Proteção intelectual – Tecnologia externa deve ser adquirida mediante contrato

por Pedro Bhering e Alysson Hautsch Oikawa

O conceito de compra subordinada à passagem de conhecimentos avançados foi reiterado em recente visita do ministro Nelson Jobim à França, onde se discutiram possíveis alianças militares e acordos que permitam a produção nacional de submarinos e aeronaves. Embora excluída dos moldes tradicionais de licitação, a estratégia do governo não é nova. Na década de 1980, a então estatal Embraer formou consórcio com empresas italianas para o desenvolvimento e produção do jato AMX. Àquela época, a Embraer já tinha como política adquirir novas tecnologias externas necessárias para a modernização e o desenvolvimento do seu parque industrial.

Com a privatização, a aquisição e a absorção de tecnologias, assim como os conseqüentes investimentos em pesquisa, cresceram significativamente, contribuindo para tornar a Embraer uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo. Esse exemplo é um entre outros que reforçam a importância da transferência de tecnologia e sua absorção pelo adquirente, como subsídio à capacidade de enfrentar a concorrência nos setores público e privado.

É tradição brasileira vincular a proteção de ativos intelectuais ao interesse social e ao desenvolvimento econômico do país, como determina o inciso XXIX, do artigo 5º, da Constituição de 1988. Entre leis federais, portarias ministeriais e atos normativos, são várias as normas que passaram a regular a matéria a partir de 1962.

O artigo 211 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) prescreve que os contratos que impliquem transferência de tecnologia deverão ser submetidos à aprovação do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

Em termos econômicos, a aprovação é requisito para a remessa ao exterior e para a dedução fiscal dos pagamentos (royalties) oriundos da transferência de tecnologia. Conforme disposto na Lei 4.131, de 1962 e em legislações complementares, as remessas de royalties e a dedução fiscal dos pagamentos pela empresa adquirente da tecnologia somente serão permitidas após a aprovação dos respectivos contratos pelo INPI.

Outro efeito importante é a legitimação ativa para medidas judiciais do exercício dos direitos de propriedade industrial envolvidos no contrato. Como a presunção é que só o titular possui tal prerrogativa, a validade de cláusula que permite ao licenciado pleitear os direitos negociados dependerá da aprovação do contrato pelo INPI.

Nos últimos tempos, o INPI tem flexibilizado a análise e conseqüente aprovação de contratos envolvendo transferência de tecnologia, fato que vem contribuindo para o incremento da aquisição de tecnologias estrangeiras por empresas nacionais e mesmo por subsidiárias de empresas estrangeiras sediadas no país.

Esta política traz como uma de suas conseqüências indiretas o desenvolvimento da pesquisa pelas empresas adquirentes das tecnologias, na medida em que, ao adquirir tais tecnologias externas, essas empresas são impelidas a criar ou ampliar seus centros de pesquisa, que se apresenta como fator preponderante para que as tecnologias sejam absorvidas. Além disso, essa estratégia é fundamental para que elas possam apresentar grau de competitividade nos cada vez mais disputados mercados.

Os casos do Japão, e mais recentemente da Coréia, são significativos, na medida em que algumas empresas desse último país, por exemplo, nos últimos quinze anos, apresentaram notável desenvolvimento, atingindo mercados antes inalcançáveis. Tal situação deve ser creditada à aquisição de tecnologias externas e a significativos investimentos em pesquisa.

Em que pese o fato de o Estado ainda regular a aquisição de tecnologia estrangeira, esta continua a representar fator preponderante para a competitividade de entes governamentais e de corporações privadas. Em algum ponto de sua evolução, a pessoa física ou jurídica se depara com a indagação de como fomentar sua capacidade inovadora. A criação e o desenvolvimento de ativos intelectuais por vias próprias ou através de terceiros constituem etapa inevitável para que uma empresa se torne competitiva em uma economia cada vez mais globalizada. Assim, dentro da atual realidade industrial brasileira, a opção de adquirir tecnologias estrangeiras apresenta-se como alternativa atraente e economicamente mais viável.

Além disso, com a absorção das tecnologias dentro dos prazos contratuais, a conscientização, disseminação e conseqüente implementação da cultura da pesquisa tornam-se naturais e obrigatórias. Este, então, é o cenário ideal que se apresenta para que o país possa em razoável espaço de tempo ter empresas capazes de produzir bens e serviços com padrão de qualidade e excelência em igualdade de condições com as empresas dos países mais desenvolvidos.

Revista Consultor Jurídico

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