por Luciano Henrique Cintra
A Constituição ordena que a Segurança Pública é direito e responsabilidade do todos e dever do Estado. Todas as pessoas em solo brasileiro têm o direito à segurança pública que deve ser garantida através da prevenção e repressão. A prevenção é atribuição das polícias militares que ocupam o espaço urbano e realizam ações com o fim de evitar o cometimento de delitos. Mas delitos ocorrem e quando ocorrem deve haver a responsabilização penal dos transgressores para que outros indivíduos não se sintam motivados a delinqüir. Aí entra a Polícia Civil e a Polícia Federal.
A repressão, investigação criminal melhor dizendo, é uma atividade que implica em constrições na vida particular. Os instrumentos de atuação são diversos daqueles utilizados na prevenção. Prisões cautelares, buscas domiciliares e interceptações dependem de autorização judicial que são solicitadas pelo delegado ao juiz de Direito. A investigação criminal tem fundamento em normas processuais penais e para serem válidas se exige do profissional responsável por elas formação e conhecimento jurídico.
Mas não há entre as polícias qualquer distinção de importância. As atividades das polícias civil e Federal não são mais importantes que aquelas realizadas pelas polícias militares e a recíproca não é verdadeira. São distintas embora pertençam ao mesmo gênero. Há pontos comuns que as fazem complementares, mas nunca idênticas.
Vejamos dois pequenos casos: o cidadão é parado no trânsito por PM que logo o libera em razão de nada haver de irregular. Horas depois, ele é preso em sua casa por um delegado de polícia que cumpre mandado de busca domiciliar e de prisão por enviar fotos de criança pela internet, desviar dinheiro público ou traficar drogas. Segundo caso: família é vitima de extorsão mediante seqüestro. O único contato adverte para que a polícia não seja informada. O tempo passa e o silêncio aumenta o desespero. Longe dali, PMs patrulham as ruas e desconfiam das placas de um veículo ou então recebem ordem para verificar uma delação feita ao 190. Detêm o veiculo e dentro dele encontram roupas de criança, alimentos e estranhas anotações. Os policiais militares sem qualquer dado sobre a extorsão chegam ao cativeiro e resgatam a vítima. Como se vê a, atividade policial seja ela preventiva ou repressiva tem o mesmo fim: assegurar o convívio social ao promover a Segurança Pública.
Está em trâmite na Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional 549/06 nascida da atuação do deputado Arnaldo Faria de Sá. A PEC tem dois objetivos distintos: reparar tratamento constitucional suprimido pela EC 19/98 e obrigar estados como São Paulo e Minas Gerais a adotarem políticas remuneratórias mais justas em relação à carreira.
A PEC reintroduz na Constituição a exigência de que o delegado de polícia por sua formação — cargo privativo de bacharel em ciências jurídicas — tenha sua atividade reconhecida como eminentemente jurídica e que o Estado o trate em paridade com outros agentes públicos de idêntica formação, sejam eles membros do Ministério Público, defensores ou procuradores de Estado. Os delegados buscam apenas a validação no texto constitucional do principio da isonomia que manda tratar os semelhantes de forma assemelhada. Não é uma pretensão isolada ou inovadora. Já havia dispositivo tratando a respeito no texto original da Constituição que foi suprimido pela EC 19/98 que utilizou o numero do artigo correspondente para tratar de assunto diverso.
Quanto à segunda finalidade, é de longa data que neste país se reivindica melhores salários aos policiais, mas pouco tem sido feito a respeito. Isto porque qualquer melhoria salarial deve advir de iniciativa dos governadores que, via de regra, tem interesses políticos contrários às reivindicações salariais dos servidores públicos. É mentiroso o argumento de que a aprovação da PEC importará em aumentos salariais em cascata. A PEC não provoca aumentos salariais automáticos o que é vedado pela própria Constituição e tampouco cria despesas. Todo e qualquer reajuste salarial só ocorrerá como sempre foi e continuará sendo: por iniciativa exclusiva dos governadores que devem encaminhar projeto de lei com as propostas de reajuste salarial dentro dos limites orçamentários para aprovação das assembléias.
O que a PEC 549/06 faz é colocar o dedo no nariz de alguns governadores ao apontar a sua omissão e ordenar que mudem o tratamento dado aos delegados de polícia. É uma lição de que responsabilidade fiscal se alcança com respeito à coisa pública, com gestão eficiente e ética e não com arrocho salarial. É um comando para que tratem a Segurança Pública com a seriedade que o tema exige.
Em São Paulo, o tratamento remuneratório dado aos policiais, em particular aos delegados é vergonhoso e infamante. Recebem o pior salário do país que é cinco vezes menor que o de um Promotor de Justiça e menos da metade do salário de um Defensor Público ou de um Procurador de Estado. Qual o salário justo para o profissional de quem se exige plena formação jurídica e aprovação em concurso público com participação da OAB, para exercer atividades que ingerem na liberdade e nos bens dos cidadãos? É razoável que dois agentes públicos, com os mesmos requisitos para ingresso no serviço público, trabalhando em atividades fins cujo instrumental seja a aplicação de normas legais, recebam salários tão brutalmente diversos?
Há algumas décadas a PF recebia o mesmo tratamento remuneratório dado hoje à Polícia Civil de São Paulo. Os salários eram baixos, eram comuns casos de corrupção e a qualidade dos serviços deixava a desejar. Hoje a PF é modelo de excelência e estabeleceu-se um circulo virtuoso de qualidade e profissionalismo crescentes. Sem a mesma sorte da PF a Polícia Civil de São Paulo sofre hoje um processo contínuo de corrosão de seus recursos humanos por conta da atual política remuneratória.
O atendimento de reivindicações dos delegados não prejudicará o Ministério Público ou as demais carreiras policiais, muito pelo contrário, o advento de melhorias, cedo ou tarde, irá repercutir de forma positiva para eles. Não se justifica o movimento de forças contrárias à aprovação por militares, que merecem tratamento distinto por serem carreiras típicas de Estado de natureza militar. Tampouco se vê razão para que agentes federais e civis lutem contra a consignação no texto Constitucional de que o Delegado exerce atividade de natureza jurídica.
Os delegados não buscam tratamento elitizado em relação a eles, querem apenas a reparação de injustiças que sofrem. A PEC 549/06 carrega dentro de si a esperança de milhares de profissionais do Direito que não buscam a formação de castas privilegiadas. A PEC é um lembrete de que policiais também são cidadãos, pagam impostos, votam e merecem ter seus direitos e garantias fundamentais respeitados e que a partir de agora irão reivindicá-los de forma organizada, legal e legítima.
Revista Consultor Jurídico