cross examinatios de inquirição de testemunhas, segundo o qual tanto a defesa como a acusação formularão reperguntas diretamente às testemunhas, sem a necessidade da intermediação do juiz, afastando, desta forma, o sistema presidencialista adotado pelo atual Código de Processa Penal. E conferiu ao interrogatório nítido caráter de defesa, constituindo verdadeiro direito do acusado. Não se pode descurar que o ato de interrogatório continua sendo regulado pelos arts. 185 e ss do CPP. Assim, deverá o juiz, em qualquer caso, providenciar que o réu seja interrogado na presença de seu defensor, conforme reclama o caput do art. 185 e ainda, sem prejuízo da estrita observância ao disposto no seu p. 2º, ou seja, assegurar, antes da realização do interrogatório, o direito de entrevista reservada do acusado com o seu defensor.
Encerrada a etapa de produção de provas, mas ainda nessa mesma audiência, será concedido prazo para oferecimento das alegações finais, que passam a ser orais. Serão concedidos, 20 (vinte) minutos para acusação e defesa, respectivamente, prorrogáveis por mais 10 (dez), nos dois casos. Essa alteração não vem sendo bem recebida pela doutrina, pois enfraquece as alegações finais do defensor, diante da obrigatoriedade de alegações orais. Por outro lado, agiliza o processo e o tempo em que o réu deverá aguardar o julgamento sob custódia preventiva, quando decretada.Por fim, o juiz proferirá, de plano, a sua decisão (pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação), ou o fará em 10 (dez) dias, ordenando que os autos para isso lhe sejam conclusos. A introdução desta “fase preliminar contraditória” já vem sendo alvo de muitas críticas doutrinárias. Questiona-se qual foi o critério utilizado pelo legislador para se chegar ao prazo de 90 dias e, ainda, se há ofensa ao princípio constitucional da plenitude da defesa, que vigora no procedimento do Júri. Por oportuno, cumpre esclarecer que permanece inalterado o disposto no artigo 5°, XXXVIII, da Constituição Federal13, sendo assegurados ao Tribunal do Júri a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para os crimes dolosos contra vida. O que não poderia ser diferente, já que se trata de norma constitucional, e mais, de cláusula pétrea (Artigo 60, parágrafo 4°, IV, da Carta Magna5).
Em relação à decisão de pronúncia, não se vislumbram muitas alterações. No entanto, cumpre-nos destacar que a reforma, inspirada na celeridade, trouxe, nesse campo, uma alteração fundamental. De acordo com o atual Código de Processo Penal, em se tratando de crime inafiançável, a intimação da decisão de pronúncia teria de ser sempre pessoal ao réu. Caso o mesmo não fosse encontrado, o processo ficaria suspenso, assim como o prazo prescricional, para que não houvesse prejuízo a nenhuma das partes. De acordo com a nova redação, se o acusado se encontrar em local incerto e não sabido, poderá ser intimado da decisão de pronúncia por edital, ainda que se trate de crime inafiançável, evitando-se assim a chamada crise de instância (paralisação anormal do processo). Há se ressaltar, que o novo texto refere-se expressamente à decisão de pronúncia, corrigindo uma imprecisão técnica do atual CPP, que se refere à sentença de pronúncia, quando em verdade se trata de decisão interlocutória mista não terminativa.
A decisão de impronúncia só se mostra coerente quando não há indícios de autoria ou prova da materialidade. O §1° do art. 4136 da nova legislação proíbe, de forma expressa, que o magistrado ao proferir a decisão de pronúncia realize qualquer valoração sobre os fatos ou sobre aspectos pessoais do réu. A fundamentação da decisão deve limitar-se à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, em respeito à imparcialidade do órgão julgador. É o fim da chamada eloqüência acusatória, que por contrariar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, levava, por vezes, à nulidade da decisão.No Código de Processo Penal em vigor, a decisão de impronúncia pode se fundar também na prova da inexistência do fato; na prova de não ser o réu autor ou partícipe do fato; ou de o fato não constituir infração penal, tendo em vista que a manutenção da competência do Tribunal do Júri é a regra. Como conseqüência, as hipóteses de absolvição sumária, previstas no artigo 411, quais sejam, causa excludente da ilicitude ou da culpabilidade – artigos 20, 21, 22, 23, 26 e 28, parágrafo 1°, todos do Código Penal – são taxativas. Vê-se que, apesar de a decisão, naqueles fundamentos, se fundar em juízo de certeza, ela não faz coisa julgada material, submetendo-se ao disposto no parágrafo único do artigo 409 do aludido Diploma Legal (enquanto não extinta a punibilidade, poderá, em qualquer tempo, ser instaurado processo contra o réu, se houver novas provas). Essa conseqüência sempre recebeu severas críticas da doutrina, em razão de evidente violação ao princípio da vedação da revisão pro societate. Acrescente-se, ainda, que a decisão de impronúncia é proferida somente após o esgotamento de instrução probatória, realizada em contraditório e com ampla participação de todos os interessados. O legislador de 2008, atento a esses argumentos, acrescentou aos atuais fundamentos da absolvição sumária a prova da inexistência do fato; a prova de não ser o réu autor ou partícipe do fato; e o de o fato não constituir infração penal, ganhando a decisão fundada em um desses juízos de certeza, após o trânsito em julgado, a qualidade da inalterabilidade, haja vista sua natureza jurídica de sentença definitiva.
Cumpre-nos ressaltar que, com o advento da Lei n. 11.689/08, não há mais que se falar em que aludida decisão somente produz efeitos se confirmada em segunda instância, submetendo-se ao reexame necessário. A tal raciocínio se chega ao verificarmos que o inciso II do art. 574 do CPP7 foi implicitamente revogado, na medida em que exige o recurso de ofício da decisão de absolvição sumária nos termos do art. 411 do aludido Diploma Legal, a rtigo este que, com o advento da nova lei não mais tratará desta decisão, mas, sim, o art. 415 do CPP. O recurso cabível contra a decisão de absolvição sumária, bem como contra a decisão de impronúncia, será o de apelação, e não mais o recurso em sentido estrito, não havendo mais em que se falar da possibilidade de o juiz de primeiro grau se retratar destas decisões. Revogado resta, desta forma, a parte final do inciso IV e o inciso VI do art. 581 do Código de Processo Penal. Note que não houve alteração no tocante à primeira parte do inciso IV do referido artigo, permanecendo o recurso em sentido estrito, como adequado para atacar a decisão que pronunciar o réu. Na segunda fase do procedimento, ou seja, o judicium causae ou julgamento da causa, que no atual procedimento é inaugurada com o oferecimento do libelo e encerrada com o julgamento em plenário, as alterações são marcantes. Extingui-se o libelo crime acusatório, a contrariedade ao mesmo, e, como conseqüência, a obrigatoriedade de sua leitura em plenário. Alteração bem vista, já que tais peças só reforçavam o excesso de formalismo, presente, aliás, em diversas etapas do procedimento. Parte da doutrina já proclamava a extinção daquele articulado, tendo em vista sua inutilidade prática, além de, por vezes, ensejar nulidades. Sabe-se que o questionário do juiz (quesitos) deve guardar correspondência com o libelo e este, obrigatoriamente, com a pronúncia, por isso, já existiam posições doutrinárias sustentando a sua eliminação. Deverá, a partir de 09.08.2008, basear-se o juiz presidente, ao elaborar os quesitos, diretamente na pronúncia e naquilo que foi alegado em plenário.
De acordo com o novo procedimento, ao receber os autos, o presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para, no prazo de 5 (cinco) dias, apresentarem rol de testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de 5 (cinco), oportunidade em que poderão juntar documentos e requerer diligências. Tomadas tais providências o magistrado fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri. De acordo com o texto do projeto de lei nº 4.203/01, esse relatório seria enviado a cada um dos vinte e cinco jurados sorteados. No entanto, a previsão não foi mantida pelo legislador no momento da edição da lei, medida salutar, haja vista que apenas sete dos vinte e cinco, e não mais vinte e um jurados, comporão o conselho de sentença.
Quanto à alteração no tocante ao número de jurados necessários para comparecer à seção, que sobe de vinte e um para vinte e cinco, a medida foi inserta pelo legislador com o fito de evitar o “estouro de urna”, que acarretava o adiamento do julgamento. Note que, apesar deste aumento, não se alterou o quantum mínimo necessário para instauração da seção, qual seja, quinze jurados presentes, bem como o número de jurados que irá compor o conselho de sentença (sete). A idade mínima do jurado sofreu redução de 21 para 18 anos.
Estabeleceu-se ainda que o jurado que tiver feito parte do Conselho de Sentença nos doze meses que precederam a publicação da lista geral deverá ser excluído da mesma. Tal alteração mostra-se pertinente e objetiva, evitando a constituição da figura do “jurado profissional”, que, por vezes, formava convicções próprias e parciais. É imperioso que o Conselho de Sentença tenha rotatividade entre os cidadãos, providência que será alcançada com a entrada em vigor da nova regra.
Saliente-se, ainda, que o novo procedimento prevê, expressamente, a prestação de serviço alternativo para o jurado que se recusa a cumprir a obrigação por motivo de convicção religiosa, filosófica ou política, sanando omissão legislativa anterior, já que a Constituição Federal, no inciso VIII do seu art. 5°, preceitua que tal serviço alternativo deverá ser fixado por lei. Pela novel legislação, os direitos políticos ficam suspensos, enquanto não prestado o serviço imposto. Tais serviços correspondem ao exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em Entidade conveniada para esses fins, fixados pelo juiz, atendidos os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. A última alteração importante, pertinente aos jurados, diz respeito às recusas. Atualmente, sendo dois ou mais os réus, cada qual, por intermédio de seus defensores, poderá proceder à recusa de jurado, sendo, facultado aos réus incumbir da recusa a um só defensor, não ficando afastada, portanto, a possibilidade de cisão do julgamento. Tal regra se manteve, mas, com o novo procedimento a possibilidade de cisão de julgamento, por esse motivo, se tornou mais difícil de ocorrer, haja vista que o legislador previu que a separação dos julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sentença. Sabemos que serão sorteados 25 jurados e cada parte apenas poderá recusar 3 (três) jurados imotivadamente, desta forma, vislumbraremos essa hipóteses apenas no caso de haver motivo para a recusa de jurados ou de serem ao menos 5 (cinco) os co-réus. Caso seja determinada a separação dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, os acusados presos; dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão; em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.
Importantes alterações foram também introduzidas, relacionadas ao instituto do desaforamento (possibilidade de deslocar o julgamento para comarca próxima). Além das hipóteses já previstas pela legislação processual penal atual, acrescentou-se que o pedido poderá ser feito em razão de excesso de serviço do foro, quando o julgamento não tiver sido realizado dentro do prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. Desapareceu, portanto, a necessidade de se aguardar o prazo de um ano, a partir do recebimento do libelo, como prevê o parágrafo único do art. 424 do atual CPP. Além disso, o artigo fala em deslocamento para comarcas da mesma região, e não do mesmo Estado, como faz o atual texto legislativo, alteração que na prática poderá causar alguns inconvenientes. Acrescentou-se o assistente de acusação no rol dos legitimados para o pedido de desaforamento, que será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente. A decisão, como se observa, continua a pertencer ao tribunal de hierarquia jurisdicional competente, tendo em vista que importa modificação de competência, envolvendo comarcas e, por isso, juízos distintos, ambos de primeira instância. Por fim, o novo procedimento permite, desde que relevantes os motivos alegados, a suspensão do julgamento pelo júri, por decisão do relator.
Com relação à instrução em plenário, adotou a nova legislação o sistema de inquirição de testemunhas, conhecido como cross examination, também adotado na primeira fase do procedimento, que passa a conviver com o antigo sistema presidencialista. Assim, quanto à acusação e à defesa, o sistema será o de reperguntas, formuladas diretamente às testemunhas. Em relação aos jurados, o sistema não sofreu alterações, sendo as reperguntas formuladas por intermédio do juiz-presidente. Assim, os jurados serão os únicos que não poderão formular perguntas diretamente às testemunhas. No Estado de São Paulo, nas seções do Júri, os jurados formulam a pergunta por escrito ao juiz, que as transmite às testemunhas ou ao acusado. Isso evita que o jurado, ao formular a pergunta, acabe por exteriorizar sua intenção de voto, ferindo o sigilo das votações e a parcialidade do julgamento.
A presença do réu, na seção de julgamento, passa a ser facultativa sempre que estiver solto, desde que tenha sido devidamente cientificado da ocorrência do julgamento. Realizar-se-á a audiência sem a sua presença, caso em que estará dispensando a auto-defesa, que seria exercida no momento do interrogatório. Acaso justifique sua ausência, o juiz poderá adiar a seção.
A aludida alteração vem reforçar a tese(,) de que o interrogatório é um ato de defesa (e não meramente probatório). A conceituação do interrogatório como meio de defesa é riquíssima de conseqüências, dentre elas o reconhecimento da titularidade na pessoa do acusado sobre o juízo de conveniência e a oportunidade de prestar, ou não prestar, o seu depoimento, não havendo, assim, em se falar em condução coercitiva do réu para fins de interrogatório. Outra importante conseqüência é a de que o réu, ainda que presente ao ato, tem, em seu benefício, o direito ao silêncio, amparado pelo artigo 5°, LXIII, da Constituição Federal, e pelo art. 8°, I, do Pacto de San José da Costa Rica8, sendo vedada a valoração do silêncio em prejuízo da defesa. Cumpre esclarecer que, precipuamente no Tribunal do Júri, para o qual vige a regra da íntima convicção dos jurados, o direito ao silêncio impede a utilização pelos julgadores de critérios exclusivamente subjetivos na formação do convencimento, evitando-se que eventuais hesitações, contradições, ou lapsos não relevantes, sirvam de motivação suficiente para o convencimento do tribunal.
No mesmo sentido, segue a nova lei ao proibir o uso de algemas no réu em plenário do júri, permitindo-o apenas em situações excepcionais, que afetem a segurança dos presentes e a ordem dos trabalhos, expressamente descritas. Vê-se que nessa hipótese, a alteração tratou de conciliar princípios e direitos constitucionais em conflito, quais sejam: o da dignidade da pessoa humana, da presunção da inocência e da plenitude de defesa, de um lado e, de outro, a defesa e a segurança dos presentes e da própria sociedade. Estando em disputa interesses fundamentais da pessoa humana e havendo um julgamento a ser proferido sem fundamentação, através do voto secreto, torna-se mais coerente evitar a má representação do acusado diante de seus julgadores. O professor Guilherme Nucci já alertava que o juiz leigo não tem o mesmo preparo do magistrado togado para ignorar solenemente a apresentação do acusado com algemas.
Durante os debates, os argumentos ministeriais utilizados deverão estar de acordo com os limites da pronúncia. O prazo de duração sofreu alteração: uma hora e meia para acusação, destinando-se igual período para defesa; uma hora para réplica e igual tempo para tréplica. O debate continua tendo duas horas e meia, mas com divisão mais eqüitativa do tempo. Na exposição dos argumentos, as partes (acusação e defesa), não poderão fazer referência às decisões proferidas no processo, bem como ao uso de algemas (nos casos permitidos), ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo. Tudo em consonância com os argumentos anteriormente aduzidos, balizados na regra da livre convicção dos jurados.O tempo para leitura de peças foi limitado, possuindo, para tanto, cada parte o máximo de duas horas, evitando-se assim que o julgamento se prolongue, tornando-se, cansativo e desestimulante aos jurados. Estão autorizadas a leitura de cartas precatórias; cautelares (p. ex. produção antecipada de provas) e provas não repetíveis (p. ex. testemunha que foi ouvida na primeira fase do procedimento e à época do julgamento em plenário é falecida).
Com relação aos documentos que serão pelas partes exibidos em juízo, foi mantida a regra da necessidade de serem juntados aos autos com 3 (três dias) de antecedência, devendo-se dar ciência a parte contrária. Porém, inovou a lei ao conferir conceito em sentido amplo à expressão documentos, acabando com antiga divergência doutrinária a esse respeito. O atual Código de Processo Penal, no art. 4759, refere-se à expressão documentos, sem esclarecer, contudo, a amplitude de seu conceito. Sabe-se que documento em sentido estrito compreende apenas os escritos, ao contrário da concepção em sentido amplo, que compreende tudo aquilo que possa exprimir uma manifestação da vontade ou do pensamento, que possa ser traduzido ou interpretado, a exemplo das fotografias, vídeos, gravações, laudos, quadros, croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados. A nova regra não deixa dúvidas: o conceito adotado pelo legislador foi de documento na sua acepção ampla.
A quesitação foi um dos pontos mais modificados pela nova lei, sendo também, a nosso ver, o ponto que trará maior quantidade de críticas e nulidades. O objetivo do legislador foi o de simplificar o momento da quesitação, intuito que merece aplausos, tendo em vista tratarem-se os jurados de pessoas leigas, contudo, omitiu-se o legislador quanto aos quesitos relacionados com as excludentes de ilicitude e culpabilidade. A primeira pergunta versará sobre a materialidade do fato, enquanto a segunda será quanto à autoria ou participação no delito. Em seguida, o juiz perguntará se os jurados desejam absolver o acusado. Simples assim. A inserção deste terceiro quesito pelo legislador representa a adoção, em certa medida, do sistema anglo-americano de votação dos jurados, no que se refere à possibilidade daqueles manifestarem-se livremente pela condenação ou pela absolvição.
Sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma tentada, ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este da competência do Tribunal do Júri, o juiz formulará quesito acerca destas questões, para ser respondido após o segundo quesito e, da mesma forma, procederá o juiz, caso seja sustentada a desclassificação do delito para outro que não seja de competência do Tribunal do Júri.
A quarta e quinta pergunta somente serão formuladas caso os jurados respondam negativamente ao terceiro quesito e versarão, respectivamente, sobre a existência de causa de diminuição, alegada pela defesa, e de circunstância qualificadora, ou causa de aumento de pena.
A resposta negativa, de mais de três jurados, a quaisquer dos quesitos referentes à autoria e a materialidade encerra a votação e implica a absolvição do acusado. Desta forma, o terceiro quesito (O jurado absolve o acusado?) só será formulado se mais de três jurados responderem afirmativamente ao 1° e ao 2° quesitos. Tal previsão visa proteger os jurados da quebra do sigilo das votações, haja vista ser o sigilo elemento assegurador da imparcialidade, da independência, da liberdade de opinião e convicção dos jurados, afastando a possibilidade de qualquer eiva ou pressão. Vê-se que, o que fez o legislador foi adequar a legislação infraconstitucional com o comando constitucional.
Doutrina e jurisprudência já se posicionavam no sentido de que o art. 487 do atual Código de Processo Penal10 não teria sido recepcionado pela Constituição Federal de 1988, haja vista ferir o princípio do sigilo da votação. Tal dispositivo prevê que, após a votação de cada quesito, o escrivão deve transcrever o resultado em termo especial, declarando o número de votos afirmativos e negativos. Em contrapartida, o próprio CPP, em dispositivo imediatamente posterior a esse, determina que as decisões do júri sejam tomadas por maioria de votos. Conclui-se, portanto, que não há razão lógica para a manutenção daquele dispositivo legal.
Nesse diapasão, a alteração mostra adequação com os ditames constitucionais, devendo ser interrompida à votação no Tribunal do Júri, tão logo se alcance o quarto voto em favor de uma das teses. Do contrário, à garantia do sigilo da votação (Art. 5º, XXXVIII, b)11 perderia a eficácia, quando a votação fosse unâmine.
Cumpre observar que agora, com maior razão, em consonância com as alterações que visam a celeridade processual, a audiência em plenário reclama o respeito ao princípio da incomunicabilidade, de modo a ser garantido o sigilo das votações, não podendo os jurados conversarem entre si ou com terceiros a respeito da matéria objeto do julgamento, bem como se pronunciarem durante os trabalhos, manifestando a sua opinião, sob pena de dissolução do conselho de sentença e de aplicação de multa de um a dez salários mínimos, à critério do juiz, e ainda a observância dos princípios concernentes ao processo oral.
Em plenário, o pensamento será transmitido, predominantemente, pela palavra oral, devendo-se, desta forma, respeito aos princípios da imediação (que exige contato direto e imediato dos jurados com todos os protagonistas do processo), da concentração (limitando os recursos contra decisões interlocutórias, fundamento para irrecorribilidade da decisão que declara o impedimento de jurado), da vinculação do juiz à causa (ficando o jurado que participa da sessão de julgamento vinculado à sentença) e o da celeridade dos atos processuais, reclamando o completo respeito às disposições introduzidos pela novel legislação.
Merece aplausos, o legislador, ao prever que o juiz, ao pronunciar o réu e o juiz-presidente, ao sentenciar, apenas decretará a prisão do acusado, se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva. Medida salutar, abolindo com a possibilidade de juiz decretar a prisão processual do réu, decorrente de decisão de pronúncia ou sentença penal condenatória recorrível, tão-somente com fundamento nestas decisões e em comando legislativo eminentemente abstrato. Ora, trata-se de prisão cautelar, prestando-se a tutelar interesses ligados à jurisdição penal, acautelando o regular andamento do processo. E a tarefa de identificar a necessidade de proteção do processo, diante de eventual risco a sua efetividade, somente haverá de ser exercida pelo judiciário, jamais pelo legislador, conforme prevê o art. 5°, LXI,12 da Constituição Federal, demonstrado tratar-se a restrição da liberdade, exceção em nosso sistema. É preciso que a fundamentação da prisão tenha origem em ordem fundamentada de autoridade judiciária, que tem diante de si o caso concreto, e não de autoridade legislativa, para quem a necessidade da prisão só pode existir enquanto abstração. Tal alteração vem ao encontro da Súmula 347, recentemente aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça13.
Desta forma, em consonância com os reclamos de grande parte da doutrina e dos tribunais, deverá o juiz, necessariamente, declinar as razões pelas quais entende não ser possível o réu aguardar o julgamento em liberdade. E as referidas razões devem estar entre aquelas alinhadas no art. 312 do CPP.
A Lei 11.689/08 ainda está em prazo de vacatio legis e alguns estudiosos do tema já esperam pelo advento de Ação Direta de Inconstitucionalidade de algumas de suas normas. Resta-nos aguardar a eventual decisão da mais alta corte do país, o Supremo Tribunal Federal.
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NOTAS:
1. CPP, art. 2º. A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior.
2. CF. art. 5º, XL. A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.
3. L 11.689/08, art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV – extinta a punibilidade do agente.
4. Lei 11.689/08, art. 394, §4º. As disposições dos arts. 395 à 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código.
5. CF, art. 60, §4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV. os direitos e garantias individuais.
6. Lei 11.689/08, art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação. §1o A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.
.7. CPP, art. 574, II – Os recursos serão voluntários, excetuando-se os seguintes casos em que deverão ser interpostos de oficio pelo juiz: da que absolver desde logo o réu, com fundamento na existência de circunstânc
ia que exclua o crime ou isente o réu de pena.
8. CF, art. 5º, LXII. A prisão de qualquer pessoa serão comunicados imediatamente ao juiz competente e a família do preso ou pessoa por ele indicada.
____ Pacto San José da Costa Rica, art. 8º, I. Garantias judiciais; I-Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
9. CPP, art. 475. Durante o julgamento não será permitida a produção ou leitura de documento que não tiver sido comunicado à parte contraria com antecedência, pelo menos, 3 (três) dias, compreendida nessa proibição a leitura de jornais ou qualquer escrito, cujo conteúdo versar sobre matéria de fato constante do processo.
10. CPP, art. 487. Após a votação de cada quesito o presidente verificados os votos e as cédulas não utilizadas, mandara que o escrivão escreve o resultado em termo especial e que sejam declarados o numero de votos afirmativos e o de negativos.
11. CF, art. 5º, XXXVIII. È reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei assegurados: a) a plenitude da defesa; b) o sigilo das votações; c)a soberania dos veredictos; d)a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
12. CF, art. 5º. LXI. Ninguém preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.
13. STJ, Súmula 347. O conhecimento do recurso de apelação do réu independe de sua prisão.
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Referências Bibliográficas:
JESUS. Damásio E. de. Código de Processo Penal Comentado. 22 ª edição. Saraiva. 2005.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 7ª edição. RT. 2008.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 11 ª edição. Atlas. 2003
MORAES, Alexandre de. Curso de Direito Constitucional. 23 ª edição. Atlas. 2008.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 9ª edição. Lúmen Juris. 2008.
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Gabriela Montagnana
Advogada. Professora assistente do Complexo Jurídico Damásio de Jesus.
Natalia Penteado Sanfins
Advogada