A Lei n. 11.719/08 introduziu grandes mudanças no procedimento ordinário, colocando a defesa prévia escrita (que passa a ser obrigatória) logo após o juízo de admissibilidade da acusação, com a efetiva possibilidade de os argumentos da defesa conduzirem ao julgamento antecipado da lide, com a absolvição sumária do acusado. Ainda, instituiu uma audiência única, denominada de instrução e julgamento, solenidade na qual o acusado será interrogado por último, seguindo tendência instituída pela Lei 9.099/95 de que o interrogatório é um meio de defesa.
As novas regras têm natureza exclusivamente processual penal, não versando sobre crimes e penas. Por tal motivo, despiciendo ostenta-se cotejo entre as atuais e as futuras, para se verificar quais as mais benéficas ou quais as mais gravosas ao acusado para se saber sobre a aplicação, pois, independentemente dessa análise, haverá incidência imediata das últimas, logo após o período de vacatio legis (que se estende até 21.08.08), inclusive aos processos já em curso, tudo nos precisos termos do art. 2° do CPP (princípio do tempus regit actum).
Sem embargo da procedência dessa conclusão, algumas situações, nesse exato momento histórico, conduzem a algumas interrogantes que passam a ser compartilhadas, após reflexões feitas com outros colegas do Ministério Público gaúcho.
Eis os questionamentos e as respostas que, didaticamente, lançamos à reflexão de todos.
1. Em relação aos processos que estão sendo propostos nesse momento anterior à vigência da lei, o que deve ser feito? O juiz deve apenas receber as denúncias, para interromper a prescrição, e aguardar a nova lei para determinar a defesa prévia em seu novo formato?
-A rigor, deveria receber e mandar citar, realizando interrogatório e demais atos pela lei atual, principalmente nos casos de réus presos, visto que nesses não se justifica nenhuma espécie de paralisação do feito;
-Nos processos de acusados soltos, poder-se-ia até fazer o mesmo. Porém, devido à iminência da vigência da nova lei, o bom senso e o princípio da economia processual recomendam apenas que se faça o juízo de prelibação, com o recebimento (ou não) da denúncia, com o aguardo da vigência da lei, quando, então, seguir-se-á pelo novo rito, evitando-se mescla de procedimentos.
2. Os processos que estão com interrogatório feito são válidos?
-Os interrogatórios já feitos são válidos, conforme dispõe o art 2° do CPP, e não precisa ser refeitos, conclusão que possui respaldo na jurisprudência dos tribunais. Porém, seguindo-se essa orientação, certamente existirão pedidos para anular o processo porque “o réu não foi interrogado ao final, prejudicando sua ampla defesa”, ofensa de princípio de princípio constitucional que conduz à nulidade absoluta, independente da demonstração de prejuízo”.
-Ante a essa possibilidade de anulação, recomenda-se que o Juízo, após o término da instrução e julgamento, seja instado a questionar à defesa se possui interesse em novo interrogatório, justificando-o caso positivo. Trata-se de solução intermediária que não fecha a porta ao novo interrogatório, afastando a possibilidade de reconhecimento futuro de nulidade. A par disso, coloca sobre a defesa o encargo de analisar a oportunidade e conveniência de eventual retratação mal explicada, que sabidamente tende a gerar descrédito.
3.Os processos em curso que estão com interrogatório marcado para antes da nova lei devem ser feitos? Ou não, devendo-se aguardar e aplicar a lei tão-logo ela entre em vigor?
-Os réus presos com certeza devem ser interrogados.
-Depois desse ato, se já estiver em vigência o novo rito, deve-se proceder a intimação da defesa para a resposta escrito nos termos do novo art 395 CPP), viabilizando a absolvição sumária.
-Com relação aos réus soltos, também não se vê motivo para agir de modo diferente, nada obstante os inconvenientes, adrede referidos, da mescla de procedimentos e a possibilidade de ter-se que refazer o ato, diante de justificado interesse da defesa.
4. E os processos que estão com interrogatório marcado para depois da vigência da nova lei, devem ser realizados? Ou não, em virtude do princípio do “tempus regit actum”, devese reconsiderar as decisões que os designaram, seguindo na nova lei? Quando isso deve ser feito?
-Nessa hipótese, à evidência, não seria caso de acusado preso;
-No caso de réus soltos, a despeito do “tem pus regit actum”, a prudência recomenda a reconsideração da decisão que designou a solenidade, aplicando-se a nova lei no todo, a partir da sua vigência.
Essas são conclusões que entendemos cabíveis nesse delicado momento de transição, lembrando-se que o Direito e o bom senso, sempre que possível, devem andar de mãos dadas.
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Charles Emil Machado Martins
Promotor de Justiça, Professor de Direito Processual Penal na FESMP-RS e UNISINOS.