A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul(TRT-RS) condenou um proprietário rural a pagar diferenças salariais a uma trabalhadora analfabeta que não tinha condições de assinar comprovantes de recebimento. A decisão reforma, neste aspecto, sentença da juíza Ana Luiza Barros de Oliveira, da 2ª Vara do Trabalho de Caxias do Sul. Segundo os desembargadores do TRT-RS, é obrigação do empregador providenciar registros dos pagamentos, sendo que a condição de analfabeta, no caso, não justifica a ausência da documentação.
Conforme o processo, a reclamante ingressou com ação trabalhista para que o vínculo de emprego fosse reconhecido, já que realizava atividades de roça, manutenção e cuidado de animais, na propriedade do reclamado. Este, no entanto, alegou que a relação de emprego nunca existiu, e que havia apenas um contrato de comodato, pelo qual a reclamante podia morar em uma casa da sua propriedade, apenas com a responsabilidade da conservação do imóvel no estado em que o recebeu. A juíza de 1º grau considerou presente a relação de emprego e, embora o reclamado tenha recorrido ao TRT-RS dessa determinação, a decisão foi confirmada pela 3ª Turma do Tribunal.
Resolvida essa controvérsia, restou o pedido feito pela reclamante do pagamento de diferenças salariais. Segundo os autos, a trabalhadora afirmou que recebia de R$50 a R$100 mensais, além de um valor semelhante pago em compras de mantimentos. Por sua vez, o reclamado, inicialmente, argumentou que não havia necessidade de pagamento porque não havia prestação de serviços, mas declarou, por fim, que pagava um salário mínimo mensal, composto por parcela em dinheiro e parte em alimentação. Disse, entretanto, que não possuía recibos dos pagamentos devido ao fato da trabalhadora ser analfabeta e não ter condições de assinar os comprovantes. A juíza de Caxias aceitou essa versão como a mais verossímil e indeferiu o pleito, o que gerou recurso da reclamante ao TRT-RS.
No julgamento, o relator do acórdão, desembargador João Ghisleni Filho, salientou que, nessas hipóteses, a comprovação de que o empregado não possui o direito alegado fica a cargo do empregador, como previsto pelo artigo 333, inciso II do Código Civil e artigo 818 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o que o reclamado não conseguiu realizar plenamente. Conforme o magistrado, o fato da trabalhadora ser analfabeta, com dificuldades até mesmo para se expressar, vivendo praticamente isolada em meio rural, exige que a situação seja adequada à sua realidade, dentro do princípio da proteção ao hipossuficiente, que deve ser seguido pelo direito do trabalho. “Nessa linha de raciocínio, não é possível concluir que, pelo fato de ser analfabeta, fica dispensado o empregador de comprovar o pagamento dos salários em face de que ela não pode assinar recibos. Outro meio de registro, pagamento ou comprovação deve ser providenciado, o que não foi feito pelo reclamado”, destacou o julgador.
Em depoimento, a reclamante afirmou, num primeiro momento, que recebia, de fato, um salário mínimo mensal. Quando perguntada sobre como era feito o pagamento, disse que o reclamado fazia suas compras, e que dinheiro ela nunca havia recebido. Depois, afirmou receber, às vezes, entre R$50 e R$100. Para o relator Ghisleni, “não há como aceitar, portanto, que a reclamante tenha recebido integralmente o salário-mínimo durante o contrato de trabalho”. Nesse contexto, os magistrados fixaram as diferenças devidas subtraindo do salário mínimo vigente na época do processo (R$465) os valores relativos à alimentação (25%) e de moradia (20%), além da quantia recebida em dinheiro, fixada em R$100. O valor restante deverá ser pago mês a mês, durante o período imprescrito do contrato de trabalho.
Não cabe mais recurso à decisão.
Processo 0000937-83.2010.5.04.0402 (RO)