A tese de que o Exército não tem em seus arquivos documentos secretos sobre as operações contra a guerrilha do Araguaia não procede. Pelo menos é o que aponta um processo administrativo aberto a pedido do tenente da reserva José Vargas Jiménez, interessado em obter a medalha do Pacificador, concedida pelo Exército. A informação é do jornalista Leonencio Nossa, do Estado de S. Paulo.
Em 1990, o tenente Jiménez recebeu em sua casa, documentos, carimbados com a palavra “secreto”. Neles constam informações que o Exército diz não possuir. O tenente não manteve sigilo do material. Ao contrário, publicou um pequeno livro em outubro de 2007, em Campo Grande.
A publicação fez com que o Exército abrisse uma sindicância para apurar o vazamento de documentos sigilosos. Em janeiro, a sindicância foi arquivada e não se negou a autenticidade dos documentos. Os fac-símiles começaram a circular abertamente neste mês por meio do blog de um outro militar da reserva.
Uma série de telegramas e ofícios comprovam também a prisão, o interrogatório e a tortura de militantes do PC do B que foram capturados vivos e, depois, dados como “desaparecidos”. Os documentos comprovam que muitos dos mais de 20 guerrilheiros que resistiram até o começo de 1974 não foram mortos em combate. Algemados, eles chegaram com vida às bases de Marabá, Bacaba e Xambioá.
A lista dos guerrilheiros que prestaram depoimento nas bases inclui, entre outros, Antônio de Pádua Costa, o Piauí, Dinalva Teixeira, a Dina, Áurea Valadão, a Áurea, e os irmãos Elmo Corrêa, o Lourival, e Maria Célia Corrêa, a Rosinha.
O Comando do Exército nega que tenha documentos sobre a guerrilha ou alegam que eles foram queimados ao final das operações anti-guerrilha, em 1975. Parentes de guerrilheiros, sobreviventes do movimento armado e pesquisadores lutam na Justiça Federal, desde 1982, para obter a entrega dos arquivos que possam ajudar na localização dos corpos dos “desaparecidos”.
Em dezembro de 2004, o general Francisco Roberto de Albuquerque disse que em suas unidades não havia documentos referentes à guerrilha do PC do B. O Exército admite, no máximo, que os militares que combateram a guerrilha podem ter agido “fora dos ditames legais do Estado de direito”. Em julho de 2003, a Justiça Federal mandou quebrar os sigilos dos arquivos do Exército. Com a quantidade de recursos apresentados pela União, não houve decisão final até então.
A guerrilha atuou na divisa dos estados de Tocantins (na época, Goiás), Pará e Maranhão de 1972 a 1975. Na ocasião, 59 guerrilheiros, quatro civis e 16 militares foram mortos.
Dados extra-oficiais
Em 2007, a Secretaria de Direitos Humanos publicou o livro Direito à Memória e à Verdade. Nele, são contadas todas as versões sobre a morte da geóloga baiana Dinalva Teixeira, a Dina, a mais famosa comunista do movimento armado da Amazônia. Mas o livro só inclui relatos extra-oficiais, sem embasamento em um documento oficial.
Encarregado de reunir os documentos para dar a medalha do Pacificador a José Vargas Jiménez, o capitão Aurélio da Silva Bolze recebeu um telegrama, em junho de 1990, dos sargentos José Albérico da Silva e Paulo Eduardo Cunha e do cabo Marcelino de Oliveira, que estiveram no Araguaia. “O sgt Vargas integrou equipe de busca e apreensão e equipe de resgate. Foi também emboscado pela equipe da ?Dina?, que, posteriormente presa e interrogada, declarou ter desistido da emboscada”, afirmam no telegrama.
Os documentos informam, ainda, que o guerrilheiro Piauí, que segundo livros teria sido entregue por camponeses ao Exército, travou uma luta corporal com militares antes de ser preso. “O sgt Vargas participou do confronto armado que resultou na prisão dos guerrilheiros ?Piauí? e ?Zezinho?. A prisão decorreu após luta corporal entre sgt Vargas e um dos guerrilheiros. Os guerrilheiros portavam armas de fogo e armas brancas”, escrevem. Zezinho, citado no documento, era um morador da região recrutado pelos guerrilheiros do PC do B.
Revista Consultor Jurídico