A qualificação indevida de defesa de mérito como condição da ação, pela parte, não transforma sua natureza jurídica. Com esse entendimento, a 4ª Turma do STJ negou recurso de uma jurisdicionada do Rio Grande do Sul que questionava a ocorrência de preclusão de matérias relacionadas às condições da ação.
A recorrente pretendia modificar decisão judicial em ação de arbitramento e cobrança de honorários advocatícios contratuais. A ação foi julgada procedente em primeiro grau e, com a revisão de determinadas quantias, foi confirmada pelo TJRS.
No STJ, a devedora sustentou que o tribunal estadual não enfrentou algumas razões de defesa por considerar que estavam preclusas (a preclusão é a perda de uma faculdade processual que não foi exercida no momento certo). Segundo a recorrente, a decisão do TJRS teria contrariado a legislação e a jurisprudência do STJ.
Isto porque, afirmou ela, independentemente de terem sido invocadas antes, essas questões apontadas deveriam ser analisadas na segunda instância, por consistirem matérias de ordem pública. São elas: impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade passiva (ambas condições da ação).
Jurisprudência
Ao examinar a questão, o relator do recurso, ministro Antonio Carlos Ferreira, observou inicialmente que, de fato, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que não há preclusão em relação às condições da ação (que são, pelo Código de Processo Civil, aquelas indispensáveis para que uma ação exista).
“As condições da ação, ainda que não arguidas em primeiro grau ou não reiterado o agravo retido [como ocorreu no caso em julgamento], devem ser analisadas pelo tribunal intermediário por se tratar de matéria de ordem pública, cognoscível de ofício e insuscetível de preclusão”, disse o relator.
A impossibilidade jurídica do pedido (hipótese em que o autor pede algo que o juiz é legalmente impedido de conceder) estaria no fato de a tabela de honorários da OAB gaúcha, vigente à época dos fatos, prever pagamento de honorários, no caso de assistência jurídica, apenas quando houvesse vantagem econômica para o assistido.
Quanto à falta de legitimidade para figurar no lado passivo da ação, a recorrente afirmou que o pagamento de honorários deveria ser feito pela parte contrária, que foi vencida no processo original, e não pela parte que se valeu dos serviços do advogado.
Questões de mérito
Segundo o ministro, as abordagens sustentadas pela devedora sobre impossibilidade jurídica do pedido e ilegitimidade passiva, na verdade, não estão relacionadas às condições da ação, mas sim ao mérito.
“Com efeito, a cobrança de honorários realizada pelo patrono em face de seu cliente é um provimento admitido em abstrato pela legislação material e processual, portanto, juridicamente possível”, afirmou.
“Também a alegação de ilegitimidade passiva – em face da inexistência de responsabilidade pelo pagamento dos honorários – não tem a natureza de condição da ação”, disse o ministro.
“Isso porque há pertinência entre as partes da relação jurídica de direito processual (autor e réu) e da relação jurídica de direito material (advogado e cliente). Ou seja, o advogado interessado em receber seus honorários colocou no polo passivo da demanda aquele indicado como devedor, por ter sido o contratante e beneficiário dos serviços”, observou Antonio Carlos Ferreira, destacando ainda que “a argumentação da recorrente demonstra confusão entre honorários contratuais e honorários sucumbenciais”.
Teoria da asserção
Ele explicou que a jurisprudência do STJ admite a teoria da asserção, segundo a qual as condições da ação devem ser verificadas com base no que o autor afirma na petição inicial. Segundo essa teoria, as condições da ação existem para permitir que o juiz, numa medida de economia processual, desde logo declare a extinção das ações sem viabilidade jurídica, levando em conta o que foi afirmado na inicial.
No caso em julgamento, Antonio Carlos Ferreira observou que a discussão sobre os dois argumentos de defesa envolve questão de mérito, pois diz respeito à relação entre causa de pedir e o pedido formulado na petição inicial. Sendo assim, são temas sujeitos à preclusão, não importando que o recurso os tenha tratado como condição da ação. “A qualificação jurídica dada pela parte a uma defesa não a desnatura”, completou o ministro.
Para Antonio Carlos Ferreira, não há como afastar, no caso, a preclusão reconhecida pelo tribunal estadual, pois não houve reiteração do agravo retido (em relação ao previsto na tabela de honorários da OAB/RS, argumento qualificado pela devedora como impossibilidade jurídica do pedido) e porque houve inovação de matéria na apelação (sobre o pagamento dos honorários ser de responsabilidade da parte contrária, defesa enquadrada no recurso como ilegitimidade de parte). (REsp nº 595188 – com informações do STJ)