Penhora Online – Bacen Jud não deve ser usada para crédito não alimentar

por Felipe Mosmann Cunha

Consolidado em março de 2002, o sistema Bacen Jud, também conhecido como Penhora On Line, surgiu devido à necessidade que o Poder Judiciário demandava para dar mais celeridade e efetividade nas execuções dos créditos dos trabalhadores, créditos estes de natureza alimentar.

Como é sabido, essa ferramenta é um convênio firmado entre o Banco Central e o Tribunal Superior do Trabalho, o qual possibilita ao juiz o bloqueio e desbloqueio dos valores contidos em contas bancárias de pessoas físicas e jurídicas clientes do Sistema Financeiro Nacional.

Este sistema atualmente é regulamentado pelo Capítulo III da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.

A discussão que surgiu com a implementação deste instrumento rigoroso e que reconhecidamente traz graves conseqüências aos devedores trabalhistas, é justamente a natureza dos créditos que podem ser bloqueados através da Penhora On Line.

O regulamento instituído pela Consolidação dos Provimentos da CGJT não define de forma específica quais os créditos que podem ser bloqueados através do sistema Bacen Jud Na Justiça do Trabalho. Todavia, se analisarmos o conjunto de normas, a necessidade e a finalidade deste mecanismo executório, concluiremos que este método severo de constrição financeira surgiu para garantir exclusivamente os créditos dos trabalhadores, ou seja, os detentores de créditos de natureza alimentar.

Tanto isso é verdade, que analisando as considerações feitas quando das edições dos Provimentos da CGJT que regulamentaram este convênio, chegaremos a esta conclusão. Nas considerações, o Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho da época, Ministro Ronaldo Leal, deixou claro que o convênio Bacen Jud surgiu com a finalidade de executar os créditos dos trabalhadores.

Ademais, a redação do artigo 53 da Consolidação dos Provimentos da CGJT, também é esclarecedora com relação aos créditos que podem ser objeto de “Penhora On Line” no processo do trabalho, na medida em que estabelece que “o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, emitir ordem judicial de bloqueio via Sistema Bacen Jud”. Portanto, resta claro que esta medida foi instituída na Justiça do Trabalho visando satisfazer com maior celeridade a execução dos créditos trabalhistas, ou seja, os créditos de natureza alimentar, e não os créditos de terceiros como vêm ocorrendo atualmente, por exemplo, no caso dos recolhimentos previdenciários.

Mesmo que garantida a intervenção do INSS (que é representado pela União) para resguardar o crédito previdenciário, não há como este terceiro se beneficiar deste instrumento executório devastador que está adstrito às partes do processo trabalhista, além do que seu crédito não tem a mesma natureza daquele atribuído ao do trabalhador (alimentar).

Recentemente o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, decidiu em negar provimento ao agravo de petição interposto pelo INSS, o qual se insurgia quanto ao indeferimento da Penhora On Line de ativos financeiros dos executados, alegado que referida penhora não se aplica somente às ações de cunho alimentar. (Processo TRT/SP 01220-2002-037-02-00-1).

Os fundamentos da desembargadora Sônia Aparecida Gindro, ao indeferir a pretensão do INSS, foram justamente no sentido de que esta medida não pode ser aplicada aos créditos de terceiros, afirmando a mesma que este instrumento é exclusivo das partes, e também que o crédito desta Instituição não é da mesma natureza daquele destinado ao reclamante – natureza alimentar.

Agrega-se a estes elementos, a norma contida no artigo 620 do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, a qual estabelece que a execução deva se proceder do modo menos gravoso para o devedor.

Assim, surpreender o empregador com a penhora de suas contas correntes em prol de créditos de terceiros, que por sua vez não possuem natureza alimentar, causaria estrondosos prejuízos à atividade empresarial do mesmo, colocando em risco até mesmo os proventos de seus empregados ativos, o que não pode ocorrer em hipótese alguma.

Neste contexto, entendo que o convênio Bacen Jud somente pode ser utilizado quando a execução se destinar ao trabalhador, considerando-se a natureza super-privilegiada do crédito trabalhista.

Admitir a Penhora On Line de créditos de natureza não alimentar, é o mesmo que ferir a ordem contida no artigo 186 do Código Tributário Nacional, o qual estabelece a preferência dos créditos trabalhistas sobre qualquer outro crédito, inclusive o tributário. Nesta hipótese, penhorando ativos financeiros deste devedor trabalhista para cobrança de créditos de natureza não alimentar, conseqüentemente quem pagará esta conta serão os empregados deste mesmo devedor, detentores de créditos de natureza alimentar.

De outra banda, para os casos em que a União for parte em ação movida perante a Justiça do Trabalho, como nas Ações de Execução de Débito Fiscal decorrentes de autuações praticadas pelos fiscais do trabalho, também não há como admitir a utilização do sistema Bacen Jud. Embora nesta hipótese o instituto seja parte, ainda assim o mesmo não poderá utilizar-se desta ferramenta de extrema agressividade, uma vez que seu crédito não possui natureza alimentar.

Conforme já exaustivamente destacado, a possibilidade de Penhora On Line foi criada para executar créditos trabalhistas, não podendo ser utilizada em prol de cobranças tributárias, sob pena de colocar em risco os créditos dos trabalhadores ativos da empresa executada.

Por fim, destaco, que se admitirmos a utilização do convênio Bacen Jud para a execução de dívidas fiscais, o que não pode ocorrer em hipótese alguma, salvo melhor juízo, causaríamos um espantoso desequilíbrio social, pois este instrumento executório não pode ser utilizado no caso inverso, contra o Estado, tendo o exeqüente que receber seu crédito mediante precatório, que geralmente leva anos para ser pago.

Revista Consultor Jurídico

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