Há no Brasil uma tendência dos juristas em pensar que o processo judicial é público. E a verdade é que esse tema não tem maior relevância enquanto os autos processuais são físicos, já que ficam resguardados nos cartórios e secretarias da Justiça, e o acesso é restrito às partes e a seus advogados, sendo facultada a terceiros a extração de certidões, desde que demonstrado o interesse, nos exatos termos dos incisos XXXIII e XXXIV, b, do artigo 5º da Constituição.
E essa idéia de que o processo é público está tão arraigada que quando a Casa Civil da Presidência da República estava analisando o Projeto da Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, o Ministério da Justiça sugeriu que o § 6º do artigo 11 fosse vetado. Sustentou violação à Lei Maior, exatamente porque restringe o acesso a documentos digitalizados às partes e ao Ministério Público. Felizmente, conseguimos demovê-los dessa proposta, citando o artigo 7º, XIII, do Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/1994), que assegura aos advogados examinarem processos em quaisquer tribunais, mesmo sem procuração nos autos. Ora, se qualquer do povo tivesse o mesmo direito, não precisaria a lei prever expressamente para os advogados.
A conclusão de que o processo judicial não é público é óbvia. Se por um lado a Carta Magna estabelece, em seu artigo 4º, publicidade mitigada de atos judiciais, por outro lado, assegura, no mesmo artigo, inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, prevendo inclusive direito à indenização, no caso de violação.
Como se sabe, no processo eletrônico, a íntegra dos autos digitais é acessível pela Internet aos usuários devidamente autorizados. E nesses autos consta a petição inicial do processo, a contestação, endereços, informações trabalhistas, fiscais e bancárias, laudos sobre o estado de saúde do autor, ou do réu, e muitos outros dados pessoais que devem ser preservados, o que seria vulnerado de pronto caso fosse autorizada consulta pública sem quaisquer limitações.
Mas se o processo não é público, também não é privado. E novamente a Constituição Federal tratou de regulamentar o tema ao dispor, em seu artigo 93, IX, que os julgamentos e decisões do Poder Judiciário serão públicos, desde que preservado o direito à intimidade. Com essas cautelas, portanto, nada obsta que as sentenças e despachos sejam publicados e acessíveis a qualquer do provo.
E exatamente em face desse pré-conceito de que o processo é público, o Conselho Nacional de Justiça começou a receber diversas reclamações contra vários tribunais que não permitem acesso público ao processo eletrônico, o que fez aquele Órgão convencer-se da necessidade de regulamentar o tema. Assim, em outubro do ano passado, depois de consulta pública, foi baixada a Resolução nº 121 (ver em http://www.cnj.jus.br), que “Dispõe sobre a divulgação de dados processuais eletrônicos na rede mundial de computadores, expedição de certidões judiciais e dá outras providências”.
Dita resolução autoriza a consulta por qualquer do povo aos dados básicos dos processos, tais como número, nome das partes e inteiro teor de despachos e sentenças, independentemente da demonstração de interesse, ressalvando os casos de sigilo e segredo de Justiça. Já para advogados, ainda que sem procuração nos autos e não sendo o caso de sigilo ou segredo de Justiça, a resolução autoriza acesso à íntegra de todos os documentos e atos processuais digitais, desde que demonstrado o interesse para fins de registro.
Uma disposição interessante consta do artigo 4º da resolução mencionada, que consiste na restrição de acesso a informações de réus criminais que tenham sido absolvidos e dos reclamantes na Justiça do Trabalho. Quanto a esse último caso, já é uma tradição da Justiça Obreira de evitar divulgação pública de autores de processos trabalhistas, a fim de evitar retaliações no mercado de trabalho para aqueles que acionam a Justiça para vindicar seus direitos.
Certamente é muito oportuna a Resolução 121/2010 do CNJ, pois no momento em que a Justiça brasileira está marchando a passos largos para a desmaterialização do processo judicial, um entendimento equivocado por parte dos tribunais quanto à publicidade no processo eletrônico poderia conduzir a prejuízos irreparáveis aos direitos da cidadania daqueles que necessitam socorrer-se da prestação jurisdicional.
Sérgio Renato Tejada Garcia é juiz federal no Rio Grande do Sul e ex-secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça.