Plenário confirma jurisprudência que impede fixação da pena abaixo do mínimo legal

Por unanimidade (nove votos), o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou na tarde desta quinta-feira (26) jurisprudência que impede a fixação da pena abaixo do mínimo legal. O caso foi levado ao Plenário por meio de um Recurso Extraordinário (RE 597270) em que foi reconhecida a existência de repercussão geral. Por isso, a decisão da Corte deverá ser aplicada pelas demais instâncias do Judiciário em processos similares.

Os ministros também decidiram, por maioria, que eles podem julgar individualmente o mérito dos processos que tratem sobre o tema, a exemplo do que já ocorre em caso de habeas corpus sobre prisão civil por dívida, execução provisória da pena e acesso de advogado a inquérito sigiloso. Nesses três casos, a posição da maioria dos ministros é pela concessão do habeas corpus.

O recurso extraordinário foi interposto pela Defensoria Pública da União em favor de um condenado a seis anos e oito meses de reclusão por furto. A defesa apelou e conseguiu reduzir a pena no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), que foi fixada em quatro anos, seis meses e 20 dias de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto. O Tribunal estadual levou em conta duas atenuantes: a confissão espontânea e a reparação do dano.

O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio de um recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), que alegou a impossibilidade de fixação da pena abaixo do mínimo legal em virtude da aplicação das circunstâncias atenuantes. O STJ concordou com a tese do MP-RS e reverteu a decisão de segunda instância.

A Defensoria Pública, por sua vez, recorreu ao Supremo alegando que quatro princípios constitucionais estariam sendo violados na decisão do STJ: o da legalidade, com o impedimento da aplicação de atenuantes na fixação da pena; o da igualdade, por tratar de forma igual os desiguais; o da individualização da pena; e o da proporcionalidade.

Jurisprudência consolidada

O relator do processo, ministro Cezar Peluso, afirmou que desde a década de 70, pelo menos, o Supremo tem jurisprudência consolidada em torno da matéria, contra a fixação da pena abaixo do mínimo legal. Segundo ele, atenuantes genéricas não podem influenciar de modo decisivo a ponto de “justificar a redução da pena aquém do mínimo legal”.

Ao exemplificar sua argumentação, o ministro citou o caso da confissão, uma das atenuantes apresentadas pela Defensoria Pública em favor do condenado. “A confissão, por si só, não significa nada em termos da atuação da Justiça porque pode nem ser verdadeira. O réu pode ter razões para confessar um fato quando, na verdade, ele não o tenha cometido, e mais, a confissão por si só não justifica o juízo condenatório. Ou seja, é uma situação importante, que deve ser ponderada no conjunto de outros dados, mas que não deve influir de um modo decisivo para justificar a redução da pena aquém do mínimo legal”, salientou.

Peluso também fez uma advertência para o caso de o Supremo alterar seu entendimento na matéria. “Se a Corte se propuser a modificar essa jurisprudência, ela teria que tomar certas cautelas pelo risco que introduziria de deixar a cada juiz a definição da pena para cada crime.”

Segundo o ministro, cortes constitucionais fora do Brasil têm ponderado sobre o tema e levado em conta circunstâncias particulares para estabelecer a pena abaixo do mínimo legal, para não violar os princípios da individualização da pena e do devido processo legal. Ele citou o caso do julgamento de uma mulher no Canadá, que foi sentenciada abaixo do mínimo legal por tentar transportar drogas para a Europa. Lá foram consideradas circunstâncias especiais, que favoreciam a ré.

O ministro Marco Aurélio complementou que a fixação da pena, no Brasil, é orientada pelo tipo penal, que estabelece um piso e um teto para a condenação. “Ao prevalecer o que sustentando neste recurso, nós teremos que emprestar a mesma consequência às agravantes, a ponto de elevar a pena acima do teto previsto para o tipo [penal].” Ao concordar com Peluso, ele ressaltou a “variação incontida, de acordo com a formação técnica e humanística do julgador”, que haveria na fixação das penas se o piso e teto previstos no tipo penal fossem abandonados.

Justiça para todos

Ao concordar com o ministro Peluso, o presidente do Supremo, Gilmar Mendes, louvou a atuação da Defensoria Pública, tanto dos estados quanto a da União. Segundo ele, esses órgãos têm levado à análise do Supremo “teses jurídicas extremamente interessantes e habilmente tecidas”. O mesmo foi dito por Peluso ao iniciar seu voto.

Segundo Mendes, a análise desses casos pela Corte revela que o Supremo, “ao contrário do que sói se divulgar na mídia, não fica centrado nos habeas corpus de pessoas providas de recursos, dos ricos, mas se dedica às teses que aqui chegam e incentiva fortemente a atuação da Defensoria Pública”.

Ele lembrou que a possibilidade de progressão do regime da pena em casos de crimes hediondos foi analisada pelo Tribunal por meio de um habeas corpus redigido de próprio punho por um preso. Citou ainda que, em 2008, pelo menos 14 habeas corpus foram concedidos a pessoas processadas pelo roubo de objetos de valor irrisório. O ministro Marco Aurélio citou um caso levado à Primeira Turma do Supremo sobre um menor de 18 anos acusado de “subtrair” R$ 10,00, no ano de 2002.

“Muita gente informada da mídia se mostra desinformada em relação a essa atuação do Tribunal. Esses fatos não são revelados porque, em geral, os colunistas [da imprensa] têm preconceitos com os pobres. Não somos nós que temos preconceitos. São eles que não revelam os fatos que são correntes aqui no Tribunal”, concluiu Gilmar Mendes.

RR/LF

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