Os fatos e as leis – Servidor consegue incluir parceiro como dependente

por Gláucia Milicio

A Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo, advertida e multada pela Secretaria Estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania por negar a inclusão de um parceiro homossexual nos quadros associativos da entidade, terá de incluí-lo como dependente de um servidor com os mesmos direitos e prerrogativas conferidas aos dependentes de casais heterossexuais. A decisão é da 14ª Vara Cível de São Paulo. Cabe recurso.

Antes de o caso chegar à Justiça, a associação fora punida, administrativamente, com pena de advertência e depois com multa no valor de R$ 14,8 mil por homofobia. Na ocasião, o presidente da comissão processante da Secretaria da Justiça, Felipe Castells Manubens, entendeu que a discriminação ou o preconceito referente à orientação sexual do indivíduo contraria a ordem legal e atenta contra a igualdade e a dignidade das uniões homoafetivas.

Ele destacou que a Constituição Federal repudia expressamente o preconceito, o racismo e qualquer forma de discriminação. Segundo ele, se há lei infraconstitucional definindo os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor é porque a sociedade caminha no sentido de afastar e repudiar essas práticas discriminatórias.

A matéria está longe de ser pacificada, contudo. Há um claro conflito entre a realidade e a legislação. O ministro Fernando Gonçalves do Superior Tribunal de Justiça entende que o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar só poderá ser feito depois de alteração da legislação. O parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição, que reconhece a união estável como entidade familiar, fala apenas do relacionamento entre homem e mulher.

Para enfrentar o conflito entre a realidade a legislação, os juízes têm recorrido a um artifício jurídico e reconhecido a união de pessoas do mesmo sexo como sociedade de fato, como se fosse uma empresa regida pelo Direito Civil e não como uma sociedade familiar sob a égide do Direito de Família. Embora não privilegie as relações criadas pelos laços afetivos, a saída consegue preservar direitos patrimoniais dos parceiros.

Julgamento à vista

O assunto será discutido na próxima semana no Superior Tribunal de Justiça. Um cidadão que vive em união estável com um parceiro do mesmo sexo entrou com pedido no tribunal para que o caso seja discutido sob a ótica do Direito de Família. A questão está em análise na 4ª Turma do STJ. O julgamento foi suspenso com pedido de vista pelo ministro Massami Uyeda. Por enquanto a votação está em 2 a 1 contra o conhecimento do pedido.

O recurso discute o caso de um casal formado por um agrônomo brasileiro e um professor canadense. Eles propuseram ação declaratória de união estável na 4ª Vara de Família de São Gonçalo (RJ). Alegam que vivem juntos desde 1988, de forma duradoura, contínua e pública.

O objetivo principal do casal é pedir visto permanente para que o estrangeiro possa viver no Brasil, a partir do reconhecimento da união. A ação, contudo, foi extinta sem julgamento do mérito pelo Judiciário fluminense.

O caso

No caso em análise na Justiça paulista, o servidor alegou que é homossexual e que mantém união homoafetiva, inclusive com escritura pública de convivência. Por isso, solicitou, sem sucesso, à associação a inclusão de seu parceiro como seu beneficiário.

Ao negar o pedido, a associação alegou que ficou impedida de atender a solicitação por não haver previsão no Estatuto Social da entidade. Por isso, o servidor sentiu-se discriminado e encaminhou pedido de reconsideração da inscrição ao departamento jurídico da associação. O pedido foi negado mais uma vez.

A associação, para se defender, alegou que não existiu qualquer discriminação, uma vez que o pedido do servidor não é regulamentado pelo ordenamento jurídico. Destacou também que união estável é sempre aquela entre homem e mulher e que não se pode equiparar a sociedade de fato entre homossexuais com a união estável prevista no parágrafo 3ª do artigo 226, da Constituição Federal.

Por fim, destacou que a discriminação não existiu, já que o casal esteve hospedado em sua colônia de férias. Os argumentos não foram aceitos. O presidente da comissão da Secretaria da Justiça entendeu que houve discriminação porque a associação dificultou o processo.

“Ao permitir a inclusão de dependente de casal heterossexual que vive em união estável, a associação não exige maiores formalidades, o que deveria, certamente, ocorrer na inclusão de dependente homossexual”, disse.

Assim, ao aplicar a pena de advertência, Felipe Castells, ressaltou que “os eventuais atos discriminatórios praticados pela Associação se resumem nos indeferimentos aos pedidos do associado para a inclusão de companheiro que mantêm união estável homossexual, como comprovou com escritura de convivência homoafetiva.

O servidor foi representado pela advogada Sylvia Mendonça do Amaral, do escritório Mendonça do Amaral Advocacia.

Revista Consultor Jurídico

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