Relatora dos Mandados de Segurança (MSs) 30260 e 30272, referentes ao critério de convocação de suplentes, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou pela denegação da ordem, cassando as liminares concedidas anteriormente. Para ela, o mandato de deputado federal pertence à coligação, e não ao partido.
Os mandados de segurança discutem o critério a ser adotado pelas Casas Legislativas para a convocação de deputados suplentes, no caso de vacância do cargo por afastamento do titular eleito.
Questões preliminares
De início, a relatora fez um breve exame do sistema de representação adotado no Brasil para eleição de deputados e vereadores, além de analisar as coligações e seus efeitos jurídicos. Em seguida, antes de apreciar o mérito da questão, rejeitou duas preliminares levantadas nos autos dos processos.
Na primeira, a ministra Cármen Lúcia considerou que os autores têm legitimidade ativa para impetrar os mandados, uma vez que apresentam interesse de buscar o alegado direito de assumir a vaga deixada por deputado federal filiado a seu partido. Na segunda preliminar, ela entendeu que não houve perda de objeto da ação pela circunstância de os processos terem sido impetrados preventivamente e ter ocorrido a efetivação do ato. “Pelo contrário, acentua-se a necessidade do julgamento dessa ação para perfeito equacionamento da matéria e esclarecimento definitivo da existência ou não do direito alegado e conclusão sobre a ocorrência ou não de ilegalidade no ato tido como coator”, disse.
Mérito
Com base na legislação, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que as coligações são instituições jurídicas autônomas, distintas dos partidos que a compõem. Segundo a relatora, a opção do partido político em se coligar – tendo em vista que é livre para agir dessa forma – “comunica ao eleitor a união de ideologias ou, até mesmo, a incongruência entre elas”. “Mas será pelo voto que o eleitor aquiescerá ou não com essa associação que, por si, tem carga ideológica e política”, salientou.
Para ela, a coligação funciona como um “superpartido” ou, nas palavras do professor Pinto Ferreira, uma “superlegenda”, sob o ponto de vista formal (capacidade jurídica até o fim das eleições) e substancial (combinação de ideias).
Pequenos x grandes partidos
Segundo a relatora, as coligações são, às vezes, a forma adotada pelos partidos menores e menos expressivos para participar do processo eleitoral “com melhores chances de sucesso no sentido de angariar maior número de cadeiras na disputa”. “É a união de forças que viabiliza, então, a apresentação de suas propostas e de seus candidatos e a conquista do espaço político contribuindo para a efetivação do pluripartidarismo”, analisou.
A coligação, conforme Cármen Lúcia, é um fenômeno passageiro, iniciado a partir de sua formalização na Justiça Eleitoral, e que tem seu fim após as eleições. Porém, neste período, continua a ministra, substitui os partidos coligados até mesmo na legitimidade para atuar isoladamente durante o processo eleitoral, salvo em exceções contidas em lei.
A ministra salientou que, passadas as eleições, as coligações continuam a surtir efeitos. De acordo com ela, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem admitido a atuação das coligações após apuração do resultado das eleições, “em especial para assegurar a concretização dos efeitos delas decorrentes”. As coligações têm, por exemplo, legitimidade para pedir recontagem de votos e para ajuizar ações de impugnação de mandato.
Quociente eleitoral
“O quociente alcançado pela coligação não permite a individualização pelos partidos que a compunham nem pode ser por eles apropriado”, disse. Por essa razão, conforme a ministra, não seria correto afirmar que “o número de vagas efetivamente conquistadas a partir do quociente total pertença ao partido coligado A ou B”, que não dispõe isoladamente de quociente algum.
“Se o quociente partidário para o preenchimento das vagas é definido em função da coligação, contemplando assim os seus candidatos mais votados, independentemente para o partido, tenho que há de se manter a mesma regra para a sucessão dos suplentes, isso porque estes formam a única lista de votações que, em ordem decrescente, representa a vontade do eleitorado”, ressaltou. Portanto, Cármen Lúcia considerou que as cadeiras obtidas no pleito estão vinculadas à coligação e são distribuídas em função do maior número de votos recebidos pelos candidatos registrados por ela.
Ao levar em consideração que o partido político de forma isolada ou em coligação representa o conjunto de opiniões e ideologias compartilhadas por uma parcela da sociedade (grupo de eleitores), a ministra Cármen Lúcia concluiu que o candidato beneficiado pelo quociente eleitoral de determinada agremiação, obtido pelo partido, “não pode mesmo transferir-se para outro sem que isso importe na perda de legitimidade para o exercício do mandato do parlamentar”.
Infidelidade partidária
Quanto à questão da infidelidade partidária – como causa para a perda de mandato parlamentar –, esta “apenas realça a importância dos partidos políticos no modelo da democracia representativa acolhida pelo modelo constitucional brasileiro e a necessária vinculação dos candidatos às agremiações partidárias pelas quais se registram e que possibilitam o êxito na campanha eleitoral”. Este tema ganhou repercussão no dia 27 de março de 2007, quando o TSE assentou que os partidos políticos e as coligações conservam direito à vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional quando houver pedido de cancelamento de filiação ou de transferência do candidato eleito por um partido para outra legenda.
Segurança jurídica eleitoral
Por fim, a ministra fez observações quanto ao princípio da segurança jurídica eleitoral alegado pelos impetrantes e por aqueles que contestaram as iniciais. “É sob os princípios constitucionais da segurança jurídica e da segurança do direito que há de se garantir o cumprimento do princípio do devido processo legal eleitoral, cuja dinâmica fixa os parâmetros para justa e igualitária competição no jogo político, sem o que as eleições não seriam como têm de ser, instrumento imprescindível à concretização do estado democrático de direito”, finalizou a relatora.
A ministra Cármen Lúcia considerou que os impetrantes não titularizam qualquer direito. Assim, ela denegou a ordem para manter a sequência de sucessão estabelecida pelo ordenamento jurídico, seguida pela Justiça Eleitoral na expedição dos diplomas dos candidatos eleitos e suplentes das coligações, cassando as liminares concedidas por ela em fevereiro deste ano. A relatora também julgou prejudicados os agravos regimentais interpostos nos mandados de segurança.