[Editorial publicado na Folha de S.Paulo, desta quarta-feira, 27 de fevereiro]
Assumiu dimensão desproporcional a contenda entre o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo César Rebello Pinho, e a Ordem dos Advogados do Brasil, por conta das listas de desafetos publicadas por esta instituição.
Não há dúvida de que cabe à Ordem zelar pelas prerrogativas da classe. Abusos às vezes cometidos por autoridades, como determinar a apreensão de documentos por atacado em escritórios de advocacia, precisam ser combatidos. Não estão em jogo aqui apenas privilégios de uma categoria profissional, mas direitos e garantias fundamentais de cidadãos que tenham contratado serviços advocatícios.
Daí não decorre, entretanto, que caiba à Ordem organizar relações de adversários. É preciso esmerar-se na sofística para sustentar que o “cadastro de violadores das prerrogativas dos advogados”, que consta do site da seccional paulista da OAB, não constitui uma lista de inimigos. Ainda mais quando o próprio presidente nacional da Ordem já fala em negar inscrição a desafetos depois que eles deixarem seus cargos oficiais, o que os impediria de advogar.
O procurador-geral foi infeliz na adjetivação — ao defender promotores incluídos entre as “personae non gratae”, disse que a Ordem atuava de “forma fascista”—, mas está correto no essencial: o procedimento dos advogados é abusivo.
A OAB-SP busca esquivar-se às críticas afirmando que as listas estão previstas pelo Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94), em seu artigo 7º, inciso XVII, parágrafo 5º. O argumento é no mínimo discutível. O dispositivo prevê que advogados sejam publicamente desagravados quando ofendidos no exercício da profissão. Mas desagravar alguém não implica inculpar outra pessoa, principalmente quando o “julgamento” se dá no âmbito de uma entidade de classe como a OAB-SP e o suposto infrator nem sequer pertence aos quadros dessa sociedade.
Se houve violação de prerrogativas profissionais, o foro adequado para resolver essa questão é a Justiça, jamais um tribunal interna corporis. A OAB, que tantos serviços têm prestado à causa da cidadania no Brasil, não honra sua tradição quando, inspirada pelo pior corporativismo, produz uma lista que equivale a um índex de inimigos.
Revista Consultor Jurídico