PF dividida – Delegado não seguiu a boa prática investigativa

Quanto mais se sabe da Operação Satiagraha menos se entende os desdobramentos e os personagens que surgem, como por milagre, nos noticiários. A afirmação é da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) que, em nota, faz uma crítica da atuação do delegado Protógenes Queiroz, responsável pela prisão do banqueiro Daniel Dantas, do ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e do investidor Naji Nahas.

Por pouco, o delegado também não fora responsável por outros desdobramentos. No seu relatório, ele aponta a jornalista Andréa Michael como “integrante da organização criminosa, travestida de correspondente da Folha em Brasília”. Michael fez reportagem sobre a operação antes de ela acontecer e, por isso, teve sua prisão pedida pelo delegado, mas negada pela Justiça.

Protógenes fora afastado da função nesta semana por divergências na condução da operação com a cúpula da PF e com o ministro da Justiça, Tarso Genro. Além dele, também deixaram a investigação outros dois delegados de seu grupo: Karina Murakami Souza e Carlos Eduardo Pellegrini Magro.

Ainda segundo a nota da Fenapef, a sociedade comemora a atuação da Polícia Federal porque poderosos foram presos e os policiais cumpriram seus papéis.

Em contrapartida, diz que o êxito das operações, no entanto, não desobriga o “doutor” Protógenes de seguir os protocolos da boa prática investigativa. Segundo a Fenapef, fazer grampo e transcrevê-los em um relatório é serviço dos valorosos profissionais da taquigrafia. Vazar trechos dessas mesmas gravações, seja com qual intenção for, é crime, afirma a entidade.

A Fenapef repudia, ainda, os holofotes sobre a operação comandada pelo delegado. “É por reconhecer o trabalho silencioso desenvolvido pela maioria dos policiais, que não comungamos, por princípio, com o vazamento de informações, com a espetacularização das prisões. Não concordamos com as investigações paralelas feitas por uma ABIN que de uma hora para outra quer se transformar em uma espécie de clone da PF”.

Por fim, a Fenapef afirma que não é preciso muita sagacidade para deduzir que o tipo de “conduta holofote” do “doutor Protógenes”, adotada na Operação Satiagraha, mais atrapalha do que ajuda na condenação de criminosos.

“É preciso um processo investigatório centrado, silencioso, fundado em provas materiais. Do contrário teremos operações sem qualquer efeito prático no que tange à condenação de criminosos presos pelos federais”.

Leia íntegra da nota

A sociedade brasileira comemora a atuação da Polícia Federal na operação Satiagraha. Poderosos foram presos por ordem judicial, a sociedade ficou contente e os policiais cumpriram seu papel com determinação. A rotina de combate ao crime sem distinção de cor, credo ou classe social colocou o Departamento de Polícia Federal entre as instituições com maior grau de credibilidade entre os brasileiros. E isso se deve, em sua totalidade, ao trabalho intenso feito por cada policial federal do Oiapoque ao Chuí, da Ponte Internacional da Amizade à Avenida Paulista.

A questão que se coloca no caso específico da Operação Satiagraha é que, quanto mais se sabe sobre ela, menos se entende os desdobramentos e os personagens que surgem como por milagre nos noticiários.

Numa só tacada o delegado Protógenes colocou atrás das grades Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pita. Envolveu com esse grupo o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, pediu a prisão de uma repórter da Folha de S. Paulo, cacos de gravações autorizadas foram vazadas para a imprensa, o secretário particular do presidente da república e o ex-presidente FHC foram envolvidos no caso e o STF colocado em cheque. Isso sem falar no papel protagonístico da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) que até agora não explicou por que meteu o nariz onde não devia.

É inegável o mérito das operações da Polícia Federal e sua contribuição no sentido de passar o Brasil a limpo. Dia após dia policiais atuam em diversas frentes combatendo o crime. O êxito das operações, no entanto, não desobriga o “doutor” Protógenes de seguir os protocolos da boa prática investigativa. Fazer grampo e transcrevê-los em um relatório é parte do trabalho policial e não seu todo e isso qualquer policial federal sabe. Transcrever gravações telefônicas é serviço dos valorosos profissionais da taquigrafia. Vazar trechos dessas mesmas gravações, seja com qual intenção for, é crime.

Desde sempre apoiamos o trabalho realizado pelos policiais federais deste país. Policiais que na sua grande maioria estão espalhados nas fronteiras, nas bases, nas cidades do interior sem holofotes, sem grampos, sem relações com grandes veículos de comunicação. Mesmo assim eles cumprem um papel heróico na defesa do Estado contra o crime.

É por reconhecer o trabalho silencioso desenvolvido pela maioria, que não comungamos, por princípio, com o vazamento de informações, com a espetacularização das prisões. Não concordamos com as investigações paralelas feitas por uma ABIN que de uma hora para outra quer se transformar em uma espécie de clone da PF.

Não é preciso muita sagacidade para deduzir que o tipo de “conduta holofote” do “doutor Protógenes”, adotada na Operação Satiagraha, mais atrapalha do que ajuda na condenação de criminosos. É preciso um processo investigatório centrado, silencioso, fundado em provas materiais. Do contrário teremos operações sem qualquer efeito prático no que tange à condenação de criminosos presos pelos federais.

Para modernizar a ação policial de forma a tornar o trabalho da PF cada vez mais autônomo, a Federação Nacional dos Policiais Federais, há muito, trabalha para que o modelo de investigação policial seja modificado. Cremos em uma investigação autônoma onde a interceptação telefônica seja parte do trabalho e não seu produto. Uma investigação que não seja “presidida” por uma autoridade que a conduz a seu bel prazer, muitas vezes por caminhos pouco claros que em nada contribuem com a efetiva condenação dos culpados.

O que fica para nós policiais federais é o sentimento do dever cumprido, ao mesmo tempo em que sabemos que precisamos corrigir rumos e práticas. Do contrário nossa ação será uma mera ficção para promover autoridades e elevar a audiência dos canais de tv. E certamente não é para isso que a sociedade nos paga.

Federação Nacional dos Policiais Federais

Revista Consultor Jurídico

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