O julgamento que selou a manutenção da demarcação em faixa contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, área de 1,7 milhão de hectares em Roraima, foi apenas o primeiro sobre o reconhecimento de reservas indígenas a ser decidido neste ano pelo Supremo Tribunal Federal.
Ainda neste ano deverão ser julgadas no plenário da Corte ações sobre a legalidade de títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos em área ocupada por índios Kaingang, no Rio Grande do Sul, e na reserva indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, na Bahia. As informações são da Agência Brasil
Pataxós da Bahia
Em setembro do ano passado, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito pediu vista do processo referente à Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia, que tramita na Justiça há 25 anos. Na área de 54 mil hectares, propícia ao cultivo de cacau, vivem aproximadamente 4,5 mil índios Pataxó Hã-Hã-Hãe e fazendeiros que obtiveram títulos de posse do governo do estado — após já ter sido feita a demarcação como terra indígena pela União, nos anos 1930.
Antes da suspensão do julgamento pelo pedido de vista, o relator, ministro Eros Grau, votou pela declaração da nulidade dos títulos de posse dos fazendeiros emitidos pelo governo da Bahia. De acordo com o ministro, os títulos não têm validade porque foram expedidos depois da Constituição de 1967, que consagrou as terras ocupadas pelos índios como bens da União, com usufruto exclusivo deles. “A baixa demografia indígena em determinados períodos, na região, não impede o reconhecimento do caráter permanente da posse dos índios”, disse.
O relator ainda acrescentou que, se em algum momento, os índios não estiveram na região foi pelo fato de terem sido expulsos por fazendeiros. Os Pataxó alegam que “parentes” foram vítimas de assassinatos, sequestros, invasões e ameaças desde que os fazendeiros obtiveram títulos de posse na área.
Kangangs do Rio Grande do Sul
O processo que trata da disputa por terras entre fazendeiros e índios Kaingang no Rio Grande do Sul voltará ao plenário com o voto-vista da ministra Cármen Lúcia. Na ação, a Fundação Nacional do Índio (Funai) pede a declaração de nulidade dos títulos de propriedade de imóveis rurais concedidos pelo governo gaúcho na região em que vivem os índios.
O julgamento da causa começou em maio de 2002 e o relator, ministro Ilmar Galvão (hoje aposentado), votou pela nulidade dos títulos.
O ministro Carlos Britto, do STF, que relatou o processo da Raposa Serra Sol, acredita que a decisão da Corte vai nortear futuros pronunciamentos em causas semelhantes. “Ela [decisão de manter demarcação contínua da Raposa] vai balizar não por mérito próprio, porque não foi inovação de conteúdo, mas uma reafirmação do que já está na Constituição Federal”, afirmou Britto.
Entre as 19 condições que devem pautar a demarcação de terras indígens, definidas pelo Supremo no caso Raposa Serra do Sol, uma ressalta ser vedada a ampliação da terra indígena já demarcada. Apenas nesta questão, Carlos Britto foi voto vencido, mas ele não descarta que a Corte reveja futuramente este entendimento. Em alguns estados brasileiros, como Mato Grosso do Sul, estudos para novas demarcações estão em curso para garantir a adequada sobrevivência da população indígena.
Britto avalia que o STF consolidou uma posição importante para a reafirmação dos direitos dos povos indígenas no Brasil. “Foi o reconhecimento da dignidade dos índios, de que não há cultura étnica superior ou inferior a outra. A aculturação tem que ser um soma, algo que se ganha, e não algo que se perde. Isso coloca o Brasil na vanguarda mundial da questão indígena.”
Ainda de acordo com a Agência Brasil, no STF, há cerca de 170 processos em tramitação referentes a variados assuntos indígenas.