O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) julgou procedente o mandado de injunção contra a omissão da Prefeitura da Cidade do Recife (PCR) em regulamentar a Lei 17.918/2013, que trata da proibição de veículos de tração animal pelas ruas da capital pernambucana. Pela decisão aprovada por maioria entre os 20 membros do Órgão Especial, o Poder Executivo recifense terá 60 dias para emitir um decreto regulamentador, informando como vai proibir a circulação de veículos de tração animal, sob pena de pagamento de multa e indenizações e instituição de programa provisório para dar efetividade à lei. O julgamento do processo ocorreu na última segunda-feira (19/11), no Palácio da Justiça. O relator do processo no TJPE foi o desembargador José Fernandes de Lemos.
O prazo de 60 dias para emitir decreto regulamentador passará a contar a partir da notificação da Prefeitura do Recife. A notificação somente ocorrerá após a publicação da decisão do órgão colegiado no Diário de Justiça de Eletrônico (DJe). Ainda não há previsão para essa publicação acontecer.
O autor do mandado de injunção foi o Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Se descumprir a ordem judicial do Órgão Especial do TJPE, a Prefeitura deverá instituir, em caráter excepcional e provisório, o programa para redução gradativa do número de veículos de tração animal proposto pelo MPPE na ação judicial. Esse programa deverá ser executado em 180 dias e terá duração de 12 meses. Simultaneamente à execução o programa, incidirá multa mensal no valor de R$ 40 mil. O programa provisório e a aplicação de multa mensal ocorrerão enquanto o decreto regulamentador não for editado pela Prefeitura. O valor da multa será revertido em favor da Associação Amigos Defensores dos Animais e do Meio Ambiente (AADMA). A associação poderá cobrar o repasse da multa por meio de “Requisição de Pequeno Valor (RPV)”, tipo de precatório que pode ser sequestrado das contas do município através de ordem judicial.
Caso não execute o programa em 180 dias, nos termos definidos no voto do desembargador José Fernandes, a Polícia Militar de Pernambuco procederá a apreensão dos veículos de tração animal que trafegarem em via pública, com a devida identificação do condutor e do veículo. O veículo e o animal serão entregues ao Poder Executivo Municipal, que deverá indenizar em R$ 5 mil o carroceiro e ainda pagar a ele um salário mínimo e meio, até edição de decreto regulamentador ou a inserção desse condutor do veículo no mercado de trabalho.
Fundamento da decisão – Em seu voto, o desembargador José Fernandes Lemos argumentou que a falta de norma regulamentadora para dar efetividade à Lei nº 17.918/2013 criou um cenário de risco e de congestionamento para a circulação de carros no Recife e submete animais a tratamento cruel, em razão da precária condição das carroças e do tratamento dado aos animais que as transportam pelas ruas da capital pernambucana. “No caso em tela, pretende-se corrigir desequilíbrio ambiental ocasionado pela circulação de veículos de tração animal no município do Recife, que permite infligir, outrossim, maus tratos aos animais de carga, em condição precária, subnutridos, desidratados, submetidos sob açoite a trabalhos excessivos ou superiores a suas forças, e, ainda, prejudica o fluxo de veículos automotores, acarretando tantos danos mais ao meio ambiente”, escreveu o magistrado no voto.
A Lei 17.918/2013 prevê que, para ter efetividade, o município teria que editar um decreto regulando sua aplicação. Como essa norma não foi editada até o momento, o MPPE fez uso do mandado de injunção previsto no artigo 5º, inciso LXXI da Constituição do Brasil de 1988. “O mandado de injunção pressupõe ausência de norma regulamentadora, que viole, por omissão, a Constituição Federal, por inviabilizar o exercício de direitos ou liberdades constitucionais”, explica o desembargador.
A primeira iniciativa da decisão será dar ciência ao Poder Executivo municipal sobre a ausência do decreto regulamentador da Lei 17.918/2013, para que edite o referido documento no prazo estabelecido. Se não houver descumprimento do comando judicial, valerá as regras estabelecidas pelo TJPE em caráter provisório.
Maus tratos a animais – O desembargador José Fernandes citou decisão do STF que declarou inconstitucional a lei que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural no estado, reproduzindo trecho de ministros Luiz Roberto Barroso e Celso de Melo, que defendem a proteção dos animais contra práticas cruéis como norma autônoma e com objeto e valores próprios.
Histórico da Lei 17.918/2013 – De acordo com petição inicial do MPPE no mandado de injunção, a Lei 17.918/2013 foi criada e sancionada pelo prefeito Geraldo Júlio de Melo Filho, em 25 de outubro de 2013, e estabeleceu que o Poder Executivo a regulamentaria no prazo de 120 dias contados de sua publicação aprovada pela Câmara de Vereadores. Na época em que a lei foi sancionada, a PCR alegou falta de verbas para regulamentá-la. O MPPE expediu, em dezembro de 2015, uma recomendação para que o Município do Recife adotasse as medidas necessárias para a regulamentação e cumprimento da legislação, o que não ocorreu até o momento.
Programa para Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal
Estabelecendo ações que visem a subsistência dos proprietários e condutores, nos seguintes termos:
1ª ETAPA (duração: seis meses)
1.1. Cadastramento de todos os carroceiros que circulam no Recife mediante a listagem dos veículos existentes, com a “chipagem” do animal e identificação do animal e do condutor e proibição do ingresso de novos veículos.
1.2. Fiscalização preventiva e repressiva pelo município do Recife que coíba o uso de chicotes, aguilhão ou qualquer tipo de instrumento que possa causar sofrimento ou dor ao animal, bem como a utilização de animais feridos, doentes ou em gestação.
1.3. Capacitação dos veterinários da Secretaria Executiva dos Direitos dos Animais (Seda), e do Centro de Vigilância Ambiental (CVA), com a participação da Universidade Federal Rural de Pernambuco e ONGs de defesa animal, para o manejo e o tratamento adequado dos animais.
1.4. Capacitação profissional dos condutores de veículos de tração animal para que ingressem em outros mercados de trabalho (como o da reciclagem de resíduos sólidos), mediante uma ação integrada das Secretarias Municipais de:
– Desenvolvimento Social e Direitos Humanos
– Desenvolvimento e Empreendedorismo
– Juventude e Qualificação Profissional
– Meio Ambiente e Sustentabilidade
– Mobilidade e Controle Urbano
– Governo e Participação Social
– Segurança Urbana.
2ª ETAPA (duração: seis meses):
2.1. Visitas de acompanhamento e monitoramento dos carroceiros e seus animais, com ações de incentivos para entrega voluntária desses animais ao CVA, para que sejam devidamente abrigados em áreas destinadas para esse fim, obedecendo à quarentena e barreira sanitária.
2.2 . Criação de programas de incentivo ao bem-estar animal, como o “Carroceiro Legal”.
ÚLTIMA ETAPA (duração: seis meses): Emancipação do grupo de carroceiros com a possível criação de uma cooperativa ou associação.
Fonte: TJ/PE