por Marcelo Pasqualetti
Quem é tão forte que não pode ser seduzido?
William Shakespeare, Júlio César, ato I, cena II — Cássio.
Assistimos na semana passada a uma interessante questão suscitada por ocasião da prisão de Daniel Dantas, como decorrência da operação policial batizada Satiagraha. Afinal de contas, quais são os requisitos para a decretação e manutenção da prisão preventiva?
A matéria vem regulamentada nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal, sendo imprescindível os pressupostos de toda prisão cautelar: fummus comissi delicti [indício de cometimento de delito] e o periculum libertatis [perigo de fuga].
O professor Guilherme de Souza Nucci1 ao lecionar sobre a prisão preventiva diz que quando a prisão não é decretada “o recado à sociedade poderá ser o de que a lei penal é falha e vacilante, funcionando apenas contra réus e vítimas anônimas”. E prossegue: “se a sociedade teme o assaltante ou o estuprador, igualmente tem apresentado temor em relação ao criminoso do colarinho branco” [1].
Tendo sido decretada a prisão temporária de Daniel Dantas pelo juízo da 6ª vara criminal federal da Seção Judiciária de São Paulo, o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu-lhe um habeas corpus. Diante das novas evidências colhidas no deflagrar da operação, o mesmo juízo de primeira instância decretou então a prisão preventiva, embasando seu decreto na possibilidade do réu “continuar a empreender a prática das atividades delitivas, colocando em sério risco a ordem econômica, a ordem pública, justificando, assim, a medida.”.
O juiz prosseguiu mencionando ser “possível olvidar que o requerido detém significativo poder econômico e possui contatos com o exterior, ampliando a possibilidade de evasão do território nacional, bem ainda porque poderia ocultar vestígios criminosos que ainda se esperam poder apurar, autorizando, desta feita, a decretação de Prisão Preventiva também para garantir a eventual aplicação de lei penal. Ficou claro que coragem e condições para tumultuar a persecução penal não falta ao representado”.
No segundo Habeas Corpus que concedeu, Gilmar Mendes construiu sua decisão sob o prisma de que “Tais argumentos revelam-se especulativos, expondo simples convicção íntima do magistrado, o qual externa sua crença na possibilidade de fuga do investigado em razão de sua condição econômica e pelo fato de ter contatos no exterior, sem apontar um único fato que, concretamente, demonstrasse a real tomada de providências pelo investigado visando à evasão”.
Disse também que “O exame do panorama probatório até aqui conhecido indica que a própria materialidade do delito se encontra calcada em fatos obscuros, até agora carentes de necessária elucidação, dando conta de se haver tentado subornar Delegado da Polícia Federal. De outro lado, ainda que se considerasse provada a materialidade, é certo que não haveria indícios suficientes de autoria no tocante a Daniel Valente Dantas”.
Data máxima vênia, não nos parece haver nenhum fato obscuro na corrupção ativa em que tentaram calar o Estado na pessoa do policial federal Victor Hugo Rodrigues Alves. As filmagens, o áudio capturado, os valores apreendidos e o depoimento dos autores indicam que concretamente houve sim a violação ao tipo penal descrito no artigo 333 do Código Penal vigente. E de mais a mais por que os emissários pagariam o equivalente a R$ 130 mil e estariam com cerca de R$ 1,3 milhão em sua residência?
Será que quando Hugo Chicaroni, durante a cooptação que fazia do policial federal Victor Hugo, ao vociferar que “Ele (Daniel Dantas) resolve. STJ e STF. O cara tem trânsito político ferrado”, não estaria trazendo “dano a credibilidade das instituições públicas? Porque na análise do HC 80.717 o plenário da nossa Corte Maior entendeu que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública”.
O ministro Joaquim Barbosa, no HC 84.498, reconhece a manutenção da prisão preventiva em razão da “enorme repercussão em comunidade interiorana, além de restarem demonstrada a periculosidade da paciente e possibilidade de continuação da pratica criminosa”. Ora, se o Supremo adota o argumento da “repercussão em comunidade interiorana”, o que dirá da repercussão do fato em caráter nacional?
Ao analisar e negar o HC 85.298, impetrado por Law King Chong, coincidentemente outro investigado do delegado Protógenes Queiroz, o STF disse que “o poder econômico do réu, por si só, não serve para justificar a segregação cautelar, até mesmo para não se conferir tratamento penal diferenciado, no ponto, às pessoas humildes em relação às mais abastadas (caput do art. 5º da CF). Hipótese, contudo, que não se confunde com os casos em que se comprova a intenção do acusado de fazer uso de suas posses para quebrantar a ordem pública, comprometer a eficácia do processo, dificultar a instrução criminal ou voltar a delinqüir. No caso, não se está diante de prisão derivada da privilegiada situação econômica do acusado. Trata-se, tão-somente, de impor a segregação ante o fundado receio de que o referido poder econômico se transforme em um poderoso meio de prossecução de práticas ilícitas”.
Não custa lembrar que Daniel Dantas já havia sido alvo de investigação na Operação Chacal, tendo, portanto, continuado a delinqüir. E foi o próprio ministro Gilmar Mendes que, ao negar o pedido de Habeas Corpus 89.525, o fez com o argumento da “existência de ramificações das atividades criminosas em diversas unidades da federação, bem como a alta probabilidade de reiteração delituosa, deduzida da organização e do tipo de crime”. Parece-nos que no caso Daniel Dantas esta probabilidade foi afastada pelo presidente do Supremo.
Nota
[1] Nucci, Guilherme de Souza: Código de Processo Penal Comentado. Ed. Revista dos Tribunais, 2.007, p. 593.
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