O TJ de Santa Catarina decidiu que uma indústria Germed Farmacêutica Ltda. deve continuar pagando pensão de um salário mínimo mensal – mesmo enquanto apelação não é julgada – a uma mulher da cidade de Navegantes que teria engravidado apesar de utilizar anticoncepcional fabricado pela ré.
A decisão é da 2ª Câmara de Direito Civil nos autos de agravo de instrumento interposto pela empresa em face de decisão que recebeu sua apelação apenas no efeito devolutivo no tocante à tutela antecipada..
A decisão que antecipara a tutela de mérito havia determinado que a ré pagasse o enxoval do bebê e as despesas médico-hospitalares do parto. Depois, em sentença, o Juízo de primeiro grau, além de confirmar a medida antecipatória, condenou a indústria farmacêutica a indenizar danos morais em R$ 60 mil – mais INPC a partir da decisão e juros de 1% ao mês desde o evento – e a prover pensão alimentícia de um salário mínimo por mês, até que o infante complete 18 anos ou conclua curso superior ou profissionalizante, devida desde o parto. Na própria sentença o julgador externou que eventual recurso em face da confirmação da tutela antecipada e fixação da verba alimentar seria recebido apenas no efeito devolutivo, ficando inclusive autorizada a execução provisória.
O relator do agravo no tribunal, desembargador Isidoro Heil, expôs que “a decisão recorrida conferiu efeito meramente devolutivo apenas aos capítulos da sentença que confirmaram a antecipação de tutela já deferida no curso do feito. Como tal efeito decorre diretamente do texto de lei, não podendo, em regra, ser modificado pelo juiz, foi correta a decisão em deferir o efeito suspensivo.”
O magistrado também gizou que o caso não reclamava a atribuição do chamado efeito suspensivo excepcional, previsto no artigo 558 do CPC, porque a agravante não instruiu o recurso com documentos que permitissem a constatação da afirmação de que o produto não era defeituoso, assim como não é possível avaliar se a autora não fazia uso do anticoncepcional.
Para o desembargador Heil, ademais, a antecipação da tutela não é irreversível, pois, se revertida a condenação, a agravante poderá buscar a devolução dos valores pagos. “Por vezes, muito embora a impossibilidade de reversão da medida seja ruim, seu indeferimento pode ser ainda pior para quem a almeja e não a obtém”, arrematou.
O acórdão anota que a empresa não pode ser privilegiada no pedido de efeito suspensivo porque, com capital social superior a R$ 10 milhões, está obrigada a pagar alimentos no “módico” valor de um salário mínimo, quantia indispensável à sobrevivência de criança de tenra idade.
No “embate entre o direito ao patrimônio, à propriedade, ao lucro, e o direito à vida”, não há dúvida sobre “qual deve prevalecer”, arrematou o relator.
Embargos de declaração aguardam julgamento.
Atuam em nome da autora os advogados Gislaine dos Prazeres Soares Varela Grueter e Walter Herbert Grueter Neto. (Proc. n. 2010.074045-9)
Agravo de Instrumento n. 2010.074045-9, de Navegantes
Relator: Des. Sérgio Izidoro Heil
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECEBIMENTO PARCIAL DE APELAÇÃO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. CONFIRMAÇÃO DA ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. IMPOSIÇÃO LEGAL. ARTIGO 520, VII, DO CPC. PLEITO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO TAMBÉM A ESTA PARCELA DA DECISÃO. CPC, ARTIGO 558. RELEVÂNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO DO APELO NÃO
COMPROVADA. FALTA DE DOCUMENTOS HÁBEIS À ANÁLISE DA QUESTÃO. IRREVERSIBILIDADE DA MEDIDA COMO ÓBICE A SEU DEFERIMENTO. DETERMINAÇÃO A SER VISTA COM RESERVAS. ANÁLISE DA QUESTÃO SOB O ÂNGULO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PREVALÊNCIA DO DIREITO À VIDA SOBRE A PROPRIEDADE. EFEITO SUSPENSIVO INDEVIDO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2010.074045-9, da comarca de Navegantes (1ª Vara), em que é agravante Germed Farmacêutica Ltda., e agravada C.R.S.:
ACORDAM, em Segunda Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar-lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Geramed Farmacêutica Ltda. em face de decisão que, nos autos da ação de indenização n. 135.08.003737-6, movida por C.R.S., recebeu a apelação apenas no efeito devolutivo quanto à antecipação de tutela e no duplo efeito quanto aos demais comandos da sentença (fls. 226/227).
Em suas razões recursais aduz, em síntese, que: nos termos do artigo 558 do CPC, deve-se conferir à apelação o duplo efeito, sob pena de tornar inútil eventual provimento do apelo, em irreparável prejuízo à agravante; é vedado o deferimento de antecipação dos efeitos da tutela quando se tratar de medida irreversível.
Concluiu com pedido de provimento do recurso, a fim de conferir efeito suspensivo à apelação na parte em que se trata da antecipação de tutela.
Em decisão da lavra do Des. Subst. Paulo Roberto Sartorato, indeferiu-se o pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal (fls. 237/244).
Embora intimada (fl. 248), a agravada não apresentou contra-razões (fl. 249).
VOTO
Na hipótese dos autos, a recorrente restou vencida em ação de indenização movida pela agravada. A sentença, dentre outras disposições, confirmou a antecipação de tutela no que pertine ao pagamento dos danos materiais e da inclusão da autora na folha de pagamento da agravante, o que já foi pretendido em sede de execução provisória do decisum.
Interposto recurso de apelação pela ora recorrente, foi o mesmo recebido no duplo efeito, exceto na parte em que houve o deferimento da tutela antecipatória. Em face desta última deliberação é que se dirige a presente irresignação.
Em regra, segundo ordena o caput do artigo 520 do CPC, recurso de apelação deve ser recebido em seu duplo efeito, devolutivo e suspensivo. Em alguns casos, porém, a própria lei determina, de forma taxativa, o recebimento do apelo apenas no efeito devolutivo, a fim de conferir efetividade à decisão impugnada. É o que se encontra nos incisos da disposição legal acima mencionada:
Art. 520. A apelação será recebida em seu efeito devolutivo e suspensivo.
Será, no entanto, recebida só no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que:
I – homologar a divisão ou a demarcação;
II – condenar à prestação de alimentos;
III – (revogado)
IV – decidir o processo cautelar;
V – rejeitar liminarmente embargos à execução ou julgá-los improcedentes;
VI – julgar procedente o pedido de instituição de arbitragem;
VII – confirmar a antecipação dos efeitos da tutela.
No caso dos autos, a decisão recorrida conferiu efeito meramente devolutivo apenas aos capítulos da sentença que confirmaram a antecipação de tutela já deferida no curso do feito. Como tal efeito decorre diretamente do texto de lei, não podendo, em regra, ser modificado pelo juiz, foi correta a decisão em deferir o efeito suspensivo.
A respeito, colhe-se desta Corte de Justiça, mutatis mutandis:
AGRAVO POR INSTRUMENTO. INSURGÊNCIA EM FACE DE DECISÃO QUE REJEITOU OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO MANTENDO O RECEBIMENTO DA APELAÇÃO APENAS NO EFEITO DEVOLUTIVO. ANTECIPAÇÃO PARCIAL DOS EFEITOS DA TUTELA CONFIRMADA EM DEFINITIVO NA SENTENÇA. POSSIBILIDADE DE SUPRESSÃO DO EFEITO SUSPENSIVO APENAS CONCERNENTE À PARTE EM QUE FOI CONCEDIDA A TUTELA. EXEGESE DO ARTIGO 520, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. REFORMA DA DECISÃO PARA QUE A APELAÇÃO SEJA RECEBIDA EM AMBOS OS EFEITOS, EXCETO NO TOCANTE À PARTE OBJETO DA TUTELA ANTECIPADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
“Ainda que parte da sentença final confirme decisão antecipada dos efeitos da tutela, o que impõe o recebimento do apelo no seu efeito devolutivo, à luz do art. 520, inciso VII do Código de Processo Civil, quanto ao mérito do decisum final, persiste a regra geral, do duplo efeito, insculpida no caput do aludido dispositivo legal.” (AI n. 2007.045717-6, Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento, DJ de
25-9-2008) (Agravo de Instrumento n. 2008.071661-9, da Capital, Rel. Des. Carlos Prudêncio, j. em 3-11-2009) (AI n. 2009.014307-7, rel. Des. Carlos Adilson Silva, j. em 28/06/2010) (sem grifos no original).
Há, porém, a exceção exposta pelo artigo 558 do CPC, o qual assim dispõe:
Art. 558. O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara.
Parágrafo único. Aplicar-se-á o disposto neste artigo as hipóteses do art. 520.
Sobre ela, assim dissertam Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery:
6. Efeito suspensivo excepcional. Tanto o juiz de primeiro grau quanto o relator podem conferir, excepcionalmente, efeito suspensivo ao recurso de apelação, verificadas as circunstâncias mencionadas no caput do CPC 558, conforme autoriza o par. ún. do CPC 558 (in: Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 868).
Em igual sentido, sublinhando o caráter excepcional da medida, o seguinte precedente do STJ, mutatis mutandis:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL – EMBARGOS À EXECUÇÃO JULGADOS IMPROCEDENTES – APELAÇÃO – EFEITO SUSPENSIVO – ART. 558 DO CPC – POSSIBILIDADES EM SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS.
1. Em casos excepcionais, onde haja o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, bem como a plausibilidade do bom direito, o art. 558 do Código de Processo Civil autoriza a imposição de efeitos suspensivos à apelação, ainda quando esta seja interposta contra sentença que julgue improcedentes os embargos à execução (…) (AgRg no REsp 1132266/SC, rel. Min. Humberto Martins, j, 20/10/2009).
A concessão de tal excepcional efeito suspensivo, porém, está condicionada à existência de lesão grave e de difícil reparação e, especialmente, à presença da relevante fundamentação. Impondo a lei, como regra geral, a concessão de efeito meramente devolutivo em caso de deferimento de antecipação de tutela, cabe ao apelante demonstrar de forma suficientemente robusta a presença dos referidos requisitos, relembrando-se já haver pronunciamento judicial de primeiro grau contrário, ao menos parcialmente, a seu interesse.
No caso dos autos, mostra-se impossível verificar se existente a relevante fundamentação. A questão debatida na demanda é de direito e, especialmente, de fato; todavia, ao presente instrumento não vieram quaisquer documentos necessários à constatação da afirmação feita pela agravante de que não há qualquer defeito em seu produto, estando ele apto ao fim pretendido. Também não há como avaliar se o conjunto probatório indica que a recorrida não fazia uso do
medicamento, outra das alegações de defesa.
O fato é que, ao presente agravo, somente foram anexadas as petições e decisões do processo, as quais, embora demonstrem estar presente a possibilidade de lesão grave e de difícil reparação, consistente no dispêndio de parte das verbas às quais foi condenada a agravante, não permitem avaliar o peso da fundamentação da recorrente, a relevância da fundamentação exposta. Logo, como ao excepcional deferimento de efeito suspensivo pedido na hipótese se faz indispensável a conjugação de ambos os requisitos alhures expostos, a falta de um deles impede o acolhimento do pleito.
Finalmente, a alegação de que a irreversibilidade dos efeitos da medida autoriza a concessão do efeito suspensivo também não merece acolhimento, por duas razões.
Primeiramente, as determinações decorrentes da antecipação dos efeitos da tutela não são irreversíveis. A eficácia do provimento antecipada limitou-se a obrigar a agravante à entrega de somas em dinheiro, bem essencialmente fungível.
Assim, caso revertida a condenação, nada obsta que se busque a devolução, ao menos parcial, do montante.
De outro norte, é preciso relembrar que o óbice representado pela irreversibilidade da medida deve ser observado com ponderação. Por vezes, muito embora a impossibilidade de reversão da medida seja ruim, seu indeferimento pode ser ainda pior para quem a almeja e não a obtém. A ponderação acerca da repercussão da adoção deste ou daquele posicionamento é de extrema importância para a definição da questão e não pode ser tolhida pelo simples argumento da irreversibilidade.
Neste sentido, a lição de José Roberto dos Santos Bedaque, em obra organizada por Antônio Carlos Marcato:
Não se pode desprezar, porém, a possibilidade de situações extremas, em que se permite a satisfatividade irreversível da tutela antecipada, sob pena de perecimento do direito. Se a única forma de se evitar essas conseqüência e assegurar a efetividade do processo for antecipar efeitos irreversíveis, não se pode excluir de plano a medida (in: Código de Processo Civil interpretado. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 833).
E continua:
Na solução do problema devem-se levar em consideração, sempre, os interesses em conflito. Ainda que provável o direito do autor, não se admite a antecipação de efeitos que impliquem dano irreversível a valores mais relevantes da parte contrária. Impossível traçar regras abstratas para resolver a questão. As circunstâncias concretas e a sensibilidade do juiz são os únicos dados para a busca do melhor resultado.
Somente o confronto dos interesses em conflito, realizado à luz do princípio da proporcionalidade, permitirá resolver o problema de forma adequada (in: op. cit. p. 834).
Na hipótese ora analisada, efetuando-se balanço entre os bens jurídicos em embate, não há como privilegiar o direito da agravante. Foi esta, empresa do ramo farmacêutico, com capital social superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), obrigada a pagar alimentos no módico valor de 1 (um) salário mínimo, indispensáveis à sobrevivência de criança de pequena idade. Tem-se, portanto, o embate entre o direito ao patrimônio, à propriedade, ao lucro, e o direito à vida; inexiste, assim, dúvida acerca de qual deve prevalecer, mormente em face da relevância da quantia
para cada uma das partes, da representatividade do montante para um e para outro litigante.
Assim sendo, mesmo pelo ângulo da irreversibilidade, a questão não pode ser decidida favoravelmente à agravante.
Por tais motivos, vota-se no sentido de conhecer do recurso e negar-lhe provimento.
DECISÃO
Nos termos do voto do relator, a Câmara, à unanimidade, conheceu do recurso e negou-lhe provimento.
Traslade-se cópia desta decisão aos autos da apelação cível n. 2010.082029-0.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Luiz Carlos Freyesleben, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Subst. Carlos Alberto Civinski.