O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Gilmar Mendes, disse neste sábado (17), em Salvador (BA), que está esperando para os próximos dias o anúncio de “investimento significativos” do governo federal nos sistemas prisional e carcerário brasileiros. Informou, neste contexto, que o CNJ estabeleceu como meta “zerar” o número de pessoas presas em delegacias de polícia.
Essas informações foram prestadas pelo ministro em entrevista coletiva, logo após ele participar da abertura dos trabalhos de alto nível da 12ª Conferência das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Penal. O grupo de alto nível está elaborando o texto da chamada “Carta de Salvador”, documento final do evento, que tem seu término marcado para esta segunda-feira, na capital baiana, e conta com cerca de 4 mil participantes de 140 países.
Modelo
“Nós estamos fazendo um grande esforço no sentido da transformação do nosso modelo prisional. Estamos celebrando parcerias, o Mutirão Carcerário é hoje uma realidade”, observou, referindo-se ao programa em que juízes, promotores públicos estão realizando um esforço conjugado para rever a situação dos presos, reduzir a população carcerária do país e dar-lhe um tratamento mais humano e justo. Segundo ele, o mutirão permitiu criar um departamento de monitoramento do sistema prisional, uma autoridade judicial que vai monitorar o sistema prisional a partir do CNJ.
Em resposta a uma indagação sobre as propostas que o Brasil apresentou na Conferência da ONU, o ministro disse que foram várias. “O Começar de Novo é hoje um projeto bem sucedido, uma parceria com as entidades estatais como um todo e com a sociedade”, observou. “Hoje, nós temos um plano de gestão da justiça criminal, coordenado e dirigido pelo CNJ. Creio que estamos realmente avançando bastante. No próximo ano, certamente já vamos ter bons resultados desse trabalho coordenado.”
“A nossa expectativa, inclusive, é que, nos próximos dias, o próprio governo anuncie investimentos significativos no que diz respeito ao sistema prisional e ao sistema carcerário e, certamente, isto abre também novas perspectivas”, observou.
Ao anunciar a meta de zerar o número de presos em delegacias, o presidente do STF e do CNJ afirmou: “Queremos encerrar esse quadro vergonhoso de transformar as delegacias em depósitos de presos”. Ele lembrou, neste contexto, que na própria Bahia há um número elevado de presos em delegacia, o mesmo ocorrendo no Rio de Janeiro e no Paraná.
Da mesma forma, ele anunciou a meta de diminuir, também, o número de presos provisórios. “O Brasil tem 44% dos seus 473 mil presos em regime de prisão provisória”, observou. “Nós queremos acelerar o julgamento dos processos, evitando esse acúmulo de presos provisórios, não só sob o aspecto de direitos humanos, mas também no aspecto de segurança pública. Se a justiça criminal é falha em alguns dos seus sentidos, é falha também no sistema de segurança pública. Daí a necessidade de integração, e daí a necessidade desses mutirões e dessas parcerias, que estamos realizando com as autoridades de segurança pública”.
Questionado como será possível zerar o número de presos em delegacias, ele disse que isso terá de ocorrer pela criação de presídios, ”na forma legal, encerrando, portanto, esse quadro vergonhoso que propicia rebeliões, fuga, violência e tortura”.
Quanto à tortura, ele lembrou que essa é outra preocupação do CNJ. “Nós não queremos mais que o Brasil conviva com esse quadro vergonhoso de tortura nas prisões, em delegacia”, afirmou. “Nós temos, hoje, uma comissão no CNJ trabalhando para que isso não se repita. Temos, hoje, um grupo investigando tortura no Maranhão. E queremos realmente encerrar esse quadro”.
Começar de Novo
O ministro informou que é meta do CNJ obter, até o fim deste ano, 10 mil vagas de trabalho ou de treinamento, dentro do programa Começar de Novo, destinado à reinserção do preso na sociedade e à redução da reincidência de pessoas que deixam a prisão. Até agora, como disse, já foram obtidas 2.000 vagas no âmbito deste programa. Para isso, como ressaltou, é preciso treinar pessoal e o próprio preso, preparando-o para isso.
Questionado sobre como acabar com a lentidão da justiça, ele disse que o CNJ está monitorando o sistema judiciário, sobretudo a justiça criminal. “Nós criamos um modelo de gestão do sistema de justiça criminal, e estamos preconizando a informatização da justiça criminal como um todo”, afirmou. “A nossa expectativa é de que as varas de execução penal virtuais sejam instaladas pelo menos em 50% dos Estados, nos próximos 12 meses”.
“Nós queremos que haja recursos para um sistema de justiça criminal”, observou. “Estamos recomendando aos tribunais que priorizem a justiça criminal, como um tema de direitos humanos e de segurança pública”.
Reincidência
O ministro admitiu que a reincidência dos presos em regime semiaberto ou aberto é preocupante.
“Na verdade, imaginamos que a reincidência também decorra da falta de um adequado sistema de reinserção social”, afirmou, lembrando que o projeto Começar de Novo é um caminho no sentido de reduzir a reincidência. “Estamos buscando parceria para evitar essa taxa elevada de reincidência que, no Brasil, se diz, ultrapassa 60%. Nós temos que afetar isso como um tema de segurança pública”.
Ele lembrou, neste contexto, que o CNJ apresentou, recentemente, ao Congresso Nacional, a adoção do regime aberto e a introdução das chamadas pulseiras eletrônicas, o controle eletrônico, mas ressaltou: “É claro que, para isso, nós precisamos de recursos”.
Conferência
Momentos antes de sua entrevista, o ministro fez um pronunciamento na solenidade de início dos trabalhos do grupo de alto nível que vai elaborar a declaração final da 12ª Conferência das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, que se realiza no Centro de Convenções da capital baiana, sob presidência do ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto.
Ele lembrou, neste pronunciamento, que os problemas no sistema criminal, sobretudo no carcerário, se estendem por todo o mundo, e que o Brasil não é exceção neste quadro, mas que, “hoje, o país se defronta com um dos cenários mais prospectivos a revelar a inflexão decisiva em direção à modernidade”.
Nesse contexto, ele destacou os mutirões carcerários. Lembrou que, nos levantamentos feitos sob coordenação do CNJ que precederam a criação dos mutirões, foram detectados graves problemas no sistema prisional brasileiro e no conjunto de procedimentos ligados à execução penal. Entre eles, destacou inércia ou lentidão processual; ineficácia da pena; impunidade; elevado íncdice de reincidência; superlotação carcerária; rebeliões rotineiras; excesso de prisões provisórias em contraposição a milhares de mandados de prisão a cumprir; falta de acompanhamento ou descontrole na aplicação das penas e medidas criminais.
Quanto aos presos, verificou-se, segundo ele, “a contrariedade à lei, especialmente à Constituição, escancarava-se diante das condições em que cumpridas as penas no país”.
No âmbito da Justiça, lembrou que se constataram deficiências que vão desde a falta de técnicos, quando não uma estrutura mínima de funcionamento das varas de execução criminal; escassez de defensores em contraposição aos milhares de processos aguardando instrução, e ainda custos elevadíssimos de manutenção de presos.
Ademais, segundo ele, essa radiografia efetuada sob coordenação do CNJ deu conta de um déficit de mais de 167 mil vagas no sistema prisional, que cresce em média 7,11% ao ano, “número que se torna ainda mais grave, se considerados os milhares de mandados de prisão que ainda estão por cumprir”.
Um ano e meio depois da instituições dos mutirões, já foram examinados mais de 116 mil processos de presos, concedidos mais de 35 mil benefícios previstos na Lei de Execução Penal, entre os quais mais de 21 mil liberdades. “Em outras palavras: por dia, 36 pessoas indevidamente encarceradas readquiriram o vital direito à liberdade”.
Quanto a racionalização dos gastos, no sistema carcerário com superlotação, Gilmar Mendes disse que os mutirões resultaram na realocação de vagas equivalentes à capacidade de 50 presídios médios.
Ele se referiu, também, ao segundo conjunto de medidas para dar consequência aos mutirões. O projeto Começar de Novo, a criação de núcleos de advocacia voluntária e o plano de gestão das varas criminais e de execução penal.
Ele disse que o projeto Começar de Novo é importante instrumento para reduzir a reincidência criminal. Segundo ele, a meta inicial foi reduzir a taxa de reincidência no mínimo para 20% no primeiro ano, estabilizando-se a seguir neste patamar, mediante monitoramento trimestral.
O objetivo é também aumentar em 10% da população carcerária o número de vagas de trabalho no primeiro ano de funcionamento do programa, com aumento de 10% nos anos posteriores. Essas metas, segundo ele, parecem cada vez mais realizáveis, diante da adesão dos mais diversos órgãos do poder público e da iniciativa privada, da própria sociedade.
Ele informou, também, que estão sendo realizados maciços investimentos para alcançar 100% de informatização na área de execução penal, visando acabar com o obsoleto controle manual dos processos. Ele lembrou que foi um juiz sergipano o primeiro a instalar uma vara de execução penal virtual.
Medidas alternativas
Em seu pronunciamento na conferência, o ministro Gilmar Mendes ressaltou, também, a importância de se pensar na aplicação de penas alternativas. Disse que a experiência brasileira neste campo já é exitosa, mas que ainda há margem para se avançar. O Programa de Penas e Medidas Alternativas “é uma grande resposta”, segundo ele, tendo em vista o baixo índice de reincidência dos cumpridores do programa. O CNJ, como informou, regulou o tema por uma resolução especial.
Ele informou que o CNJ conta, hoje, com um Departamento de Monitoramento e Fiscalização de todo o sistema carcerário. É dirigido por um juiz auxiliar e é vinculado diretamente ao presidente do CNJ e à Corregedoria Geral de Justiça. É o ministro Gilson Dipp, membro do CNJ, supervisor do departamento.
Mendes destacou, também, o plano de gestão das varas criminais e de execução penal, abrangendo o conjunto de medidas voltadas à modernização do sistema penal brasileiro, entre as quais consta a elaboração de projetos de lei já enviados ao Legislativo para votação. “A meta que se persegue de forma quase obstinada é ampliar a transparência; favorecer a agilidade e a eficácia procedimental e, assim, a efetividade da lei”, afirmou.
FK/EH