Plenário rejeita reclamação de município contra ordem de pagamento de pequeno valor superior ao fixado em lei municipal

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sessão de hoje (10), com o retorno de voto-vista do ministro Ricardo Lewandowski, o julgamento da Reclamação (RCL) 3014, ajuizada pelo município de Indaiatuba (SP) contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (com sede em Campinas-SP), que determinou a quitação imediata de um débito trabalhista de R$ 4.847,54, sob pena de sequestro do valor, após afastar a aplicabilidade de lei municipal que limitava em R$ 3 mil o valor para pagamento de débitos municipais sem emissão de precatório. A reclamação foi julgada improcedente por maioria de votos, de acordo com o voto do relator, ministro Carlos Ayres Britto.

Na reclamação, o município alegou que a decisão desrespeitou o decidido pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2868. Nesta ADI, o STF firmou o entendimento de que “o legislador infraconstitucional, ao legislar acerca da definição de pequeno valor para fins de pagamento de precatório judicial, tem ampla liberdade de compatibilizar o respectivo valor com a sua disponibilidade orçamentária”. A Lei Municipal nº 4.233/02 estabeleceu que as condenações que não ultrapassarem R$ 3 mil são consideradas obrigações de pequeno valor, podendo ser pagas sem necessidade de emissão de precatório.

O juiz considerou a lei inconstitucional tendo em vista o que dispõe o artigo 87 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). O dispositivo estabelece que, até que sejam publicadas leis definidoras pelos estados, serão considerados de pequeno valor os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário que tenham valor igual ou inferior a 40 salários mínimos (para estados e Distrito Federal) e 30 salários mínimos (para municípios).

Voto do relator

O relator, ministro Carlos Ayres Britto, votou no sentido da improcedência da ação, por entender que a decisão do TRT reconheceu a inconstitucionalidade da lei municipal por ausência de vinculação da quantia considerada como de pequeno valor a um determinado número de salários mínimos, como dispõe o artigo 87 da ADCT.

Segundo ele, no julgamento da ADI 2868, o Supremo limitou-se a proclamar a possibilidade de os entes federados fixarem valor inferior ao estabelecido no artigo 87 do ADCT, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 37/2002, para enquadrar-se na exceção do artigo 100 (parágrafo 3º) da Constituição Federal, de acordo com sua realidade orçamentária. Por divisar a falta de identidade entre o caso dos autos e o objeto da ADI 2868, Ayres Britto votou pela improcedência da reclamação. Depois do voto do relator, o ministro Gilmar Mendes pediu vista dos autos e, após analisá-lo, divergiu do relator. A ministra Cármen Lúcia e o ministro Sepúlveda Pertence (aposentado) acompanharam o relator. Foi então que o ministro Lewandowski pediu vista.

Retomada do julgamento

Na sessão de hoje, o ministro Lewandowski acompanhou a divergência. Para ele, o tema que se discute nesta reclamação é idêntico ao discutido na ADI 2868. “Verifico que a corrente vencedora na ADI 2868, do Piauí, concluiu, em primeiro lugar, que os parâmetros do artigo 87 do ADCT valem até a edição das leis locais, sendo por elas substituídos a partir de sua vigência. Em segundo, que os estados, o Distrito Federal e os municípios podem fixar livremente os valores de seus débitos para os fins do parágrafo 3º do artigo 100 da Lei Maior, observadas as respectivas disponibilidades financeiras e, desde que observados os critérios da razoabilidade e proporcionalidade”, afirmou.

Após o voto-vista, o Plenário se decidiu nos seguintes termos: os ministros Cezar Peluso, Eros Grau e Celso de Mello acompanharam a corrente divergente, que acolhia a reclamação, que se juntou aos votos dos ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski; já os ministros Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Ellen Gracie acompanharam o relator, formando a maioria juntamente com a ministra Cármen Lúcia e o ministro aposentado Sepúlveda Pertence.

Na divergência, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que não estava propondo o cabimento ampliado da reclamação, mas era preciso levar em conta que o Brasil tem mais de cinco mil municípios, que podem ter leis idênticas num tema como este. “Quanto à reclamação como instrumento de controle de constitucionalidade, eu gostaria de lembrar que este é grande instrumento, talvez hoje o mais original da jurisdição constitucional brasileira, porque se trata de um instrumento desenvolvido a partir da jurisprudência do próprio Supremo Tribunal”, afirmou o presidente do STF.

O ministro Cezar Peluso reforçou a argumentação afirmando que, no caso concreto, o TRT retirou do município a competência de decidir com liberdade. “Por que vamos deixar de reconhecer isso e permitir que continuem a circular neste país, enquanto não chegam até aqui, inúmeras ações, atrasando ainda mais o cumprimento dos precatórios?”, indagou. O ministro Celso de Mello reconheceu, em seu voto, a plena legitimidade constitucional da lei municipal de Indaiatuba em face do que prescreve a artigo 87 do ADCT. Quanto à via utilizada pelo município, o decano do STF afirmou que “o instituto da reclamação vem sofrendo, ao longo dos anos, uma sensível evolução por efeito da construção jurisprudencial”.

Entre os votos que seguiram o entendimento do relator, a ministra Ellen Gracie, na sessão de hoje, manifestou preocupação quanto à ampliação do âmbito da reclamação, já que os votos divergentes, vencidos, estavam admitindo a possibilidade de se fazer controle de constitucionalidade de leis por meio deste instituto.

O ministro Marco Aurélio ressaltou que o STF não pode decidir uma matéria nova numa “via estreita” como a reclamação, já que a Corte ainda não se pronunciou sobre a necessidade ou não, na fixação do valor para pagamento imediato, de se observar o critério de múltiplos do salário mínimo. “Isso nunca foi decidido pelo Supremo. Preocupa-me muito que, queimando etapas, estejamos abrindo o campo de apreciação das reclamações”, afirmou.

Em seu voto, o ministro Joaquim Barbosa compartilhou da preocupação da ministra Ellen, afirmando que, além da impossibilidade formal de análise, não havia pertinência temática entre os quadros fáticos desta reclamação e do precedente invocado.

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