por Priscyla Costa e Rodrigo Haidar
“Nosso trabalho é dar resultados satisfatórios para e sociedade e para o país, sem aceitar qualquer tipo de intimidação. Fazemos o que é suficiente para que isso seja verdade.” Foi com essa afirmação, do delegado Protógenes Queiroz, que começou a coletiva de imprensa desta terça-feira (8/7) da Polícia Federal e Ministério Público Federal para que jornalistas conhecessem mais detalhes da Operação Satiagraha.
Não foi bem isso que entendeu o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, a respeito da operação da PF. Para o presidente do STF, a operação “dificilmente” é compatível com o Estado de Direito. “De novo é um quadro de espetacularização das prisões”, disse Gilmar Mendes, na noite desta terça. O ministro também condenou o uso abusivo de algemas e o exagero nas prisões preventivas.
O juiz da 6ª Vara Criminal Federal, Fausto Martin de Sanctis, que autorizou as prisões de 24 pessoas e 56 pedidos de busca e apreensão, informa preventivamente em seu despacho que não se tratava de uma operação “midiática”. A mídia, contudo, estava presente à casa do ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, às seis horas da manha, quando ele recebeu à ordem de prisão, ainda de pijama. Pitta foi preso, algemado e conduzido à sede da PF, em São Paulo, para ser interrogado. Entre os 17 mandados de prisão cumpridos, estavam também os do banqueiro Daniel Dantas e do empresário e investidor Naji Nahas.
Alvo americano
Durante a entrevista coletiva, os condutores da operação — procurador da República Rodrigo de Grandis e delegado da PF Ptotógenes Queiroz — foram mais discretos quando instados a explicar a inacreditável acusação de que o empresário e investidor Naji Nahas obteve informação privilegiado sobre taxas de juros do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos. Para De Grandis, maiores detalhes não poderiam ser passados à imprensa porque a investigação ainda está em andamento.
Em seu despacho, a que teve acesso a Folha Online, o juiz afirma que “pessoa possivelmente estando em New York teria antecipado para Naji Robert Nahas a queda da taxa de juros, controlada pelo Fed americano, em até 0,5%. No dia 18 de setembro de 2007, esta informação, segundo a autoridade policial, teria se confirmado na medida em que ‘os mercados financeiros de todo o planeta reagiram com surpresa a queda de 0,5% da taxa de juros americanos’”.
Para o delegado Protógenes Queiroz, Nahas teria realmente o poder de interferir na taxa de juros americana porque, em 1989, foi acusado de ser um dos responsáveis pela quebra da Bolsa de Valores do Rio. Nahas foi inocentado dessa acusação. Ele também esteve envolvido na disputa societária da Brasil Telecom ao trabalhar como consultor da Telecom Itália — que era uma das sócias que disputavam o controle da concessionária brasileira.
Repercussão
Não só por ter como alvo pessoas de grande projeção na vida empresarial e política do país, mas também pela volta das ações feéricas da Polícia, a operação causou perplexidade nos meios jurídicos. Para o advogado criminalista Alexandre Wunderlich, a operação é mais um exemplo “do uso imoderado das prisões cautelares que tem fundamentado o direito penal do espetáculo”. Wunderlich lembra que o fato de a imprensa ter acompanhado mais uma vez a operação mostra que estava correta a preocupação do presidente do STF, quando disse na semana passada que a Polícia Federal vaza informações sobre operações para obter os resultados que espera.
O também criminalista e presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas da OAB, Alberto Zacharias Toron, afirmou que essa é uma tática ilegal para forçar confissão. “Prisão temporária é decretada para humilhar e para colocar o suspeito aquém da linha da dignidade humana. No passado, a pessoa era torturada para confessar. Agora, é preso para facilitar o trabalho da Polícia que diz: ‘colabora meu amigo que você vai obter liberdade’. Essa tem sido a regra”, afirma Toron.
Causa estranheza também aos advogados que atuam na área criminal que bens tenham sido apreendidos antes de a Polícia confirmar se foram ou não adquiridos com dinheiro ilegal. Da mesma forma, suspeitos foram presos antes do interrogatório. Na operação deflagrada nesta terça foram mobilizados 300 policiais em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Salvador.
O criminalista David Rechulski afirma que o que deveria demonstrar a qualidade do trabalho de uma operação é o conteúdo e substância das provas, não a deflagração da ação. “A execração pública das pessoas é uma forma de antecipar a condenação”, diz.
Sigilo quebrado
Quem comemorou o espetáculo foi o ministro da Justiça, Tarso Genro: “Eu só queria lembrar a vocês [jornalistas] que a PF investigou o caso durante quatro anos e não vazou absolutamente nada. Agora, o processo está em outra esfera e os advogados têm acesso. Vocês terão oportunidade de verificar o que está lá dentro”, disse Tarso à Agência Brasil.
Ao contrário do que diz o ministro, a jornalista Andréa Michael, da Folha de S. Paulo, publicou reportagem no dia 26 de abril antecipando detalhes das investigações que estavam em andamento e que desaguaram na operação dessa terça-feira. Na reportagem, a jornalista afirma que suas fontes eram policiais que atuavam no caso. Ninguém desmentiu ou contestou suas afirmações à época.
No momento em que os fatos confirmaram as informações que ela antecipou, a Polícia Federal pediu a prisão da jornalista por vazamento de informação sigilosa. Pediu também que fosse feita busca e apreensão em sua casa, em Brasília. O juiz Fausto de Sanctis negou o pedido.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, classificou como “absurdos” os pedidos de prisão, busca e apreensão da jornalista. “Prender um jornalista por revelar uma informação faz inveja ao regime soviético. Ainda bem que o juiz negou o pedido”, disse.
O ministro definiu o comportamento da polícia como abuso do próprio pedido de prisão preventiva. “Caso se impute à jornalista a prática de uma infração, qualquer que ela seja, qual é a justificativa para a prisão preventiva? Ela poderia fugir? Ela poderia dar cabo às provas?”, questionou.
De acordo com a Polícia Federal, a reportagem alertou Daniel Dantas sobre a operação. Por isso, a prisão da jornalista foi pedida. O procurador da República Rodrigo De Grandis não concordou com o pedido de prisão, mas corroborou o pedido de busca e apreensão na casa da repórter. O objetivo, segundo ele, era saber quem foi sua fonte. O juiz Fausto Martin De Sanctis respeitou o princípio constitucional que garante ao jornalista o sigilo da fonte e rejeitou também esse pedido.
Outro pedido de prisão negado foi do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, ex-deputado federal pelo PT. Ele teve a prisão pedida, segundo a PF, porque foram encontrados indícios de participação dele nos crimes. Mas Fausto De Sanctis entendeu que não existiam fundamentos suficientes para prender o ex-parlamentar. O Ministério Público Federal aponta Greenhalgh como suposto elo entre o governo federal e o Congresso com o banqueiro Daniel Dantas. A Procuradoria também aponta Guilherme Sodré, ligado a Dantas, como intermediador entre o Congresso, o governo e os investigados.
Na coletiva, Rodrigo De Grandis e Protógenes Queiroz se mostraram inconformados com o fato de o juiz ter negado o pedido de prisão de Greenhalg. “Fizemos nossa parte. O juiz indeferiu por ter dito não ver razões para a prisão. Nós discordamos e acreditamos que em outra fase do processo a ordem vai ser revista”, disse De Grandis.
O procurador da República a Polícia apreendeu R$ 1 milhão na operação, que, segundo ele, seriam usados para pagamento de propina a um delegado federal que participava das operações. O dinheiro, de acordo com De Gradis, seria pago para excluir o nome de Dantas da investigação. O procurador informou também que o delegado continuou negociando a propina com autorização da Polícia, para que os acusados fossem pegos.
Revista Consultor Jurídico