É preciso entender a internet antes de se criar leis

A falta de leis específicas para tratar da internet costuma criar a sensação de que os autores de cibercrimes sempre ficarão impunes. Especialistas, entretanto, ressaltam que muitos dos crimes e ofensas no ambiente virtual já estão previstos na legislação em vigor. Criar leis para a internet não é urgente.

A delegada Alessandra Saturnino, coordenadora da Gerência de Crimes de Alta Tecnologia (Getat), da Polícia Judiciária Civil de Mato Grosso, considera exagero falar em impunidade. Ela explica que muitos dos crimes praticados pela internet estão descritos no Código Penal, “só mudam a arma de fogo e o meio usado para atuar, o modus operandi”, diz.

Mas reconhece que faltam leis para o setor. Alessandra acredita que há casos em que existe um “limbo” legislativo, pois nem sempre há previsão legal para as ações. Invadir um site, mas não fazer nada além disso, por exemplo, ainda não pode ser considerado crime. “Existem figuras que estão à margem da lei, e precisamos trazê-las para o mundo jurídico, para a esfera penal.”

O advogado Omar Kaminski, autor do site Internet Legal, entende que há “uma grande histeria” para os casos de crimes considerados sem maiores consequências. Para ele, a sociedade está passando por uma redefinição de valores, e “coisas tolas e bobas” são levadas à delegacia sem razão. Ele acredita que estão usando esse momento como pretexto para convencer as pessoas de questões políticas — como o embate entre a criação do Marco Civil da Internet e a votação do PL 84/99.

A impunidade dos crimes digitais, na visão de Kaminski, é de fundo sociológico. Segundo ele, a internet mudou a forma com que as pessoas se relacionam, bem como a dimensão da repercussão que uma mensagem pode tomar, e é isso que precisa ser discutido. Para o advogado, o que falta é um tratamento adequado para a web, e não uma legislação específica.

“Legismania”
Kaminski acredita que o Brasil sofre de um mal: acha-se que todos os problemas do país podem ser resolvidos com a criação de novas leis, é a “legismania”. “Mas isso nunca nos garantiu segurança jurídica até hoje, e nem vai”, afirma.

O advogado Guilherme Bastian, do escritório BKBG, conta que, enquanto não há leis para crimes digitais, o trabalho dos advogados tem sido o de levar informações técnicas aos juízes. Com isso, diz, criam-se jurisprudências que suprem essa lacuna. No entanto, sustenta que para chegar a um entendimento uniforme sobre o assunto, é necessário “correr um caminho um pouco mais longo” do que simplesmente a criação de uma lei.

Bastian reconhece que, se houvesse leis definidoras, o trabalho dos juízes e advogados seria facilitado. Mas defende que não se pode restringir o uso da web com regulações limitantes. “No papel, há decisões muito fáceis de se cumprir, mas no mundo real é impossível”, diz, argumentando que “a solução não é regular, mas sim criar uma forma aberta de se entender as relações [na web]”.

Ivan Lira, juiz titular da 5ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, corrobora a visão de Bastian. Ele defende uma adequação legal, mas não a criação indeterminada de leis, “porque isso acaba criando um processo de hiperpenalização ineficiente”. Lira acredita que o exagero legislativo tende à letra morta, em que os textos “vão direto para a prateleira”.

O juiz acredita que grande parte dos crimes digitais, como as questões relacionadas a direito autoral de software ou invasão de sistemas, já estão previstas na legislação atual. Por isso, acredita que os que reclamam de desamparo legal para a internet estão “equivocados”.

Professor de Direito Penal há 20 anos, Ivan Lira defende o “esvaziamento” de sua área. Não por desprestígio, mas para “dar leveza ao Direito Penal e deixar a ele só o que for impossível de ser tratado em outras áreas”. Ele afirma ser “preciso chegar a uma adequação, mas não com esse calor que as pessoas dizem, porque aí acham que estamos num deserto legislativo — o que não é verdade”.

E o que se pode fazer?
Segundo a delegada Alessandra Saturnino, em casos de crime contra a honra, muito comuns na web, o que se deve fazer é procurar delegacias ou setores da polícia especializados em crimes digitais e apresentar provas. Deve-se imprimir a página, com cabeçalho e rodapé. É importante mencionar que print screens (imagens da tela do computador) não podem ser apresentados, pois podem ser alterados e manipulados.

Sobre as investigações criminais para coleta de provas, Alessandra prefere não dar detalhes. Ela diz que não é interessante para a Polícia revelar quais técnicas, procedimentos e equipamentos são usados para evitar que os criminosos se preparem. “Para nós, é mais interessante que não saibam do que somos capazes.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.


Você está prestes a ser direcionado à página
Deseja realmente prosseguir?
Atendimento