por Anderson Passos
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, questionou a informalidade com que a Polícia Federal e a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) agiram na investigação da Operação Satiagraha. Para Gilmar Mendes, é preciso apurar como a ação policial foi feita tendo em seus quadros mais agentes da Abin – seriam 52 – do que da própria PF. A cobrança ocorreu, nesta sexta-feira (12/9), durante o 1º Fórum de Direito Esportivo, promovido pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva e pela OAB paulista.
“O que me preocupa mais nesse tipo de coisa é essa cooperação quase num plano informal, sem que se saiba bem como isso foi celebrado. Em pouco tempo, pessoas foram contatadas num nível quase que informal por telefone e colocaram em operação uma estrutura expressiva da agência, na verdade um percentual elevado de agentes. Isso eu acho muito estranho. Eu tenho muito medo de um estado de descontrole nessa área”, considerou Gilmar Mendes.
O presidente do STF voltou a dizer que no estado de direito não há espaço para soberanos. Para o ministro, se alguém ainda se acha nessa posição, ele está colocando em xeque uma ordem jurídica. Ele apontou também que quando a Polícia afronta o Judiciário ou os demais Poderes da República, se vive uma situação de distorção que é inadmissível.
Sobre a proliferação de escutas no país, o presidente do Supremo Tribunal Federal afirmou que o Conselho Nacional de Justiça, em conjunto com a CPI das Escutas, está fazendo um mapeamento de quantas interceptações estão em curso. Gilmar Mendes não quis opinar sobre qual seria o tempo ideal para a duração de uma escuta.
“Nós precisamos estar preocupados com essa multiplicação de interceptações telefônicas, não só por parte da PF, mas também das Polícias em geral e da Polícia Civil nos estados. Temos de reafirmar que a interceptação telefônica é um meio de prova importante, mas excepcional. É fundamental que ele não seja banalizado. Esta não é a única prova, nem deve ser a prova inicial” defendeu.
Tempo de mudanças
O presidente do Supremo aproveitou para reiterar sua opinião de que o Judiciário precisa de incrementos que o tornem mais ágil. Citou entre os avanços recentes a simplificação dos procedimentos do júri e que os mesmos deverão se estender para a área administrativa. Um dos avanços necessários mais importantes, para Gilmar Mendes, é o emprego de videoconferência em audiências com presos perigosos.
“O STF deve se pronunciar a respeito das videoconferências, que em São Paulo é um problema sério. Eu espero que até o final do ano o Supremo tenha um posicionamento sobre isso. O Congresso Nacional está se debruçando sobre uma lei que trate do assunto. Em suma, nós estamos avançando e precisamos focar porque isso é responsabilidade de todos” entende o ministro.
Gilmar Mendes tratou também dos mutirões para verificar a situação da população carcerária no país. Citou como exemplo o caso alarmante do Rio de Janeiro, onde duas unidades carcerárias verificadas tinham 12 detentos que já cumpriram pena e permaneciam presos. “No Rio de Janeiro, 90% dos presidiários careciam de algum benefício que não lhes foi reconhecido. Nós temos uma série de problemas nesse sistema geral que precisam ser revistos”, afirmou.
O ministro disse que a situação verificada no Rio de Janeiro trouxe à baila a discussão no âmbito do Judiciário com vistas à priorização dos processos criminais.
Em relação às Súmulas Vinculantes, o ministro lembrou que a Emenda Constitucional que permitiu a edição delas é de 2004 e que não há exageros. “O Supremo o faz [edita as Súmulas] com muita parcimônia, em geral depois de ter acumulado [decisões] ao longo dos anos. Muitas vezes se diz: ‘o tribunal decidiu, mas havia apenas um caso’. Mas se esquece que havia casos referidos nas turmas há anos como, por exemplo, ocorreu com a súmula das algemas”.
Gilmar Mendes preferiu não entrar no mérito de uma suposta tensão entre o Judiciário e o Legislativo. Para ele, a questão da usurpação de poderes é uma realidade que não é exclusividade brasileira.
“Esse debate sobre a eventual tensão dialética entre Legislativo e Judiciário é um tema que está em voga no mundo. Falam que o Judiciário está usurpando o Direito Legislativo. Qual que é a nossa usurpação? Usurpação faz o Executivo com as Medidas Provisórias e o trancamento de pautas. Essa sim eu acho muito mais séria e muito mais perigosa para a funcionalidade do Congresso Nacional”.
Por fim, Gilmar Mendes reafirmou que não vai depor na CPI das Escutas por conta de questões institucionais, mas pregou respeito às atividades das comissões parlamentares de inquérito.
“Essa CPI (das escutas) nasceu das denúncias feitas pelo STF, do vazamento de informações do ministro Sepúlveda Pertence, a propósito da própria Operação Navalha, em que havia interceptação telefônica em processo em que eu fui o relator. Também tivemos a escuta ilegal feita no Tribunal Superior Eleitoral. Agora, o STF entende que não é conveniente aos seus membros comparecer às comissões. Nós temos muito respeito pelas comissões e elas só atuam hoje, com essa liberdade, porque o Supremo lhes garantiu essa possibilidade. Nós entendemos que as CPIs são instrumentos vitais da democracia”, frisou.
Revista Consultor Jurídico