por Daniel Roncaglia
A Diretoria Científica da Polícia Federal nega qualquer possibilidade de manipulação das interceptações telefônicas. A prova documental disso é o próprio arquivo da gravação, que é enviado na íntegra para a Justiça e Ministério Público. As partes do processo têm, assim, acesso a todo material.
Essa é a resposta dos peritos da PF às declarações do perito Ricardo Molina em entrevista ao site Consultor Jurídico, publicada no último domingo (8/6) — Leia aqui a entrevista. O professor da Unicamp afirma que a falta de qualidade técnica das gravações feitas pela PF as invalidam como provas judiciais.
A Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais também soltou nota oficial contestando Molina. A entidade desafia o perito a provar cientificamente uma única edição fraudulenta feita pela PF.
O perito Paulo Roberto Fagundes, diretor técnico científico da PF, diz que não existe edição das gravações, que são inteiramente disponibilizadas ao juiz e ao MP. A PF trabalha dentro da legalidade, lembra.
Para o perito, transcrever todas as conversas gravadas é um conceito antigo. “É improdutivo passar para o papel um conteúdo que está em mídia”, argumenta Fagundes. Ele afirma que a transcrição serve apenas para protelar o processo, favorecendo o réu. “Quem tem que fazer essa análise do material gravado é o juiz e o Ministério Público”, lembra. Ele diz, no entanto, que a PF faz a transcrição completa se o juiz assim decidir.
Fagundes chefia o setor responsável pela perícia técnica de toda prova produzida pela PF. Mais de mil peritos trabalham na autenticação de diversos tipos de provas como gravações telefônicas e exames biológicos. “Temos autonomia, como peritos do Estado, para analisar as provas com isenção”, afirma.
O diretor científico questiona a imparcialidade de Molina, já que ele é contratado para defender acusados nas operações da Polícia. Ele explica que os peritos da PF, por outro lado, são agentes públicos oficiais que têm sua função prevista em lei. “Não entendo por que sempre chamam o Molina para ser fiel da balança. Ele se coloca em uma posição suprema”, diz Fagundes. O perito afirma que Molina apenas faz bravatas.
Para o diretor, Molina quer descredenciar a perícia da PF com a intenção conhecer a metodologia deles, já que ele tem como trabalho a desqualificação de provas. A área de perícia, segundo Fagundes, recebe fortes investimentos no aprimoramento de equipamentos, procedimentos e formação. Hoje, há uma doutrina única de perícia de áudio no âmbito da Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Além do áudio
O perito da PF Paulo Max, especialista em interceptações telefônicas, diz que os laudos de Molina são baseados apenas nos áudios das gravações. “É uma metodologia fraca”, afirma. Na PF, a perícia leva em conta outros fatores como a características dos equipamentos e o histórico das ligações. “Como somos peritos do Estado, nós temos capacidade de ir até o fundo”, diz.
O especialista diz que as eventuais interrupções nas gravações são provenientes do próprio sistema de telefonia. As falhas são as mesmas que os usuários de telefone encontram em suas conversas. “As perícias são feitas com rigor técnico”, diz. Sobre o sistema Nextel, Max lembra que a descontinuidade é própria dele, por ser uma transmissão de rádio. “O estranho seria uma ligação de Nextel sem interrupção”, argumenta.
Max explica que as gravações não são feitas pelas operadoras, para depois serem repassadas para a PF. Elas não estão autorizadas a guardar um cópia inclusive. O trajeto entre a operadora e a Polícia é visto por Molina como um fator que possibilitaria a manipulação. De acordo com Max, o áudio da conversa é captado pela operadora, mas ele é repassado diretamente para a polícia, de forma online.
Na PF, é mantida uma cópia de segurança com o “dado bruto da gravação”, explica o perito. Esses dados são os próprios bytes das informações digitais transmitidas pelas operadoras. Se a defesa pedir e o juiz determinar, o acusado pode ter acesso a essa cópia.
Sobre a sugestão de Molina para que se criasse um selo criptográfico identificando as cópias, o perito da PF explica que não há ainda uma solução robusta que garantisse a sua autenticidade. O exemplo da indústria fonográfica para se evitar a pirataria é uma prova disso.
Desafio de peritos
Já a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais diz, em nota oficial, que Ricardo Molina demonstra novamente desconhecer procedimentos adotados pela perícia oficial. “As afirmações de Molina não encontram embasamento, algo que é inaceitável para quem se apresenta como especialista em áreas que demandam conhecimento bastante específico”, diz Octavio Brandão Caldas Netto, presidente da APCF.
Já André Luiz da Costa Morisson, chefe do Serviço de Perícias em Áudio Visual e Eletrônicos da PF, diz que não há necessidade de se periciar todo o material, a não ser quando há dificuldades de entendimento por causa da má qualidade do áudio ou quando paira dúvida sobre quem fala ao telefone.
“É claro que isso é feito após apontamento devidamente fundamentado pela parte do trecho de interesse, e com a autorização do juiz, a fim de se evitar pedidos meramente protelatórios”, explica Morisson.
A entidade questiona inclusive a formação de Molina, afirmando que ele é apenas um auxiliar técnico dos acusados. A entidade diz que ele é um músico sem formação técnica.
“Do mesmo modo que Ricardo Molina desafia a perícia da PF a detectar edições em arquivos por ele manipulados, o desafiamos a provar cientificamente que houve uma única edição fraudulenta em qualquer arquivo de áudio fruto de interceptação telefônica da PF”, diz a nota.
Leia nota da APCF
1. O Sr Ricardo Molina não é perito oficial. É apenas auxiliar técnico do acusado, contratado por este. Sem entrar especificamente na questão da integridade dele ou de qualquer outro assistente técnico, é muito mais confiável, e a sociedade entendeu assim, ao criar a figura do perito oficial no CPP, um corpo de funcionários públicos, pagos pelo contribuinte, para analisar o corpo de delito e elaborar o respectivo laudo oficial. A ação independente da perícia oficial não tende nem para a acusação, nem para a defesa, mas busca apenas ser fiel à verdade factual. Já o auxiliar técnico contratado é pago pelo acusado. Essa situação, no mínimo, fragiliza a isenção dos auxiliares.
2. As interceptações são incluídas integralmente pela polícia no inquérito. Isso não é obstáculo ao devido processo legal e à ampla defesa, mas sim uma garantia que fortalece esses princípios, basilares num estado democrático de direito;
3. Não é necessária a transcrição integral. Já há jurisprudência robusta e reiterada a respeito, inclusive no STJ (por exemplo, HC 13.274/RS, 2002/0104866-6) e STF (por exemplo, o próprio HC 91.207-9/RJ);
4. Na verificação de edição fraudulenta, a prova negativa (evidência de que não há edição fraudulenta) é inerentemente de natureza diversa da prova positiva (em que é detectada uma edição). Não só na perícia da PF, mas em qualquer lugar do mundo. E isso é evidenciado nas conclusões dos laudos emitidos pela perícia da Polícia Federal.
5. Do mesmo modo que Ricardo Molina desafia a perícia da PF a detectar edições em arquivos por ele manipulados, o desafiamos a provar cientificamente que houve uma única edição fraudulenta em qualquer arquivo de áudio fruto de interceptação telefônica da PF.
6. O Sr Ricardo Molina é músico e, ao que nos consta, não tem formação técnica para afirmar o que ele divulga a respeito de sistemas de telecomunicações. Talvez seja esse o motivo pelo qual muitos de seus quesitos técnicos tenham sido incoerentes. Questionamentos fundamentados são importantes para o esclarecimento de pontos que porventura suscitem dúvidas, porém, antes de dizer inverdades, quem realiza o questionamento referente à análise do corpo de delitoa deve estudar o assunto e respeitar os profissionais isentos do Estado que elaboram os laudos. Os peritos oficiais não recebem honorários do acusado, nem deixarão de perceber seus salários se as conclusões de seus laudos demonstrarem que os vestígios apresentados à perícia não são suficientes para uma prova material robusta.
7. Desejamos saber quais são as “normas internacionais” a que o Sr Ricardo Molina se refere e que postulariam que áudio descontínuo devido à tecnologia do sistema de telecomunicações não pode ser usado como prova. Ele deveria saber que os tempos da fita cassete já passaram e que as comunicações digitais inserem efeitos completamente diferentes de uma fita analógica.
Revista Consultor Jurídico