por Marina Ito
Os tribunais estão se abrindo para novas possibilidades de entidades familiares, ainda que a lei não as reconheça expressamente. Pode-se dizer que a união entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo, já está reconhecida pela jurisprudência. A constatação é da advogada Ana Carla Harmatiuk, uma das palestrantes do congresso O Direito no Século 21 – Novos desafios, na sexta-feira (28/3), no Rio de Janeiro.
Segundo a advogada, desde 2002, há o reconhecimento previdenciário de parceiros homossexuais. Ana Carla considera, ainda, que os tribunais estão começando a reconhecer a “parentalidade sócio-afetiva”, em relação aos filhos adotivos de parceiros homossexuais.
“Quando o amor acaba, gera um dilema do fim do relacionamento”, constata Ana Carla. Ela contou a história de duas mulheres que resolveram ter um filho. Com o fim da relação, a mãe que registrou a criança impediu a ex-companheira de conviver com o filho. Foi aceito o pedido da ex-parceira do reconhecimento da maternidade sócio-afetiva.
Outro exemplo citado é a da parceira de uma ex-prefeita que queria se candidatar à prefeitura em uma cidade do interior do Pará. O caso chegou ao Tribunal Superior Eleitoral, que decidiu por sua inelegibilidade. “Já há posicionamentos tanto para inclusão quanto exclusão de direitos”, afirmou a advogada.
No Supremo Tribunal Federal o assunto também pode avançar. Ana Carla citou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade em que era contestado o dispositivo da Lei 9.278/96, que reconheceu como entidade familiar apenas “a união estável entre o homem e a mulher”. O ministro Celso de Mello arquivou a ADI por razões técnicas, já que o Código Civil de 2002 havia revogado a lei e, portanto, a ação perdeu o objeto. Mas, para Ana Carla, ele indicou o caminho, ou seja, apresentar a questão em uma Argüição de Preceito Constitucional.
Tipos de famílias
Marcada por vários exemplos, a palestra da advogada também abordou os casos de famílias simultâneas. “O que se tem defendido é que, por vezes, há duas entidades familiares”, afirmou. Ana Carla explicou que não se trata de relacionamento precário, mas de duas famílias que tiveram estabilidade.
A advogada também contou um caso em que era preciso o reconhecimento de união de três mulheres com um único homem. O difícil é estabelecer qual das três tinha o relacionamento “mais” estável. “Vamos sortear quem será? Ganha mais ponto quem tem mais filho ou o relacionamento que foi mais longo”, brincou. A juíza decidiu pela divisão da pensão entre as três. Segundo a advogada, a jurisprudência nesses casos ainda é oscilante. Já pela doutrina, leva-se em consideração quem está de posse dos bens.
“Busca-se o Direito de Família mais inclusivo, mais próximo aos direitos fundamentais e que traga em si as diferentes formas de amar”, concluiu. “Nós, operadores do Direito, não podemos ter preconceito, quer goste ou não”, afirmou o advogado Rodrigo da Cunha Pereira. Segundo ele, em nome da moral, muita injustiça já foi feita.
No entendimento de Pereira, a Constituição de 1988 ao proclamar a igualdade entre os cônjuges e entre os filhos, passou a legitimar todas as relações. “Isso é revolucionário”, afirmou.
Revista Consultor Jurídico