Mesmo depois de reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça afirmando que as sociedades de advogados não precisam pagar o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) da mesma forma que as demais prestadoras, ou seja, com base no faturamento, algumas prefeituras ainda insistem em tentar acabar com o benefício. No Norte do país, fiscos municipais tentam encaixar a tese de que a Lei Complementar 116, de 2003, que deu novas regras para o imposto, não disciplinou o antigo regime especial destinado às chamadas sociedades uniprofissionais, que desenvolvem serviços privativos de profissões regulamentadas. Para elas, o regime, que cobra o ISS calculado sobre o número de sócios, foi extinto pelo fato de a lei não repetir a permissão dada pela norma anterior.
O regime especial para pagamento do ISS calculado sobre o número de sócios e não pelo faturamento é exclusivo para profissões regulamentadas, como medicina, engenharia ou contabilidade. Chamadas de sociedades uniprofissionais (SUP), as beneficiárias precisam prestar unicamente os serviços privativos da profissão dos sócios — que também tem de ser uma só. Os sócios devem fazer o trabalho pessoalmente, e todos devem estar habilitados para a profissão. É o que se interpreta do Decreto-lei 406/1968, que regulamentava o regime.
No entanto, o silêncio da Lei Complementar 116 quanto ao tratamento diferenciado, no início, gerou dúvidas. Para alguns procuradores, como a nova lei revogou diversos artigos do decreto — já alterado em 1969 pelo Decreto-lei 834, e em 1987 pela Lei Complementar 56 — e passou a disciplinar o recolhimento, o regime especial teria sido extinto. A tese, no entanto, não vingou no Superior Tribunal de Justiça, que entendeu que não houve revogação expressa do artigo 9º, parágrafos 1º e 3º do Decreto-lei de 1968.
“A Lei de Introdução ao Código Civil obriga que revogações de dispositivos sejam feitas de forma expressa”, lembra o advogado Rogério Aleixo Pereira, do escritório Aleixo Pereira Advogados e ex-membro do Conselho Municipal de Tributos da capital paulista.
Apesar disso, as prefeituras de Manaus e de Belém ainda fazem questão de esquecer a jurisprudência. No iníco de agosto, o Tribunal de Justiça do Pará confirmou uma sentença que declarou inconstitucional a Lei municipal 8.293, vigente desde 2003. A norma, que alterou o Código Tributário municipal, extinguiu o regime especial das SUP, o que prejudicou, é claro, também a advocacia.
Por isso, em 2007, a seccional paraense da Ordem dos Advogados do Brasil, representada pelos tributaristas Fernando Facury Scaff e o então presidente da entidade, Ophir Cavalcante Júnior, ajuizaram Mandado de Segurança na 5ª Vara de Fazenda Pública da capital. O juiz Valdeir Salviano da Costa deferiu o pedido e declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da norma local, permitindo aos escritórios belenenses voltar a pagar o tributo pelo número de sócios.
Em Manaus, foi o escritório de Scaff quem se insurgiu contra a cobrança sobre o faturamento. O município editou a Lei 714, também em 2003, e exigia que as bancas recolhessem o ISS de 5% sobre cada nota fiscal emitida. Mas o Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro e Scaff – Advogados obteve liminar do juiz Cezar Luiz Bandiera suspendendo a cobrança e proibindo que a prefeitura inscrevesse a banca em seu cadastro de inadimplentes ou que se negasse a emitir certidões positivas com efeito de negativas.
“Não se contrata uma sociedade de advogados como empresa. É um serviço pessoal feito por todos os que trabalham na sociedade”, diz Scaff. Quanto aos advogados associados — e não sócios — das bancas, ele afirma que a forma de cobrança do tributo pelo regime especial pode variar. “Há quem cobre por sócio, e quem tribute pelo número de profissionais que prestam os serviços.”
No ano passado, a OAB gaúcha conseguiu decisão semelhante em favor dos seus associados. Uma sentença derrubou a aplicação do Decreto municipal 15.416, de 2006, que obrigava as bancas a recolherem o ISS sobre o faturamento. A decisão foi do juiz federal Leandro Paulsen, da 2ª Vara Tributária de Porto Alegre, que entendeu que, como as sociedades não podem ser consideradas mercantis, por vedação do artigo 16 do Estatuto da Advocacia, não podem ser tributadas com base no faturamento.
Assunto encerrado
A questão está pacificada em ambas as turmas tributárias do STJ, e também na 1ª Seção. A questão que debutou na corte após a sanção da Lei Complementar 116 foi do município de Cachoeiro de Itapemirim (ES), julgada em 2004. A 2ª Turma foi unânime ao considerar que, como o Estatuto da Advocacia — a Lei 8.906/1994 — impede que as sociedades desenvolvam “atividades estranhas à advocacia” e incluam no quadro de sócios quem não for “inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar”, consequentemente elas se enquadram em todos os parâmetros do regime especial. Além disso, segundo o ministro Castro Meira, relator do processo, todos os serviços desse tipo de sociedade são exercidos em caráter pessoal pelos sócios.
“O artigo 16 da Lei 8.906/1994”, diz o acórdão, “espanca qualquer dúvida acerca da natureza não-empresarial das sociedades de advogados. Segundo a previsão normativa, não serão admitidas a registro, nem poderão funcionar, ‘as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis’”.
Também foi nesse sentido o acórdão da 1ª Seção, em 2008, relatado pelo ministro José Delgado. “A sociedade uniprofissional de advogados de natureza civil, qualquer que seja o conteúdo de seu contrato social, goza do tratamento tributário diferenciado previsto no artigo 9º, parágrafos 1º e 3º, do Decreto-Lei 406/68 não recolhendo o ISS com base no seu faturamento bruto, mas sim no valor fixo anual calculado de acordo com o número de profissionais que a integra”, diz a decisão.
Pelo menos 14 decisões posteriores da corte tiverem fim idêntico, amargado pelos fiscos municipais do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Campo Grande, João Pessoa e Caxias do Sul. A última foi dada em abril pela 2ª Turma, relatada pela ministra Eliana Calmon. “A jurisprudência desta Corte firmou posição no sentido de que a sociedade uniprofissional de advogados de natureza civil, qualquer que seja o conteúdo de seu contrato social, goza do tratamento tributário diferenciado previsto no artigo 9º, parágrafos 1º e 3º, do Decreto-lei 406/68”, disse ela, entendendo que o recolhimento deve ser feito não “com base no seu faturamento bruto, mas sim no valor fixo anual calculado de acordo com o número de profissionais que a integra”.
Segundo Aleixo Pereira, a Prefeitura de São Paulo não extinguiu o regime, mas criou uma maneira de contorná-lo. “O fisco presume o faturamento por sócio em R$ 1 mil, que serve de base de cálculo para a incidência da alíquota de 5%. Como o valor é baixo, todos ficaram satisfeitos”, diz. Segundo Fernando Scaff, valor semelhante é estipulado pela Prefeitura de São Luís, no Maranhão.
Processo 200930061160 (2º grau – TJ-PA)
Processo 0005101-29.2004.814.0301 (1º grau – Belém)
Processo 2009.71.00.014464-9/RS (1º grau – Porto Alegre)
Clique aqui para ler o acórdão do TJ-PA.
Leia a liminar concedida em Manaus:
Trata-se, no caso, de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por SILVEIRA, ATHIAS, SORIANO DE MELO, GUIMARÃES, PINHEIRO E SCAFF – ADVOGADOS, com espeque nos arts. 5º, inciso LXIX, combinado com o art. 1º da Lei nº 1.533/51 (LMS), contra ato acoimado de ilegal e arbitrário da lavra do EXMO. SR. SECRETÁRIO MUNICIPAL DE ECONOMIA E FINANÇAS DO MUNICÍPIO DE MANAUS, pelas razões fáticas a seguir expostas.
Assevera a Impetrante que é sociedade civil, tendo por objeto social a prestação de serviço de advocacia, conforme contrato social anexado às fls. 28/37, e o Fisco Municipal em decorrência do presente escopo social vem exigindo ISSQN à alíquota de 5% incidente sobre o seu faturamento bruto, consoante faz prova Notas Fiscais Eletrônicas juntadas, com fundamento no Código Tributário do Município de Manaus e na Lei nº 714/2003.
Argumenta que a Municipalidade ao exigir das sociedade uniprofissionais o recolhimento do imposto, considera como revogado os §§ 1º e 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, face o implemento da Lei nº 116/2003, que passou a disciplinar a cobrança do ISSQN, o que considera incorreto, amparando-se no posicionamento firmado pela jurisprudência pátria acerca do tema.
Apóia juridicamente o direito líquido e certo ora transgredido, no fato de que o mencionado dispositivo ainda encontra-se em plena vigência e devidamente recepcionado pela Carta Constitucional, não havendo que se falar em qualquer incompatibilidade, traz em suas disposições tratamento diferenciado de tributação.
No mais, após discorrer sobre a ilegalidade da cobrança, bem assim sobre os requisitos necessários para a concessão da medida liminar, pleiteia ordem judicial a fim de que seja suspensa a exigibilidade do crédito de ISS apurado até a presente data, e ainda daquele que vier a ser apurado, em virtude de estar o Município de manaus exigindo tributo ad valorem na proporção de 5% sobre o seu faturamento bruto, violando o que determina os §§ 1º e 3º, do art. 9º, do Decreto-Lei nº 406/68, o qual não foi revogado pelo art. 10 da Lei Complementar nº 116/2003.
Requer também, que a autoridade coatora, emita Certidão Negativa, com Efeito de Positiva, em face da suspensão da exigibilidade do crédito fiscal. E ainda, que o Impetrado abstenha-se de efetuar procedimentos sancionatórios à conduta da Impetrante em razão da presente discussão judicial sobre apuração do cálculo do ISS, tais como inscrição em CADIN e Dívida Ativa.
Por meio da documentação acostada aos autos às fls. 26/128, entende a Impetrante comprovar o direito líquido e certo aventado.
Custas recolhidas (fls. 130/131).
Inicialmente foram os autos distribuídos a 2ª Vara Especializada da Fazenda Pública Municipal, pelo que foi determinada a redistribuição dos autos a uma das Varas da Dívida Ativa Municipal, tendo em vista a matéria tratada no feito ser de natureza tributária (despacho de fls. 137 e verso). Devidamente redistribuídos, foram os autos encaminhados a esta Especializada. Após, vieram-me conclusos. É o que ocorreu em síntese.
É de bom alvitre dispor, ab initio, que a medida liminar, em sede de Mandado de Segurança, de acordo com a previsão contida no art. 7º, inciso II, da Lei Mandamental, constitui, a um só tempo, provimento de natureza cautelar e satisfativa da pretensão de direito material pretendido, quando relevante o fundamento jurídico do pedido e for evidente o prejuízo que esteja a sofrer a parte Impetrante, em decorrência da ação ou omissão da autoridade impetrada. Não é, pois, a liminar, um ato de liberalidade do juiz, pelo que deve ser concedida sempre que evidentes, no caso concreto considerado, os seus pressupostos legais, bem como, deve ser denegada, quando ausentes tais requisitos de admissibilidade.
Verificando as questões fáticas trazidas à apreciação pela Impetrante, vislumbro que efetivamente têm plausibilidade as razões expendidas pela mesma, ainda mais ao se verificar que a norma em que se apóia a parte encontra-se plenamente em vigor, sem contar que se coaduna com a situação das sociedades de profissionais liberais ora objeto de controvérsia.
Dos autos infere-se tratar de sociedade de profissionais, prestadora de serviços de advocacia, segundo confirmado pelo seu contrato social, que o faz através de sócios legalmente habilitados e, que se encontra sendo tributada por meio de ISSQN com alíquota de 5% sobre o valor bruto dos serviços prestados, desatendendo ao regramento atual.
Senão vejamos: Desde o advento da LC nº 116/2003, que passou a ser considerado o novo regramento acerca da cobrança do imposto sobre serviços, a discussão atinente a tributação diferenciada concedida às sociedades uniprofissionais passou a ter grande relevo, haja vista não haver tratado expressamente o tema como o fazia a legislação anterior. Entretanto, em que pese não haver a atual lei complementar antes mencionado contemplado de forma expressa a presente benesse as sociedades em questão, também não a revogou de forma clara como o fez em relação a alguns dispositivos constantes do Decreto-Lei nº 406/68, consoante extrai-se da redação do art. 10, in verbis: “ Art.10. Ficam revogados os arts. 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-lei 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3º do Decreto-lei 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei 7.912 de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar nº 56, de 15 de dezembro de 1987, e a Lei Complementar nº 100, de 22 de dezembro de 1999.” Desse modo, parte-se do princípio de que o legislador não teve de fato a intenção de extirpar do ordenamento a presente forma de tributação, haja vista que se este fosse o seu propósito o teria feito indubitavelmente através do dispositivo antes transcrito.
Da afirmação alhures, possível é considerar que o tratamento tributário diferenciado para o trabalho pessoal, enumerado para as sociedades de profissionais, disciplinado pelo art. 9º, §§ 1º e 3º do citado Decreto-Lei nº 406/68, foi mantido pelo ordenamento atual, autorizando, portanto, que as mesmas sejam tributadas na forma como reza o dispositivo em comento, que preceitua: “Art 9º – A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. § 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o imposto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho. (…) Omissis § 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável. (Redação dada pela Lei complementar nº 56, de 15.12.1987)”.
Assim, diante dos argumentos expostos linhas acima somadas as disposições consignadas pelo artigo antes transcrito, entende-se que a Impetrante, pelas suas características jurídicas, tem direito líquido e certo de gozar do tratamento ora autorizado pela legislação, haja vista que se trata de sociedade de profissionais, exercendo regularmente as atividades descritas no nº 88 da Lista de Serviços (Advogados) do Imposto ora objeto de discussão, além de ter como sócios profissionais devidamente habilitados à prestação dos serviços em nome da sociedade, assumindo responsabilidade pessoal, consoante atesta o seu contrato social. Urge ainda salientar, sem muitas delongas para não entrar no mérito da questão que será futuramente debatida com maior propriedade, que a jurisprudência tem firmado o entendimento de que a norma contida no Decreto-Lei nº 406/68 foi amplamente recepcionada pela Constituição Federal, apesar de posteriormente ter entrado em vigor a Lei Complementar nº 116/2003 (Lei instituidora de novas normas gerais sobre ISS), que conforme entendimento anterior não revogou expressamente o art. 9º e parágrafos como o fez com outros dispositivos. Razão esta porque deve ser observado integralmente em matéria tributária o regramento do Decreto-Lei. Vejamos:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADE PRESTADORA DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS. § 3O DO ART. 9O DO DECRETO-LEI Nº 406/1968. RECEPÇÃO PELA CARTA DE OUTUBRO DE 1988. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO INCISO II DO ART. 150 DA MESMA CARTA. AGRAVO DESPROVIDO. O acórdão recorrido, ao declarar a não-recepção do § 3o do art. 9o do D.L. nº 406/1968 em face do inciso II do art. 150 da Carta de Outubro, divergiu da jurisprudência Plenária desta colenda Corte sobre o tema. Precedentes: RE 236.604 e 220.323, ambos de relatoria do Min. Carlos Velloso. Outras decisões no mesmo sentido: RE 367.417-AGR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma; e o RE 296.035-AGR, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma. Por outro lado, também não merecem acolhida as alegações de que a parte recorrente não atende aos requisitos formais e materiais exigidos para o recolhimento do ISS na forma do Decreto-Lei nº 406/68. Isto porque tais ponderações não foram objeto de discussão perante a Corte de origem e exigiriam, ainda, a análise do conjunto probatório dos autos, o que é vedado em matéria de recurso extraordinário. Agravo regimental a que se nega provimento (STF RE-AgR nº 366011/ PR; Rel. Min. Carlos Britto; 1ª Turma; DJ 10-03-2006)”;
“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADES PRESTADORAS DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS. ADVOCACIA. D.L. 406/68, art. 9º, §§ 1º e 3º. C.F., art. 151, III, art. 150, II, art. 145, § 1º. I. – O art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL. 406/68, que cuidam da base de cálculo do ISS, foram recebidos pela CF/88: CF/88, art. 146, III, a. Inocorrência de ofensa ao art. 151, III, art. 34, ADCT/88, art. 150, II e 145, § 1º, CF/88. II. – R.E. não conhecido” (STF, RE 236.604/PR; Rel. Min. Carlos Velloso; 1ª Turma; DJ 06-08-1999)”;
Portanto, uma vez evidenciado que o direito líquido e certo da Impetrante encontra-se sendo violado com a cobrança de imposto com a inobservância das regras impostas pelo ordenamento vigente, estando confirmada a plausibilidade das alegações expendidas pela mesma, certo é que a prática de tal ato por parte da autoridade coatora pode vir a sujeitar a sociedade em pauta a inevitáveis transtornos, o que não se pode permitir, pois do contrário se estará claramente admitir a prevalência da ilegalidade.
Sendo assim, da verificação do conjunto probatório, vislumbro que os requisitos exigidos pela lei mandamental, necessários para autorizar a concessão de medida liminar fazem-se satisfatoriamente presentes, uma vez que a parte Autora logrou êxito em demonstrar a veracidade dos fatos em que se apóiam para buscar sua pretensão, tendo trazido ao exame elementos que demonstram a fumaça de seu bom direito, caracterizado pela cobrança do ISS pela incidência de alíquota diretamente sobre a receita bruta baseada em legislação municipal que contraria o Decreto-lei nº 406/68. Outrossim, evidenciado está o perigo, ou melhor, o risco de que se caso apenas venha a obter a medida ao final, como esta poderá ser ineficaz, isto porque a Impetrante pode ser sujeita a autos de infração e demais sanções políticas usuais, como não autorização de impressão de notas fiscais, cancelamento de inscrição municipal, não concessão de certidões negativas e outras agressões semelhantes.
Desta feita, convencida da verossimilhança do bom direito em favor da Impetrante, dos prejuízos que pode vir a sofrer com a ilegalidade perpetrada, presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, CONCEDO PARCIALMENTE A LIMINAR requerida, DETERMINANDO que a autoridade coatora proceda a imediata suspensão da exigibilidade do Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza – ISSQN com aplicação da alíquota de 5% sobre a receita bruta da sociedade Impetante, para assim autorizar que a mesma venha a recolher o tributo na forma do art. 9º, §§ 1º e 3º do Decreto-Lei nº 406/68. DETERMINO também que o Impetrado abstenha-se de efetuar procedimentos sancionatórios à conduta da Impetrante em razão da discussão judicial em apreço sobre apuração do cálculo do ISS, tais como inscrição em CADIN e Dívida Ativa. No que pertine ao pedido de Certidão Negativa, destaco que neste momento processual em virtude de estar a matéria ora objeto de análise sub judice, apenas se faz possível a autorização de emissão de Certidão Positiva com Efeito de Negativa.
Dê-se ciência desta decisão ao Impetrado, para imediato cumprimento, e, requisitem-se-lhe, ao ensejo, no prazo legal, as informações que julgar cabível em torno dos fatos relacionados com o presente ajuizamento.
Expeça-se o competente Mandado com a LIMINAR. Cumpra-se. Intime-se.
Manaus, 27 de outubro de 2009.
Dr. Cezar Luiz Bandiera
Juiz de Direito, em substituição pela Portaria nº 2.761/09
Leia a sentença dada em Porto Alegre:
MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO Nº 2009.71.00.014464-9/RS
IMPETRANTE: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL
ADVOGADO: CLAUDIO PACHECO PRATES LAMACHIA
IMPETRADO: GESTOR DA CELULA DE GESTÃO TRIBUTÁRIA DA SECRETARIA DA FAZENDA DO MUNICIPIO DE PORTO ALEGRE – RS
SENTENÇA:
I – Relatório:
Trata-se de Mandado de Segurança em que a impetrante objetiva, em síntese, obstar que a autoridade coatora exija recolhimento de ISSQN sobre bases distintas daquelas preconizadas no Decreto-Lei nº 406/68.
Sustentou a parte autora que as sociedades de advogados por ela representadas sempre suportaram a exação mencionada alhures sob “sistemática per capta” para apuração do quantum debeatur, ou seja, multiplica-se o número de profissionais que integram a sociedade em questão por um valor previamente estabelecido na legislação municipal.
Neste comenos, ponderou que a autoridade coatora pretende que a base de cálculo do tributo passe a se pautar pelo valor dos serviços prestados pela contribuinte, fato consubstanciado pela Lei Complementar Municipal nº 07/73 e pelo Decreto Municipal nº 15.416/06. As normas em comento, de acordo com a tese aventada na inicial, teriam o condão de estabelecer requisitos não previstos na LC 116/03 para manutenção da exigência de ISSQN per capta das sociedades de advogado. Pugnou pela outorga de medida antecipatória mandamental com o escopo de manter a base de cálculo do ISSQN devido por seus representados.
Este Juízo determinou a notificação da contraparte antes mesmo da apreciação da liminar, todavia, esta quedou silente.
Em 15 de junho de 2009, a medida antecipatória restou deferida. Agravo de instrumento em face do decisum foi manejado pelo Município de Porto Alegre, o qual postulou por sua imediata intervenção nos autos, todavia, o egrégio TRF da 4ª Região converteu o recurso para sua forma retida.
A autoridade impetrada prestou informações às fls. 60-64. Suscitou sua ilegitimidade passiva ad causam, haja vista que o writ deveria ser direcionado ao Secretário Municipal da Fazenda.
O Ministério Público Federal ofertou parecer às fls. 230-231. Opinou pela rejeição da preliminar e concessão da segurança.
Vieram os autos conclusos para prolação de sentença.
II – Fundamentação:
PRELIMINARMENTE:
Da ilegitimidade passiva ad causam:
Tenho que não prospera a preliminar aventada pela autoridade impetrada.
Consoante apregoou a própria requerida, o Decreto Municipal nº 14.150, de 28 de março de 2003, dispõe:
“Art. 17. À Célula de Gestão Tributária, órgão diretamente subordinado ao Secretário Municipal da Fazenda, compete:
I – gerir a administração tributária no âmbito do Município, através do acompanhamento e proposições de ações referentes à tributação, fiscalização e arrecadação;
(…)
VI – subsidiar propostas de diretrizes, normas e procedimentos, dentro de sua área de atuação; (…)”
A competência da Célula de Gestão Tributária para administrar a atividade Fiscal do Município resta evidenciada pela norma. Atribuir a legitimidade passiva para responder ao presente mandamus ao Secretário Municipal da Fazenda não condiz com a situação fática subjacente à lide.
Note-se que a pertinência subjetiva entre autoridade coatora e o ato impugnado é determinada pela origem da ordem ou omissão que implicou a prática ou abstenção do mesmo. Neste contexto, não é o agente político responsável pela Fazenda do ente público municipal o responsável pela cobrança da exação questionada, mas a autoridade ora impetrada, a qual possui ingerência nos procedimentos de exigência do tributo.
MÉRITO:
Quando da apreciação da medida liminar assim me pronunciei:
“O art. 9º do Decreto-Lei 406/68, com seu § 3º acrescido pela Lei complementar nº 56, de 15.12.1987, quando do advento da CF/88, já assegurava às sociedades de advogados o recolhimento do ISS na forma do seu § 1º, calculado por valor fixo em relação a cada profissional que prestasse serviços em nome da sociedade.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, importante debate atinente à constitucionalidade das disposições supra transcritas foi instaurado. Consolidou-se o entendimento de que tais normas não vulneravam qualquer ditame da Carta Magna, fato que ensejou, inclusive, a edição da Súmula nº 663 do Supremo Tribunal Federal: “Os §§ 1º e 3º do DL 406/68 foram recebidos pela Constituição”.
A Lei Complementar nº 116/03, aparentemente, havia alterado a sistemática para apuração do ISSQN devido pelas sociedades de profissionais liberais. Tal modificação do panorama legislativo ensejou que as prefeituras municipais encaminhassem inúmeros projetos de Lei às respectivas Câmaras de Vereadores com o intuito de exigir a exação lastreada no valor dos serviços prestados em detrimento da base de cálculo anteriormente aplicada. Em outros casos, embora acatado o critério do valor fixo, sua aplicação restou limitada mediante o estabelecimento de condições não previstas na LC, como na hipótese ora em discussão.
Para adequada compreensão da controvérsia, transcrevo os arts. 7º e 10º da Lei Complementar nº 116/03:
Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
§ 1o Quando os serviços descritos pelo subitem 3.04 da lista anexa forem prestados no território de mais de um Município, a base de cálculo será proporcional, conforme o caso, à extensão da ferrovia, rodovia, dutos e condutos de qualquer natureza, cabos de qualquer natureza, ou ao número de postes, existentes em cada Município.
§ 2o Não se incluem na base de cálculo do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza:
I – o valor dos materiais fornecidos pelo prestador dos serviços previstos nos itens 7.02 e 7.05 da lista de serviços anexa a esta Lei Complementar;
II – (VETADO)
§ 3o (VETADO)
(…)
Art. 10. Ficam revogados os arts. 8o, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968; os incisos III, IV, V e VII do art. 3o do Decreto-Lei no 834, de 8 de setembro de 1969; a Lei Complementar no 22, de 9 de dezembro de 1974; a Lei no 7.192, de 5 de junho de 1984; a Lei Complementar no 56, de 15 de dezembro de 1987; e a Lei Complementar no 100, de 22 de dezembro de 1999.”
Para que a questão seja solvida, portanto, é imprescindível avaliar se a Lei Complementar nº 116/03 revogou o art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, o que, no entendimento deste Juízo, não ocorreu.
O art. 10º da Lei Complementar nº 116/03 enumera especificamente os dispositivos que revogou expressamente, ceifando-os da ordem jurídica vigente. Ao silenciar quanto aos demais, admitiu, a princípio, o prosseguimento da sua vigência, ao menos parcial, da vigência dos demais dispositivos. Do contrário, não faria nenhum sentido tampouco teria qualquer valor a cláusula revocatória parcial estabelecida. Vê-se, pois, que a LC nº 116/03 não foi editada com o escopo de constituir o diploma exclusivo de disciplina da matéria.
Por certo que, embora só tenha ocorrido revogação expressa de alguns dispositivos do Decreto-Lei nº 406/68, outros restaram tacitamente revogados se e na medida em que incompatíveis com a nova disciplina instaurada. É a disciplina a tanto tempo prevista na Lei de Introdução ao Código Civil, verdadeira norma geral em matéria de aplicação de leis no tempo:
Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.(grifei)
Revogados expressamente foram os artigos 8º, 10, 11 e 12 do Decreto-Lei no 406, de 31 de dezembro de 1968. Quanto aos demais, pois, indispensável análise detida de cada qual.
Importante ressaltar, desde já, que preceitos específicos que não contrariem dispositivos da lei nova restaram recepcionados. Isso porque normas especiais não são incompatíveis com normas gerais, mas complementares às mesmas. Vem a calhar o disposto no já transcrito § 2º do art. 2º da LICC no sentido de que “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.
No caso, está em questão o art. 9º do Decreto-Lei no 406/68, artigo este que, aliás, guarda peculiaridades. É que alguns dos seus parágrafos haviam sido acrescidos pela LC nº 100/99, expressamente revogada pelo art. 10 da LC 116/03. Refiro-me aos seus parágrafos 4º, 5º e 6º. Quanto a estes, pois, não há dúvida de que foram revogados.
Remanesce, de qualquer modo, a questão relativa à tributação da prestação de serviços pelos profissionais liberais, dentre os quais os advogados, e das respectivas sociedades de advogados:
Art 9º A base de cálculo do impôsto é o preço do serviço.
§ 1º Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o impôsto será calculado, por meio de alíquotas fixas ou variáveis, em função da natureza do serviço ou de outros fatores pertinentes, nestes não compreendida a importância paga a título de remuneração do próprio trabalho.
…
§ 3° Quando os serviços a que se referem os itens 1, 4, 8, 25, 52, 88, 89, 90, 91 e 92 da lista anexa forem prestados por sociedades, estas ficarão sujeitas ao imposto na forma do § 1°, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável. (Redação dada pela Lei complementar nº 56, de 15.12.1987)
Quanto a tal ponto, não houve revogação expressa, além do que não constitui senão norma especial a conviver com a nova disciplina geral estabelecida pela LC 116/03.
Efetivamente, se o legislador ressalvou o art. 9º da revogação expressa, revogando apenas os seus parágrafos acrescidos pela LC 100/99, tem-se que persiste como norma especial, compondo, com os novos dispositivos da LC 116/03, o regime jurídico relativo à instituição do ISS e condicionando, pois, a instituição e a cobrança do imposto pelos Municípios.
As sociedades uniprofissionais continuam, portanto, constituindo exceção à base de cálculo ordinária do ISSQN (preço do serviço). A apuração do quantum debeatur da exação deve tomar como base o número de profissionais inscritos, consoante §3º do art. 9º do DL nº 406/68.
Ademais, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, já tendo em conta a LC 116/03, manifestou-se conforme a interpretação ora exposta, inclusivereformando acórdão que havia sido proferido em sentido contrário:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. ISSQN. SOCIEDADE CIVIL PRESTADORA DE SERVIÇOS PROFISSIONAIS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 9º, §§ 1º E 3º, DO DL Nº 406/68. PRECEDENTES.
1. Agravo regimental contra decisão que proveu recurso especial para afastar a tributação do ISSQN sobre a receita bruta da agravada.
2. O acórdão a quo asseverou que: “Se o art. 7º da LC 116/03, definiu, como regra, que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, e os §§ 1º e 2º estabeleceram as exceções, conclui-se que regulou inteiramente a matéria. Assim, o fato de o art. 10 não ter referido o art. 9º e §§ do DL 406/68, que disciplinava a matéria, estabelecendo a regra e as exceções, não quer dizer que não tenham sido revogados. Ocorreu, no caso, revogação implícita, mais precisamente derrogação, por ter regulado inteiramente a matéria e por incompatibilidade, conforme previsto no art. 2º, § 2º, da LIIC. Ademais, como é sabido, as exceções, por princípio, de hermenêutica, sejam quando subtraem direitos seja quando adicionam direitos face à regra, são interpretadas restritivamente. Não há, pois, como sustentar, inclusive por serem exceções, a vigência de tal dispositivo após a LC 116/03. Ainda, se o § 3º do art. 9º do DL 406 referia números da Lista de Serviços, admitir a sua vigência após a LC 116 significa admitir também que, pelo menos quanto à numeração, parte da Lista anterior continua vigente. Assim, com o advento da LC 116/03, a base de cálculo, salvo as exceções nela previstas, é por preço do serviço. Não mais existe a tributação privilegiada por profissional”.
3. O art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL nº 406/68, foram recepcionados pela CF/88. Precedente do STF: RE nº 236604-7/PR.
4. “O STF jamais deu pela incompatibilidade do art. 9º, §§ 1º e 3º, do DL 406/68, com a Constituição pretérita, que consagrava, como é sabido, o princípio da igualdade” (Min. Carlos Velloso, RE 236.604-7/PR). Precedentes a conferir, citados pelo relator: “RE 96.475/SP, Rafael Mayer, 1ª T., 14.5.82, DJ de 04.6.82; RE 105.185/RS, Rafael Mayer, 1ª T., 03.5.85, RTJ 113/1.420; RE 105.854/SP, Rafael Mayer, 1ª T., 18.6.85, RTJ 115/435; RE 105.273/SP, Rafael Mayer, 1ª T, 31.5.85, DJ de 21.6.85; RE 82.560/SP, Aldir Passarinho, 2ª T., 27.5.83, DJ de 05.8.83; RE 82.724/CE, Leitão de Abreu, Plenário, 11.10.78, RTJ 90/533”.
5. As sociedades civis constituídas por profissionais para executar serviços especializados, com responsabilidade pessoal destes, e sem caráter empresarial, tem direito ao tratamento do art. 9º, § 3º, do DL nº 406/68.
6. Precedentes: REsp 3356/PB, Min. Humberto Gomes de Barros, STJ; RE 82091/SP, STF; RE 105.273/SP, STF; RE 82.724/CE, STF; Resp 34.326-8/MG, Min. José de Jesus Filho; REsp. 157.875/MG, Min. Garcia Vieira.
7. Agravo regimental não-provido.
(Origem: STJ, Classe: AGRESP, – 922047, Processo: 200700213997, UF: RS Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA, Data da decisão: 21/06/2007)” (grifei)
Mas não apenas não pode o sistema de tributação por valor fixo ser desconsiderado pelo Município, como também não é dado a este condicionar a aplicação de tal regime ao cumprimento de requisitos não previstos em lei complementar.
Ressalto que, tendo o DL 406/68 sido recepcionado com nível de lei complementar (o próprio § 3º do art. 9º já fora acrescido pela LC 56/87), o regime nela estabelecido, com as alterações impostas pela LC 116/03, é de aplicação obrigatória pelos Municípios, restando inválida, por violação aos arts. 146, III, a, e 156, § 1º, da CF, a legislação municipal que disponha em sentido contrário. E dispor em sentido contrário significa negar-lhe aplicação, total ou parcialmente, em todos ou em alguns casos, sem que tal decorra do próprio DL 406/68 ou da LC 116/03.
Esclarecedor e preciso, no ponto, aliás, o julgado do Egrégio Tribunal Regional Federal desta 4ª Região:
TRIBUTÁRIO. ISS. SOCIEDADES DE ADVOCACIA.
1. Não há irregularidade na representação da OAB, uma vez que os Conselhos Seccionais têm personalidade jurídica própria, com jurisdição sobre os respectivos territórios, de acordo com o disposto no artigo 45, §2º e 57 da Lei nº 8.906/94. Assim, prescindem de autorização individual para a defesa da classe dos advogados (artigo 44, II da Lei nº 8.906/94).
2. Não há in casu incompetência da Justiça Federal, tendo em vista que a Ordem dos Advogados do Brasil tem, sim, natureza jurídica de autarquia, revestida de caráter especial.
3. Existe prevenção contra o eventual ato de autoridade consubstanciado na autuação por falta de recolhimento de tributo (ISS), bem como na não admissão no regime fixo anual de tributação por meio de ISS de sociedades de advocacia registradas no Município de Curitiba, independentemente do número de trabalhadores em relação ao número de sócios, pelo que cabível a impetração de mandado de segurança.
4. A lei complementar municipal 40/01 inovou, ampliando a prescrição legal aplicável, formulando exigência que acaba por impor condições diferentes às sociedades dedicadas às mesmas atividades, baseadas em fator irrelevante para o desempenho dos serviços.
5. Ora, uma vez que o decreto-lei nº 406/68 foi recepcionado pela nova ordem constitucional, a lei complementar municipal se apresenta como instrumento inidôneo a alterar previsão de norma geral, tendo excedido sua competência.
6. A imposição de condição – in casu possuir no máximo dois trabalhadores em relação a cada sócio – em nada modifica a condição do serviço prestado pela sociedade de advocacia contribuinte de ISS, razão pela qual excluir do regime fixo de anual de tributação pelo ISS sob esse fundamento ofende a isonomia e contraria a Constituição Federal.
(TRF4, AMS 2002.70.00.014508-6, Primeira Turma, Relatora Maria Lúcia Luz Leiria, DJ 14/01/2004)
A legislação municipal (LC 07/73 e Decreto Municipal nº 15.416/09), ao inovar em matéria de condições para a tributação das sociedades de advogados por valor fixo conforme o número de profissionais, não encontra suporte de validade.
Válidas só poderiam ser condições estabelecidas por lei complementar federal ou decorrentes do próprio conceito de sociedades profissionais, o que, no caso da sociedade de advogados, encontra disciplina no Estatudo da OAB (Lei 8.906/94), que dispõe:
Art. 16. Não são admitidas a registro, nem podem funcionar, as sociedades de advogados que apresentem forma ou características mercantis, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam sócio não inscrito como advogado ou totalmente proibido de advogar.
§ 1º A razão social deve ter, obrigatoriamente, o nome de, pelo menos, um advogado responsável pela sociedade, podendo permanecer o de sócio falecido, desde que prevista tal possibilidade no ato constitutivo.
§ 2º O licenciamento do sócio para exercer atividade incompatível com a advocacia em caráter temporário deve ser averbado no registro da sociedade, não alterando sua constituição.
§ 3º É proibido o registro, nos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas e nas juntas comerciais, de sociedade que inclua, entre outras finalidades, a atividade de advocacia.
Note-se que a preservação da essência das sociedades de advogados como sociedades profissionais já é assegurada pela sua própria definição legal constante do Estatuto da Advocacia.
Ante o exposto, CONCEDO A MEDIDA LIMINAR para determinar que a autoridade coatora se abstenha de exigir das sociedades de advogados com registro na OAB/RS o recolhimento do ISSQN tendo por base o preço dos serviços prestados, independentemente do cumprimento das condições estabelecidas no art. 20, § 4º, inciso II, da Lei Complementar Municipal nº 07/73 e no art. 49, IV e VII, §§ 3º e 4º, do Decreto 15.416/06, cuja exigibilidade suspendo, sem prejuízo do recolhimento e da cobrança do imposto pelo regime de tributação fixa anual que encontra suporte no DL 406/68.”
No bojo das informações prestadas pela autoridade a este Juízo inexiste qualquer argumento contrário àqueles que foram lançados na decisão ora transcrita.
Da leitura das razões do agravo de instrumento manejado, todavia, é possível verificar que o município defende a necessidade de observância do art. 20, §§ 2º e 3º da Lei Complementar Municipal nº 7/73. Sustentou que a medida liminar outorgada é antijurídica em razão de seu caráter genérico e abrangente, albergando, portanto, sociedades de advogados que exercem verdadeira atividade empresarial.
Diferentemente do que preconiza a requerida, a extensão do provimento jurisdicional foi especificamente estabelecida por este Juízo. A prestação de serviços de advocacia por sociedades inscritas na OAB e enquanto inscritas é que foi albergado pelo provimento.
Ademais, houve suspensão da exigibilidade dos requisitos impostos unicamente pelo art. 20, § 4º, inciso II, da Lei Complementar Municipal nº 07/73 e art. 49, IV e VII, §§ 3º e 4º, do Decreto 15.416/06. Em nenhum momento para aplicação da tributação per capta foi ceifada a necessidade de cumprimento das disposições contidas nos §§2º e 3º da LC 07/73, os quais, diga-se, sequer constituem objeto do presente litígio. Apregoa a norma em questão:
Art. 20 – A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.
(…)
§ 2º – Quando se tratar de prestação de serviços sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, o cálculo do imposto será em função da Unidade Financeira Municipal (UFM), conforme tabela anexa.
§ 3º – Quando os serviços a que se referem às alíneas abaixo forem prestados por sociedades, independentemente do número de funcionários que possuírem, essas ficarão sujeitas ao imposto na forma do parágrafo anterior, calculado em relação a cada profissional habilitado, sócio, empregado ou não, que preste serviços em nome da sociedade, embora assumindo responsabilidade pessoal, nos termos da lei aplicável:
(…)
O texto em questão basicamente reproduz as disposições contidas na legislação federal (Decreto-Lei nº 406/68 e Lei Complementar nº 116/03), razão pela qual nenhuma antijuridicidade há na manutenção da observância de tais critérios, embora não possam ser exigidos mediante a interpretação a eles atribuída pela impetrada.
Como se disse, a insurgência da OAB encontra-se justamente na imposição de requisitos que não encontram amparo na legislação federal para adoção da tributação com base no número de profissionais da sociedade de advogados. Este é o limite do pedido que balizou a medida liminar concedida por este Juízo e que delimita a eficácia da presente sentença.
A legislação municipal desbordou de seu âmbito de atuação a partir do momento que passou a definir critérios que afastavam determinadas sociedades de advogados do sistema de tributação aplicável às demais. Assim, as disposições estabelecidas no art. 20, § 4º, inciso II, da Lei Complementar Municipal nº 07/73 e no art. 49, IV e VII, §§ 3º e 4º, do Decreto 15.416/06 implicavam disposições acerca da composição das sociedades de advogados para que fizessem jus à tributação per capta, o que no caso concreto, evidentemente, desborda dos limites constitucionais da competência legislativa municipal.
Quanto aos requisitos da lei federal que são válidos e foram reproduzidos na legislação municipal, a interpretação que o Município lhes dá é que desborda do alcance da norma, voltada à tributação e não à regulamentação do exercício profissional.
O Município procura desqualificar as sociedades como prestadoras de serviços profissionais em face de contarem com a colaboração eventual de outros profissionais ou empresas, o que, contudo, é meramente instrumental à realização do serviço profissional de advogado.
A complexidade da advocacia, note-se, já não se compadece mais com a figura do advogado isolado. Pelo contrário, exige profissionais com estrutura para o enfrentamento das questões, daí a manutenção de bibliotecas e serviços de apoio e eventual contratação de experts, o que, contudo, não descaracteriza, antes qualifica, o serviço de advocacia prestado.
Outra consideração descabida da impetrada diz respeito à pessoalidade dos serviços tal como interpretada pelo Município. Isso porque, nos termos do próprio DL 406/68, a pessoalidade se dá quando da prestação de serviços pelo profissional individualmente. Quando da constituição de sociedade, a prestação é feita em nome da sociedade, tendo, o DL 406/68 expressamente referido esta circunstância (“forem prestados por sociedade” e “preste serviços em nome da sociedade”) e determinado a aplicação, também neste caso, do regime de recolhimento de ISS per capta.
Por fim, evidência de organização e busca de lucro não descaracterizam nenhuma sociedade profissional. Seja individualmente, seja em sociedade, busca-se a organização do trabalho e ganhos na atividade profissional. É uma questão de razoabilidade prática, não se forma societária ou de natureza do objeto.
Note-se, ainda, por derradeiro, que a questão de as sociedades serem uniprofissionais ou pluriprofissionais tampouco deveria importar para fins de cobrança do ISS, por não desqualificarem a natureza da atividade desenvolvida, mormente considerando, no caso, que também os Contadores e Administradores realizam serviços profissionais regulamentados.
Note-se, ademais, que o STF chegou a afirmar que eventual condição pluriprofissional sequer desqualifica a sociedade como uma sociedade profissional para fins de incidência de ISS, porquanto o § 3º do art. 9º do DL 406/68, com a redação da LC 56/87), não circunscreve o regime a uma única atividade profissional, mas às diversas atividades relativas à prestação de serviços profissionais regulamentados. Ainda que a sociedade pluriprofissional possa ser vedada pelas leis reguladoras das diversas profissões de modo a não ensejar a prestação de serviços específicos por não habilitados, tal não tem efeitos automáticos para fins tributários, pois não desqualifica a essência da atividade realizada e objeto de tributação: prestação de serviços de profissão regulamentada. Vejamos:
“IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. SOCIEDADE CIVIL. PROFISSIONAIS DE QUALIFICAÇÕES DIVERSAS. BENEFÍCIO FISCAL. DECRETO-LEI 406/68, ART. 9º, § 3º (REDAÇÃO DO DECRETO-LEI 834/69). O art. 9º, § 3º c/c art. 1º do DL. 406/68 (redação do DL 834/69) assegura a tributação do ISS, na forma fixa, quer às sociedades uniprofissionais, quer às pluriprofissionais. Precedentes do STF. Recurso extraordinário não conhecido.” (STF, REx 96.475-4/SC, Min. Rafael Mayer, mai/82)
Analisando, pois, com cuidado a questão e atentando para a manifestação do Município, ainda assim não vislumbro fundamento suficiente para infirmar a liminar concedida, que, pelo contrário, merece ser confirmada.
III – Dispositivo:
Ante o exposto, rechaço a preliminar e, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, CONCEDO A SEGURANÇA para determinar que a autoridade coatora se abstenha de exigir das sociedades de advogados com registro na OAB/RS o recolhimento do ISSQN tendo por base o preço dos serviços prestados, independentemente do cumprimento das condições estabelecidas no art. 20, § 4º, inciso II, da Lei Complementar Municipal nº 07/73 e no art. 49, IV e VII, §§ 3º e 4º, do Decreto 15.416/06, sem prejuízo do recolhimento e da cobrança do imposto pelo regime de tributação fixa anual que encontra suporte no DL 406/68.
Custas pela impetrada.
Sem condenação em honorários (art. 25, Lei 12.016/09).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2009.