Pedido de vista suspende julgamento de denúncia contra Jair Bolsonaro por suposto crime de racismo

Pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), do Inquérito (INQ) 4694 contra o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL-RJ), por suposta prática do crime de racismo em razão de ofensas a quilombolas indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros), durante palestra realizada no Rio de Janeiro. Na tarde desta terça-feira (28), foram proferidos os votos dos ministros Marco Aurélio (relator) e Luiz Fux, que rejeitaram a denúncia, e dos ministros Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, pelo seu recebimento parcial.

O ministro Alexandre de Moraes afirmou que apresentará o voto-vista na próxima sessão da Turma, prevista para o dia 4 de setembro.

Denúncia

A denúncia foi oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), em 12 de abril de 2018, por suposto cometimento do crime tipificado no artigo 20, caput da Lei nº 7.716/1989 (praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional), por duas vezes, em concurso formal (artigo 70, do Código Penal). Em palestra proferida no dia 3 de abril de 2017, no Clube Hebraica, do Rio de Janeiro, o parlamentar teria se manifestado de modo negativo e discriminatório sobre quilombolas, indígenas, refugiados, mulheres e LGBTs. A PGR aponta que as falas do deputado teriam caracterizado um “discurso de ódio”, baseado no racismo.

De acordo com a denúncia, o parlamentar teria incitado e induzido a discriminação contra quilombolas, ao compará-los a animais, utilizando a palavra “arroba” para referir-se aos integrantes dessa comunidade. A PGR também sustenta que o deputado afirmou que quilombolas são “inúteis” e “preguiçosos”. Assim, alega excesso no discurso do parlamentar, o que ultrapassaria a liberdade de pensamento, não havendo imunidade material no caso. Com base nos artigos 1º, 3º, inciso IV, e 5º, caput, da Constituição Federal, sustenta que a conduta do parlamentar atingiu a dignidade da pessoa humana, a igualdade perante a lei e a vedação a qualquer forma de discriminação.

Tese da defesa

Da tribuna, o advogado do deputado apresentou sustentação oral, alegando inépcia da denúncia. Ele salientou a gravidade da acusação e observou que o caso envolve a proteção ao direito de liberdade de expressão, prevista na Constituição Federal. Segundo o advogado, o discurso proferido por Bolsonaro não constituiu crime, mas uma crítica à política pública dos quilombos e da demarcação de terras indígenas, entre outras.

“Não podemos tratar disso de forma conjectural, temos que ler o discurso e verificar se há ou não uma crítica às questões brasileiras”, ressaltou, ao completar que, “por mais impróprio o vocabulário, por mais grosseiros os adjetivos, isso se chama democracia”. Ao final, o advogado sustentou que não há prova da materialidade do crime, bem como não existe tipicidade da conduta, uma vez ser evidente o papel de parlamentar desempenhado por Bolsonaro na hipótese.

Voto do relator

O relator da matéria, ministro Marco Aurélio, rejeitou a denúncia. Para ele, as manifestações foram proferidas em contexto de críticas às políticas públicas de demarcação, proveito econômico de terras e imigração, não apresentando conteúdo discriminatório “ou passível de incitar pensamentos e condutas xenofóbicas pelo público ouvinte”, além de estarem inseridas na liberdade de expressão, prevista no artigo 5º, inciso IV, da Constituição Federal.

Em relação às comunidades quilombolas, o relator entendeu que as afirmações, apesar de consubstanciarem entendimento de diferenciação e de superioridade, não tiveram a finalidade de repressão, dominação, supressão ou eliminação, “razão pela qual, tendo em vista não se investirem de caráter discriminatório, são insuscetíveis a caracterizarem o crime previsto no artigo 20, cabeça, da Lei nº 7.716/1989”.

Segundo o ministro Marco Aurélio, o convite referente à palestra ocorreu em razão do exercício do cargo de deputado federal ocupado pelo acusado, a fim de expor uma visão geopolítica e econômica do país. O relator verificou uma vinculação das manifestações apresentadas na palestra com pronunciamentos do parlamentar na Câmara dos Deputados. “Tem-se, uma vez existente o nexo de causalidade entre o que veiculado e o mandato, a imunidade parlamentar”, destacou.

O ministro Marco Aurélio ressaltou que declarações, ainda que ocorridas fora das dependências do Congresso Nacional e eventualmente sujeitas a censura moral, quando enquadradas no âmbito de atuação do congressista, estão cobertas pela imunidade parlamentar (artigo 53, CF) e implicam a exclusão da tipicidade. O voto do relator foi acompanhado pelo ministro Luiz Fux.

Recebimento da denúncia

De forma divergente, votou o ministro Luís Roberto Barroso, ao concluir que a denúncia contra Jair Bolsonaro deve ser recebida parcialmente. O ministro rejeitou a solicitação da PGR quanto à acusação de discriminação e incitação ao estrangeiro, tendo em vista que, nesse ponto, a conduta do denunciado está protegida pela liberdade de expressão e pela imunidade parlamentar.

Contudo, quanto aos termos “arroba e procriador” utilizados pelo parlamentar, o ministro considerou que as expressões se referem a animais irracionais. “Penso que equiparar pessoas negras a bichos, para fins de recebimento da denúncia, é um elemento plausível”, afirmou. Para o ministro, embora ainda não haja no direito brasileiro a tipificação do crime de homofobia, ele considerou que a conduta do parlamentar se enquadra nos tipos de incitação e apologia ao crime, previstos nos artigos 286 e 287, do Código Penal. “Me parece, inequivocamente claro, um tipo de discurso de ódio que o direito constitucional brasileiro não admite, que é o ódio contra grupos minoritários, historicamente violentados e vulneráveis”, ressaltou. Segundo o ministro, a proteção dos direitos fundamentais das minorias é um dos papeis mais importantes de um tribunal constitucional e o discurso de ódio não deve ser tratado com indiferença.

O ministro Luís Roberto Barroso salientou que este é um momento de “mero recebimento da denúncia”, não se tratando de prejulgamento. Ele avaliou que o tratamento dado às pessoas de orientação gay, negras e quilombolas nessas declarações, leva ao recebimento da denúncia e ao prosseguimento do processo para que se verifique o dolo específico, as testemunhas sejam ouvidas e a defesa produza provas.

“Acho que não receber essa denúncia, diante da gravidade dessas alocuções, significaria passar uma mensagem errada para a sociedade brasileira de que é possível tratar com menosprezo, desprezo, diminuição, menor dignidade as pessoas negras ou homossexuais”, concluiu o ministro. A ministra Rosa Weber votou com a divergência.

Fonte: STF


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento